Migalhas de Peso

"Prisão especial" – privilégio ou garantia?

Em razão do PL 4.208/01, que "altera dispositivos do CPP relativos à prisão, medidas cautelares e liberdade, e dá outras providências", prestes a ser votado pela Câmara dos Deputados, resolvi, com a máxima vênia que a questão exige, tecer alguns breves comentários sobre o tema, fazendo a seguinte indagação inicial: A chamada "prisão especial" é uma garantia ou um privilégio?

7/4/2011

"Prisão especial" – privilégio ou garantia?

Alexandre Pontieri*

"A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade... Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real." (Rui Barbosa)

Em razão do Projeto de Lei 4.208 (clique aqui), de 2001, que "altera dispositivos do Decreto-Lei 3.689 (clique aqui), de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal – relativos à prisão, medidas cautelares e liberdade, e dá outras providências", prestes a ser votado pela Câmara dos Deputados, resolvi, com a máxima vênia que a questão exige, tecer alguns breves comentários sobre o tema, fazendo a seguinte indagação inicial: A chamada "prisão especial" é uma garantia ou um privilégio?

Tentarei opinar de acordo com o texto que segue logo abaixo.

1) DO PROJETO DE LEI Nº 4.208, DE 2001.

Trata-se de Projeto de Lei de Relatoria do Excelentíssimo Senhor Doutor Deputado Federal João Campos, registrado sob o nº 4.208, de 2001, onde "altera dispositivos do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal – relativos à prisão, medidas cautelares e liberdade, e dá outras providências."

Dentre algumas das alterações sugeridas pelo Projeto de Lei 4.208/2001, está a proposta de alteração do artigo 295 do Código de Processo Penal (Decreto-Lei 3.689, de 3 de outubro de 1941), que trata da chamada "prisão especial".

Atualmente o artigo 295 do Código de Processo Penal Brasileiro está assim disposto:

Art. 295. Serão recolhidos a quartéis ou a prisão especial, à disposição da autoridade competente, quando sujeitos a prisão antes de condenação definitiva:

I - os ministros de Estado;

II - os governadores ou interventores de Estados ou Territórios, o prefeito do Distrito Federal, seus respectivos secretários, os prefeitos municipais, os vereadores e os chefes de Polícia; (Redação dada pela Lei nº 3.181, de 11.6.1957)

III - os membros do Parlamento Nacional, do Conselho de Economia Nacional e das Assembléias Legislativas dos Estados;

IV - os cidadãos inscritos no "Livro de Mérito";

V – os oficiais das Forças Armadas e os militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios; (Redação dada pela Lei nº 10.258, de 11.7.2001)

VI - os magistrados;

VII - os diplomados por qualquer das faculdades superiores da República;

VIII - os ministros de confissão religiosa;

IX - os ministros do Tribunal de Contas;

X - os cidadãos que já tiverem exercido efetivamente a função de jurado, salvo quando excluídos da lista por motivo de incapacidade para o exercício daquela função;

XI - os delegados de polícia e os guardas-civis dos Estados e Territórios, ativos e inativos. (Redação dada pela Lei nº 5.126, de 20.9.1966)

§ 1o A prisão especial, prevista neste Código ou em outras leis, consiste exclusivamente no recolhimento em local distinto da prisão comum. (Incluído pela Lei nº 10.258, de 11.7.2001)

§ 2o Não havendo estabelecimento específico para o preso especial, este será recolhido em cela distinta do mesmo estabelecimento. (Incluído pela Lei nº 10.258, de 11.7.2001)

§ 3o A cela especial poderá consistir em alojamento coletivo, atendidos os requisitos de salubridade do ambiente, pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequados à existência humana. (Incluído pela Lei nº 10.258, de 11.7.2001)

§ 4o O preso especial não será transportado juntamente com o preso comum. (Incluído pela Lei nº 10.258, de 11.7.2001)

§ 5o Os demais direitos e deveres do preso especial serão os mesmos do preso comum. (Incluído pela Lei nº 10.258, de 11.7.2001)

Já a redação final aprovada pelo Senado Federal ao Projeto de Lei 4208/2001 (PLC 111, de 2008 - clique aqui), recebeu o seguinte texto:

"Art. 295. É proibida a concessão de prisão especial, salvo a destinada à preservação da vida e da incolumidade física e psíquica do preso, assim reconhecida por decisão fundamentada da autoridade judicial ou, no caso de prisão em flagrante ou cumprimento de mandado de prisão, da autoridade policial encarregada do cumprimento da medida."

