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Crise na execução penal (II): da assistência material à saúde

Seguindo a linha de análise a que nos propusemos fazer, tendo por objeto alguns dos dispositivos da Lei de Execução Penal, passaremos agora a expor outros aspectos não menos polêmicos e preocupantes, se comparados àqueles anteriormente tratados.

8/6/2005

Crise na execução penal (II): da assistência material à saúde

Renato Marcão*

1. Abordagem do tema

Seguindo a linha de análise a que nos propusemos fazer, tendo por objeto alguns dos dispositivos da Lei de Execução Penal, passaremos agora a expor outros aspectos não menos polêmicos e preocupantes, se comparados àqueles anteriormente tratados.1

Cuidaremos, no próximo passo, de abordar objetivamente o tema referente a “assistência ao preso e ao internado”.

Nesse particular, convenhamos, a distância existente entre o idealismo normativo e a realidade prática é assombrosa.

2. Da assistência

Consoante dispõe o art. 10 da Lei de Execução Penal, “a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade”. E arremata o parágrafo único: “a assistência estende-se ao egresso”.

Preso, evidentemente, é aquele que se encontra recolhido em estabelecimento prisional, cautelarmente ou em razão de sentença penal condenatória com trânsito em julgado. Portanto, preso provisório ou definitivo. A Lei não restringe a assistência apenas e tão-somente aos condenados...

De outro vértice, internado é o que se encontra submetido a medida de segurança consistente em internação em hospital de tratamento e custódia, em razão de decisão jurisdicional. Ainda que se encontre recolhido em estabelecimento prisional aguardando vaga para transferência ao hospital de tratamento e custódia, por razões óbvias também tem assegurado os mesmos direitos. Aliás, seria o extremo do absurdo suprimir direitos daquele que em razão da inércia e do descaso do Estado, que não disponibiliza hospitais e vagas suficientes para o atendimento da demanda, já sofre os efeitos decorrentes de tal omissão, com o inegável desvio na execução de sua conta. Seria puni-lo duas vezes.2

Considera-se egresso, nos termos do art. 26 da Lei de Execução Penal: I - o liberado definitivo, pelo prazo de 1 (um) ano a contar da saída do estabelecimento; II- o liberado condicional, durante o período de prova.

O objetivo da assistência, como está expresso, é prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.

A assistência aos condenados e aos internados é exigência básica para se conceber a pena e a medida de segurança como processo de diálogo entre os destinatários e a comunidade.3

A assistência ao egresso consiste em orientação e apoio para reintegrá-lo à vida em liberdade e na concessão, se necessária, de alojamento e alimentação em estabelecimento adequado, por dois meses, prorrogável por uma única vez mediante comprovação idônea de esforço na obtenção de emprego.4

3. Modalidades de assistência

Tornou-se necessário esclarecer em que consiste cada uma das espécies de assistência em obediência aos princípios e regras internacionais sobre os direitos da pessoa presa, especialmente as que defluem das regras mínimas da ONU (item 41 da Exposição de Motivos da LEP).

A assistência a ser prestada, conforme elenca o art. 11 da Lei de Execução Penal, será: I — material; II — à saúde; III — jurídica; IV — educacional; V — social; VI — religiosa.

Cuidaremos no presente trabalho apenas das assistências material e à saúde. As demais serão tratadas no próximo.

3.1. Da assistência material

A assistência material ao preso e ao internado consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas.5

Dispões ainda o art. 13 da Lei de Execução Penal que “o estabelecimento disporá de instalações e serviços que atendam aos presos nas suas necessidades pessoais, além de locais destinados à venda de produtos e objetos permitidos e não fornecidos pela Administração”.

Mirabete
lembra que a regra do art. 13 se justifica em razão da “natural dificuldade de aquisição pelos presos e internados de objetos materiais, de consumo ou de uso pessoal”.6

Como é cediço, no particular o Estado só cumpre o que não dá pra evitar. Proporciona a alimentação ao preso e ao internado; nem sempre adequada. Os demais direitos assegurados e que envolvem a assistência material não são respeitados.