Ou seja, houve a sugestão legislativa de total supressão do rol de pessoas e de agentes políticos que têm a garantia, e não o privilégio, da chamada "prisão especial".

De acordo com o voto do Relator do PL 4.208/2001, "trata-se de alteração do texto do art. 295, referente ao recolhimento à prisão especial. A proposta proíbe a sua concessão, salvo se destinada à preservação da vida e da incolumidade física e psíquica do preso."

E cita ainda o Substitutivo do Senado, que propõe em seu artigo 4º, a revogação de uma série de dispositivos e leis que estabelecem casos de prisão especial, como, por exemplo, a lei 8.625 (clique aqui), de 12 de fevereiro de 1993, que institui a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, dispõe sobre normas gerais para a organização do Ministério Público dos Estados e dá outras providências, e, que, em seu artigo 40 dispõe que:

"(...)

"Art. 40. Constituem prerrogativas dos Membros do Ministério Público, além de outras previstas na Lei Orgânica:

"(...)

"V – ser custodiado ou recolhido à prisão domiciliar ou à sala especial de Estado Maior, por ordem e à disposição do Tribunal competente, quando sujeito a prisão antes do julgamento final."

E mais: o Relator do PL 4.208/2001 menciona também em seu voto a lei 8.906 (clique aqui), de 04 de julho de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

"(...)

Art. 7º. São direitos do advogado:

(...)

V – não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado Maior, com instalações e comodidades condignas, assim reconhecidas pela OAB, e, na sua falta, em prisão domiciliar."

2) DOS ARGUMENTOS PARA O PROJETO DE LEI Nº 4.208, DE 2001.

De acordo com o item de nº II do Voto do Douto Relator - Deputado João Campos (pág. 11 e segs. do Projeto de Lei em referência), os argumentos para a modificação na legislação quanto à chamada "prisão especial" residem no seguinte aspecto:

"Entendemos que a proposta de revogação de todas as prisões especiais é de grande valia, muito embora o seu resultado não atinja totalmente a nobre pretensão, haja vista que não ocorreram todas revogações – por vedação constitucional – que se fariam necessárias ao correto implemento das medidas, em especial das Leis Complementares nºs 35/79 (Dispõe sobre a Lei Orgânica da Magistratura Nacional), 75/93 (Dispõe sobre e organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União) e 80/94 (Organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais para sua organização nos Estados, e dá outras providências)."

"De toda sorte, opinamos pelas referidas revogações acolhendo a iniciativa do Senado que pugna pela diferenciação da prisão em razão da condição da pessoa, medida isonômica, justa e que se adéqua a cada situação de per si, e não à função ou a cargo do acusado. Assim, verifica-se que a prisão especial é excepcionalmente mantida, mudando substancialmente os critérios ou motivos pelos quais ela se dará. Cabe ressaltar que a redação dada pelo Senado ao art. 295, provavelmente teve inspiração no Projeto de Lei nº 3.119 de 2008, de autoria do Ilustre Dep. Marcelo Itagiba, cuja redação em muito se assemelha ao texto em comento, e foi apresentado em 27/03/2008, portanto em data anterior à iniciativa do Senado.

"No que concerne à necessária revogação das prisões especiais dos membros do Ministério Público, da Magistratura e da Defensoria Pública da União, tramita nesta Casa o PLP nº 283 de 2008, também de autoria do nobre Dep. Marcelo Itagiba, cujo teor entrega a devida solução à questão em comento. O tema é complexo e já pende recurso acerca de sua devolução à Mesa desta Casa, sob a alegação de vício de iniciativa, por tratar de matéria, no que concerne ao Parquet e aos magistrados, afetas a estes membros, por tanto, em tesem de iniciativa própria. Outrossim, enfrentaremos enorme pressão pelo corporativismo desses "Poderes", que lutam incessamente pela manutenção de status diferenciado, condição que aponta para o fato de que nunca advirá proposição da natureza em tela por iniciativa do Ministério Público e do Poder Judiciário.

"Portanto, pugnando pela justa aplicação da medida acolhemos o novo texto dado ao art. 295 e as revogações das prisões especiais." (grifei)

E, assim, o Substitutivo do Senado ao Projeto de Lei da Câmara 111, de 2008 (PL 4.208, de 2001, na Casa de origem), sugeriu a alteração do texto da ementa de "Altera dispositivos do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, relativos à prisão processual, fiança, liberdade provisória, demais medidas cautelares, e dá outras providências", para o seguinte texto de ementa: "Altera dispositivos do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, relativos à prisão processual, fiança, liberdade provisória, demais medidas cautelares, e dá outras providências".

Dispondo ainda que, "O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º. Os arts. 282, 283, 289, 295, 299, 300, 306, 310, 311, 312, 313, 314, 315, 317, 318, 319, 320, 321, 322, 323, 324, 325, 334, 335, 336, 337, 341, 343, 344, 345, 346, 350 e 439 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, passam a vigorar com a seguinte redação:

(...)

"Art. 295. É proibida a concessão de prisão especial, salvo a destinada à preservação da vida e da incolumidade física e psíquica do preso, assim reconhecida por decisão fundamentada da autoridade judicial ou, no caso de prisão em flagrante ou cumprimento de mandado de prisão, da autoridade policial encarregada do cumprimento da medida."

.........................................................................(NR)

3) PRISÃO ESPECIAL: GARANTIA OU PRIVILÉGIO?

A Lei Complementar 35 (clique aqui), de 14 de março de 1979 (que dispõe sobre a Lei Orgânica da Magistratura Nacional), dispõe em seu artigo 33, III, que:

"(...)

"Art. 33 - São prerrogativas do magistrado:

(...)

III - ser recolhido a prisão especial, ou a sala especial de Estado-Maior, por ordem e à disposição do Tribunal ou do órgão especial competente, quando sujeito a prisão antes do julgamento final;"

E mais, conforme já relatado no texto acima, o artigo 295 do Código de Processo Penal possui a seguinte redação:

Art. 295. Serão recolhidos a quartéis ou a prisão especial, à disposição da autoridade competente, quando sujeitos a prisão antes de condenação definitiva:

I - os ministros de Estado;

II - os governadores ou interventores de Estados ou Territórios, o prefeito do Distrito Federal, seus respectivos secretários, os prefeitos municipais, os vereadores e os chefes de Polícia; (Redação dada pela Lei nº 3.181, de 11.6.1957)

III - os membros do Parlamento Nacional, do Conselho de Economia Nacional e das Assembléias Legislativas dos Estados;

IV - os cidadãos inscritos no "Livro de Mérito";

V – os oficiais das Forças Armadas e os militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios; (Redação dada pela Lei nº 10.258, de 11.7.2001)

VI - os magistrados;

VII - os diplomados por qualquer das faculdades superiores da República;

VIII - os ministros de confissão religiosa;

IX - os ministros do Tribunal de Contas;

X - os cidadãos que já tiverem exercido efetivamente a função de jurado, salvo quando excluídos da lista por motivo de incapacidade para o exercício daquela função;

XI - os delegados de polícia e os guardas-civis dos Estados e Territórios, ativos e inativos. (Redação dada pela Lei nº 5.126, de 20.9.1966)

§ 1o A prisão especial, prevista neste Código ou em outras leis, consiste exclusivamente no recolhimento em local distinto da prisão comum. (Incluído pela Lei nº 10.258, de 11.7.2001)

§ 2o Não havendo estabelecimento específico para o preso especial, este será recolhido em cela distinta do mesmo estabelecimento. (Incluído pela Lei nº 10.258, de 11.7.2001)

§ 3o A cela especial poderá consistir em alojamento coletivo, atendidos os requisitos de salubridade do ambiente, pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequados à existência humana. (Incluído pela Lei nº 10.258, de 11.7.2001)