3.2. Da assistência à saúde


Nos precisos termos do art. 14, caput, e § 2º, da Lei de Execução Penal, a assistência à saúde do preso e do internado, de caráter preventivo e curativo, compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico.7 Quando o estabelecimento penal não estiver aparelhado para prover a assistência médica necessária, esta será prestada em outro local, mediante autorização da direção do estabelecimento.8

A realidade nos mostra, entretanto, que os estabelecimentos penais não dispõem de equipamentos e pessoal apropriados para o atendimento médico, farmacêutico e odontológico.

De tal sorte, resta aplicar o § 2º precitado.

Ocorre, entretanto, que também a rede pública que deveria prestar tais serviços, é carente e não dispõe de condições adequadas para dar atendimento de qualidade nem mesmo à camada ordeira da população e que também necessita de tal assistência Estatal.

O Estado não conseguiu efetivar tais direitos. Não os assegura, de fato, ainda hoje, nem mesmo aos pagadores de impostos.

Desrespeita-se, impunemente, a Constituição Federal; a Lei de Execução Penal; Regras Mínimas da ONU para o Tratamento de Reclusos, adotadas em 31 de agosto de 1955, pelo Primeiro Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinqüentes; Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil. Resolução n.º 14, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), de 11 de novembro de 1994 (DOU de 2.12.94); Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de Detenção ou Prisão — Resolução n.° 43/173, da Assembléia Geral das Nações Unidas — 76ª Sessão Plenária, de 9 de dezembro de 1988; Princípios Básicos Relativos ao Tratamento de Reclusos, ditados pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, visando a humanização da justiça penal e a proteção dos direitos do homem; Princípios Básicos Relativos ao Tratamento de Reclusos, ditados pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, visando a humanização da justiça penal e a proteção dos direitos do homem; Princípios de Ética Médica aplicáveis à função do pessoal de saúde, especialmente aos médicos, na proteção de prisioneiros ou detidos contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas cruéis, desumanos ou degradantes. Resolução n.° 37/194, da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 18 de dezembro de 1982, etc.

Diante de tal quadro, os Tribunais têm decidido que: “Demonstrada pela Comissão Técnica de Classificação, do Departamento do Sistema Penitenciário, a necessidade de tratamento e acompanhamento médico do preso, face à doença que o acomete, e carecendo os hospitais do órgão de unidade de tratamento intensivo, autoriza-se a prisão domiciliar até julgamento final do writ” (STJ, 6ª T., rel. Min. Anselmo Santiago, DJU, 8/4/1996, p. 10490), e que “o preso tem direito à assistência médica adequada, podendo permanecer em sua residência pelo tempo que se fizer necessário ao completo restabelecimento de sua saúde, nos termos do art. 14, § 2°, da Lei n.° 7.210/84” (TRF, 3ª Região, HC 95.03.062424/0-SP, 5ª T., rela. Juíza Ramza Tartuce, j. em 25/9/1995, DOU, 21/11/1995, RT 723/682).9

4. Conclusão

Conforme é vontade da Lei e está expresso, a assistência ao preso e ao internado tem por objetivo prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.

Até aqui, resta evidente que referidos objetivos ficaram apenas na frieza do papel, que tudo aceita.

A Lei não cumpre o seu destino; não se presta à sua finalidade; é inócua; uma simples “carta de intenções” esquecida, abandonada.

O idealismo normativo é excelente; empolgante. A realidade prática uma vergonha.
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1MARCÃO. Renato Flávio. Crise na Execução Penal (I), disponível na Internet em: https://www.ibccrim.org.br.
2Na atual conjuntura entendemos que a medida de internação não deixa de ser uma forma de “punição”.
3MARCÃO. Renato Flávio. Lei de execução penal anotada. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 42.
4MARCÃO. Renato Flávio. Lei de execução penal anotada. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 42.
5Art. 12 da LEP.
6MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal, 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2000, p. 65.
7Disposição do caput.
8Disposição do § 2º.
9cf., MARCÃO. Renato Flávio. Lei de execução penal anotada. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 48-9.
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*Promotor de Justiça membro do IBCCRIM - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais







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