§ 4o O preso especial não será transportado juntamente com o preso comum. (Incluído pela Lei nº 10.258, de 11.7.2001)

§ 5o Os demais direitos e deveres do preso especial serão os mesmos do preso comum. (Incluído pela Lei nº 10.258, de 11.7.2001)

E ainda, como também já mencionado anteriormente sobre os motivos apresentados pelo Excelentíssimo Senhor Doutor Deputado Federal João Campos, o novo texto do CPP em caso de aprovação pela Câmara dos Deputados, receberá a seguinte redação:

"Art. 295. É proibida a concessão de prisão especial, salvo a destinada à preservação da vida e da incolumidade física e psíquica do preso, assim reconhecida por decisão fundamentada da autoridade judicial ou, no caso de prisão em flagrante ou cumprimento de mandado de prisão, da autoridade policial encarregada do cumprimento da medida."

Assim, em razão dos argumentos apresentados para a alteração de diversos artigos do Código de Processo Penal, especificamente dentre eles a alteração do artigo 295, cabem as seguintes indagações:

1) A chamada "prisão especial" é uma garantia ou um privilégio?

2) Será justa e isonômica sua alteração?

Conforme se extrai da doutrina do Eminente Professor Hugo Nigro Mazzilli1 sobre o tema em debate, temos o seguinte ensinamento:

"Argumenta-se que essa modalidade de prisão representa uma cultura preconceituosa e discriminatória, onde são conferidos privilégios para alguns e negados ao comum do povo. Entretanto, há casos em que a prisão especial ainda se justifica. Colocar um policial junto com outros detentos será submetê-lo à vingança daqueles que foram presos por ação sua; o mesmo ocorreria a um juiz ou um membro do MP. O verdadeiro sentido, constitucionalmente assegurado, de isonomia, consiste em tratar diferentemente os desiguais, buscando compensar juridicamente a desigualdade de fato e igualá-los em oportunidades. No que diz respeito aos agentes da repressão criminal, o verdadeiro princípio da igualdade consiste em conferir-lhes proteção jurídica adequada, para que cumpram a prisão como os demais indivíduos, mas o façam sem que sua integridade física, saúde ou vida sejam desnecessariamente expostas."

E continua o Eminente Jurista em seus ensinamentos2:

"(...)

"Ora, no que diz respeito à questão de que ora nos ocupamos, em princípio cumpre dizer que a prisão das pessoas que cometeram um crime, e foram definitivamente condenadas por isso, ou as pessoas cuja prisão processual seja conveniente ao interesse público (prisão em flagrante, preventiva, temporária etc.), todas elas, em tese, merecem o mesmo tratamento da lei.

Contudo, colocar, por exemplo, um policial na mesma prisão comum que os demais presos, será condená-lo à morte ou, no mínimo, a sevícias de todo o tipo, causadas pela inevitável vingança de todos aqueles que foram presos por ação sua. O mesmo se diga de colocar o juiz que condenou o criminoso na mesma prisão onde este cumpre sua pena ou sua prisão processual. Não é diverso o que ocorreria, ainda, com o membro do Ministério Público que acusou o preso que ora está a seu lado na prisão.

Nem se diga que bastaria não colocar o policial, o juiz ou o membro do Ministério Público junto com uma das pessoas que eles colocaram efetivamente na prisão. Entretanto, a simples condição funcional presente, ou antiga, do policial, do juiz ou do membro do Ministério Público já seriam suficientes, no mais das vezes, para que velhas animosidades ou vinganças se revelassem, motivadas não mais do que pelo esprit de corps, tão comum nos presídios.

No que diz respeito aos agentes do Estado que estão encarregados da repressão criminal, ou que alguma vez já estiveram disso encarregados, quanto a eles o verdadeiro princípio da igualdade consiste em conferir-lhes proteção jurídica adequada, para que, embora possam e devam cumprir a prisão processual ou definitiva como os demais indivíduos, o façam sem que sua integridade física, saúde ou vida sejam desnecessariamente expostas, como o seriam com certeza, a todo o tipo de vinganças de todos aqueles que sentiriam prazer em desforrar-se deles, e que se encontram nas mesmas prisões. E mesmo um juiz de cível, ou um policial administrativo, ou um promotor de Justiça que jamais tivessem posto um só criminoso na cadeia, pagariam com sofrimentos atrozes por aqueles outros colegas que o fizeram, no julgamento simplista que se faz no dia-a-dia das prisões.

É preciso, entretanto, ir mais além na busca da razão.

Indispensável aqui lembrar a lição de Rui Barbosa (Oração aos Moços, Martin Claret, São Paulo, 2003, p. 19) que, retomando lição milenar que veio de Aristóteles sobre o alcance do princípio da igualdade, assim pontificou: "A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade".

Tornou-se, pois, cediço na doutrina e na jurisprudência, de todos os países civilizados, que o verdadeiro princípio de isonomia consiste em tratar desigualmente os desiguais para torná-los substancialmente iguais." (grifos nossos)

E as sempre insuperáveis lições do Ministro e Professor Evandro Lins e Silva sobre a prisão, quando diz que: "A prisão perverte, corrompe, deforma, avilta, embrutece. É uma fábrica de reincidência, é uma universidade às avessas, onde se diploma o profissional do crime3."

Então, se a prisão perverte, corrompe, deforma, avilta, embrutece (basta ver o Relatório do Mutirão Carcerário do ano de 2010, desenvolvido por membros do Conselho Nacional de Justiça4), o que dizer da possibilidade de se colocar um Juiz de Direito ou de um Promotor de Justiça juntamente com outros presos que cometeram as mais diversas e diferentes formas de crimes?

Ou seja, esta sugestão de novo texto ao artigo 295 do Código de Processo penal segue na contramão do que está disciplinado na Convenção Americana sobre Direitos Humanos – O Pacto de São José da Costa Rica5 (Adotada e aberta à assinatura na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, em San José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969), adotado pelo Brasil como país signatário.

Vejamos, pois, o que diz o artigo 5º do Pacto de São José da Costa Rica (clique aqui):

Artigo 5º - Direito à integridade pessoal

1. Toda pessoa tem direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e moral.

2. Ninguém deve ser submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.

3. A pena não pode passar da pessoa do delinquente.

4. Os processados devem ficar separados dos condenados, salvo em circunstâncias excepcionais, e ser submetidos a tratamento adequado à sua condição de pessoas não condenadas. (grifos nossos)

Acredita-se sinceramente que será como jogá-los (Juízes e Promotores Públicos) aos leões sedentos por vingança.

Imaginemos a seguinte situação hipotética, não impossível de acontecer: um Juiz especializado na Vara Criminal ou nas Execuções Penais que enfrente algum problema com a justiça e seja colocado no mesmo local que os demais presos. Qual a segurança que este Juiz terá? Ou seja, o Estado não estará sendo isonômico em proteger os que se encontram em situações diferentes, mas sim os igualando, e mais ainda, os desprotegendo e colocando-os em risco quanto à sua integridade física e moral.

Todavia, entendemos também que são poucos os casos de Juízes e Promotores Públicos envolvidos em crimes para que uma lei com esse teor seja aprovada.

É necessário muito cuidado na elaboração legislativa, para que não haja desequilíbrio nas garantias constitucionais duramente alcançadas, e, que, muitas vezes são atropeladas pelo clamor da sociedade e da mídia em casos muitas vezes isolados e esporádicos6.

Para melhor elucidar a situação, vejamos trecho do voto do Egrégio Supremo Tribunal Federal ao julgar o Recurso de Habeas Corpus 61.436-1/SP:

"Quando a lei prescreve que certos acusados, antes da sentença condenatória, sejam recolhidos a "prisão especial", não está conferindo um favor pessoal, inaconselhável e inconstitucional, mas simplesmente instituindo medida acauteladora da liberdade individual, excepcionalmente suspensa, medida duplamente acauteladora do acusado e da justiça, visando a proteção da garantia constitucional "da integridade física e moral" do acusado, possibilitando a apuração da verdade e a salvaguarda da dignidade da pessoa humana e da própria função, sem influências estranhas e perniciosas.

Essa garantia de "prisão especial", desmembramento das garantias constitucionais catalogadas no art. 153 e seus §§ 12, 13, 14, 15 e 16, com a amplitude consagrada no § 36, todos da Constituição, constitui norma imperativa de direito público, de forma que nem à autoridade é dado arbítrio deliberativo, nem ao acusado renúncia de efetivação. Não cabe à autoridade o alvedrio na escolha do lugar da custódia, nem ao custodiado o direito de optar, pactuar, transigir.

Não pode a autoridade de qualquer grau, nem sob pretexto algum, mesmo correcional, diversificar na aplicação da lei, para sujeitar o acusado a constrição outra que a prevista. A disciplina carcerária não justifica a transformação da prisão, nem o agravamento de suas condições, nem é determinante de qualquer outra modificação de caráter punitivo imprevisto na lei.

A infração desses princípios e o ato que, direta ou indiretamente, negue ao acusado a "prisão especial" especificada na lei, constitui indiscutivelmente, evidente e clamoroso constrangimento ilegal, violência contra os direitos garantidos pela Constituição, constrangimento removível por meio de habeas corpus, na forma do dispositivo do art. 153, § 2º, da Constituição que nos rege".

Em um primeiro momento pode até parecer para parcela da sociedade e também da mídia que a chamada "prisão especial" é um privilégio, porém a "prisão especial", principalmente para Magistrados e Membros do Ministério Público tem como fundamento e razão de ser nos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, sem a qual estes (Juízes e Promotores) não sobreviveriam se colocados dentro do promíscuo e desestruturado sistema prisional.

Vejamos, pois, a conclusão do Professor Hugo Nigro Mazzili7 em seu artigo, sobre o tema em comento:

"(...)

"Por isso que, quando a lei confere aos membros do MP e aos juízes não só a prisão processual especial, como até mesmo o direito ao cumprimento da pena em dependência separada no estabelecimento prisional, nada mais está fazendo do que assegurar a integridade física e moral desses agentes públicos, "o que é de todo justificável, em vista do risco de vinganças ou represálias, se ficarem juntos com aqueles a quem, antes, possam ter processado" (Mazzilli, Regime jurídico do Ministério Público, 6. ed., Saraiva, 2008, p. 432; ainda no mesmo sentido, defendendo a constitucionalidade da prisão especial, quando justificável, v. Mirabete, Código de Processo Penal interpretado, 5. ed., Atlas, 1997, notas ao art. 295).

O indispensável, porém, é verificar se há justificativa racional, isto é, fundamento lógico para, à vista do traço desigualador escolhido, conferir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade proclamada. Caso contrário, uma discriminação gratuita geraria distorções indevidas, a pretexto de corrigir outras delas.

E esse é o caso da prisão especial para os magistrados e membros do Ministério Público: por razões totalmente inconfundíveis e especiais, existe justificativa racional para concedê-la, sem quebra alguma do princípio isonômico."

E, na mesma linha de pensamento, as lições sempre pontuais do Eminente Professor e Ex-Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Francisco de Assis Toledo, em artigo intitulado "Prisão Especial: Direito ou Privilégio8, em citação à manifestação do também Professor Tourinho Filho9, que diz que:

"Antes da sentença condenatória definitiva, a prisão, seja na hipótese de flagrante, seja na hipótese de preventiva stricto sensu, traduz, apenas, uma cautela do Estado, em virtude do periculum in mora, isto é, do perigo da insatisfação da pena ou da satisfação tardia, ou, então, como garantia da ordem pública ou por conveniência da instrução criminal. Enquanto não houver uma sentença condenatória irrecorrível, não se pode falar em condenação.

Sendo medida de exceção, que pode acarretar grave e imerecido dano àquele que a sofre, deve ser aplicada com a maior benignidade possível, e a concessão do art. 295 é consentânea com essa "aconselhável benignidade".

Não há qualquer lesão ao princípio da isonomia. Não se trata de concessão a pessoas, não se trata de privilégio para certas pessoas, mas de uma atenção a certas pessoas, levando-se em conta, exclusivamente, a relevância, a majestade e a importância do cargo ou função que essa ou aquela pessoa desempenhe no cenário jurídico-político da Nação. Nesse sentido, a lição de Tornaghi. Irrepreensível o ensinamento de Basileu Garcia:

"Não sendo possível, por deficiência de ordem material, facultar a todos os acusados, ainda não condenados, um tratamento que resguarde os riscos de injustiça, imanentes ao caráter preventivo da medida privativa de liberdade, não há mal em que isso seja feito pelo menos relativamente a alguns acusados. Dentre eles os que, pela sua vida, funções e serviços prestados à coletividade, merecem maior consideração pública ou que, pela sua educação, maior sensibilidade devem ter para o sofrimento do cárcere." (grifos nossos)

E, ainda em trecho do artigo do Ministro Francisco de Assis Toledo10, extrai-se as ponderações da Professora Arminda Bergamini Miotto11:

"1. O CPP, no Cap. I, Disposições gerais do Tít. IX, Da prisão e da liberdade provisória, do Liv. I, Do processo em geral, diz, no art. 295: "Serão recolhidos a quartéis ou a prisão especial, à disposição da autoridade competente, quando sujeitos à prisão antes de condenação definitiva(...)" Esse recolhimento a quartéis ou a prisão especial constitui o direito à prisão especial, conferido por esse dispositivo do CPP, a determinadas pessoas, em razão de qualificações pessoais. Em face do princípio de que o acusado se presume inocente, enquanto não houver, contra ele, sentença condenatória passada em julgado, não parece justo que pessoas que se distinguem por certas qualificações (posições ocupadas, funções exercidas, serviços prestados) sejam recolhidas, quando tiverem de ser presas provisoriamente, a prisões comuns."

4) CONCLUSÃO

Assim, diante do que foi exposto, conclui-se que a chamada "prisão especial" prevista como está atualmente no Código de Processo Penal tem como fundamento e razão de existir a própria Constituição Federal da República (clique aqui), que trata em seu artigo 5º sobre os direitos e garantias fundamentais.

Desta forma, pode-se concluir que a chamada "prisão especial" não é um privilégio, mas sim muito mais do que um direito, uma garantia constitucional, "tendo em vista que se aplica unicamente aos que estão submetidos, excepcionalmente, à prisão provisória, antes da condenação definitiva, e que gozam ainda da presunção de inocência."12

E mais: qual a resposta quando indagamos se seria justa e isonômica sua alteração para o novo texto que se coloca para votação?

Com certeza o novo texto legislativo é injusto e, principalmente não-isonômico, principalmente por ferir garantias constitucionais.

Ou seja, entendo, em consonância com a melhor doutrina e a jurisprudência predominante, que o texto do referido Projeto de Lei de nº 4208/2001 padece de clara e evidente INCONSTITUCIONALIDADE, por tentar igualar e colocar na mesma situação todos os presos, para que sejam submetidos ao mesmo regime sem distinção alguma, ferindo frontalmente a isonomia constitucional.

Estas as minhas considerações pessoais!

_________________

1 Prisão Especial para Magistrados e Membros do Ministério Público. Mazzilli, Hugo Nigro. Artigo publicado na Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal nº 30 - Jun/Jul de 2009.

2 Prisão Especial para Magistrados e Membros do Ministério Público. Mazzilli, Hugo Nigro. Artigo publicado na Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal nº 30 - Jun/Jul de 2009.

3 Lins e Silva, Evandro. O Salão dos Passos Perdidos. Rio de Janeiro. Editora Nova Fronteira. 1998

4 Disponível no site do CNJ – Conselho Nacional de Justiça (clique aqui).

5 DECRETO 678, DE 6 DE NOVEMBRO DE 1992

Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969.

O VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no exercício do cargo de PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso VIII, da Constituição, e Considerando que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), adotada no âmbito da Organização dos Estados Americanos, em São José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, entrou em vigor internacional em 18 de julho de 1978, na forma do segundo parágrafo de seu art. 74;

Considerando que o Governo brasileiro depositou a carta de adesão a essa convenção em 25 de setembro de 1992; Considerando que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) entrou em vigor, para o Brasil, em 25 de setembro de 1992 , de conformidade com o disposto no segundo parágrafo de seu art. 74;

DECRETA:

Art. 1° A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), celebrada em São José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, apensa por cópia ao presente decreto, deverá ser cumprida tão inteiramente como nela se contém.

Art. 2° Ao depositar a carta de adesão a esse ato internacional, em 25 de setembro de 1992, o Governo brasileiro fez a seguinte declaração interpretativa: "O Governo do Brasil entende que os arts. 43 e 48, alínea d, não incluem o direito automático de visitas e inspeções in loco da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, as quais dependerão da anuência expressa do Estado".

Art. 3° O presente decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 6 de novembro de 1992; 171° da Independência e 104° da República.

ITAMAR FRANCO

Fernando Henrique Cardoso

Este texto não substitui o publicado no DOU de 9.11.1992

6 "(...) Presentemente, depois de efetivada a prisão do juiz do Trabalho apontado como responsável por desvios de valores destinados à construção do prédio do TRT de São Paulo, empenhou-se a imprensa, falada e escrita, em intensa campanha publicitária contra o que considerava "mordomias" injustificadas em favor desse juiz, preso preventivamente e recolhido a cela especial da Polícia Federal, com certas regalias. Dessa campanha passou-se a críticas generalizadas sobre a "prisão especial", defendendo alguns jornalistas, pura e simplesmente, a abolição da prisão especial, a fim de que todos os presos sejam submetidos ao mesmo regime, sem distinção. Deixando de lado a questão da manifesta inconstitucionalidade dessa pretensão, já que não seria possível dar-se aos presumidamente inocentes o mesmo tratamento restritivo da liberdade dado aos definitivamente condenados, há nessa campanha um aspecto funesto, espantoso, desumano. A mídia brasileira, diante de uma simples notícia de fato criminoso, julga e condena o suspeito, um tanto afoita, sem processo, sem dar ao menos oportunidade de defesa ao indiciado.

Agora, quer submeter o suspeito ou indiciado antes de findo o processo regular, antes da condenação definitiva, aos percalços das enxovias brasileiras, igualando-os todos por baixo. E não faltarão, certamente, políticos e burocratas a dar-lhe apoio e razão. Nós, entretanto, que pertencemos a gerações passadas, menos afeitas a conclusões precipitadas, não amadurecidas, acreditamos, ainda, que o melhor caminho, no mundo jurídico, é ouvir, não o estardalhaço da mídia, não a improvisação dos políticos, mas o conselho dos sábios, como este de Rui Barbosa, na "Oração aos Moços":

"Não acompanheis os que, no pretório, ou no júri, se convertem de julgadores em verdugos, torturando o réu com severidades inoportunas, descabidas, ou indecentes; como se todos os acusados não tivessem direito à proteção dos seus juízes, e a lei processual, em todo o mundo civilizado, não houvesse por sagrado o homem, sobre quem recai acusação ainda inverificada."

Toledo, Francisco de Assis. Prisão Especial: Direito ou Privilégio? – Op. Cit.

7 Prisão Especial para Magistrados e Membros do Ministério Público. Mazzilli, Hugo Nigro. Artigo publicado na Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal nº 30 - Jun/Jul de 2009.

8 (Clique aqui).

9 Tourinho Filho, Fernando da Costa. Processo Penal. 6. ed., São Paulo: Saraiva, vol. 3, p. 357-358.

10 (Clique aqui).

11 Enciclopédia Saraiva do Direito. v. 61. p. 155-156, no verbete "Prisão Especial – I".

12 (Clique aqui).

_______________

*Advogado em Brasília/DF



 

 

______________

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

Coisa julgada, obiter dictum e boa-fé: Um diálogo indispensável

23/12/2024

Macunaíma, ministro do Brasil

23/12/2024

Inteligência artificial e direitos autorais: O que diz o PL 2.338/23 aprovado pelo Senado?

23/12/2024

(Não) incidência de PIS/Cofins sobre reembolso de despesas

23/12/2024

A ameaça da indisponibilidade retroativa

23/12/2024