Expressar-se bem distinguirá o jovem advogado
Jayme Vita Roso*
Pude constatar, fazendo um giro muito rápido, mas proveitoso, na Loyola University Chigago School of Law, durante as aulas, no início de abril passado, que a maioria das classes não tem mais de trinta alunos; algumas, onde se ministram cursos especiais, ensinadas matérias curriculares eleitas por eles mesmos, com dez ou doze apenas.
Enfatiza-se o diálogo, que é proveitoso, entre quem transmite e quem é cursante. Dá-se ênfase ao redigir, ler e comentar o que se elabora, em classe. Isso estimula uma ida-e-volta, completa, durante algumas duas horas, em teses, antíteses e sínteses. O professor transmite; os alunos atentam e, interativamente, após a matéria dada, estabelece-se a discussão. Notei que a troca é respeitosa e, sobretudo, interessada. Daí, exsurge, ainda que magicamente, a necessidade de serem revistos os apontamentos, corrigi-los e ensaiar o entendimento do que lhes foi transmitido, relacionando-o com outros temas já absorvidos, ou não. Mas, pensando, surgem as dúvidas. Elas são compartidas e, outra vez, compartidas, porque a maioria das aulas são transmitidas aos endereços dos alunos, na internet, em tempo real: afinal, ainda que não acolham os ensinamentos passados, ao menos, sabe-se a que vai levá-los.
Estimulados, na maioria das vezes, pois há exceções, os alunos, a pouco e pouco, conseguem superar ou sufocar os temores de falar em público e de ler, aos demais, o que escreveram, sobretudo, tendo a certeza de que, questionados ao final, não serão chacoteados, mas aprofundarão o tema.
Apenas notei que lhes falta o sentido de universalidade, cultivando apenas as idéias que brotam da sua própria realidade. Em literatura, como na ciência jurídica, a universalidade é a conseqüência do que se escorça, ou se desenha, estabelecendo conexões entre o particular e o geral. Corre-se o risco de acontecer, como lá acontece, que o sentido de um trabalho literário ou jurídico – o mesmo sentido ontológico – não se torna evidente de imediato.
Decorre desta exposição propositiva que, para falar com propriedade e conteúdo, antes será necessário formar-se culturalmente, adquirir consistência ou provar e demonstrar conhecimento do tema exposto em escrito.
São anos e anos de pesquisa, estudo e reflexão, para, construída a base da pirâmide, ser possível alçarem-se outros rumos no mundo das idéias.
Esse mundo será literário, se a vertente for a literatura; jurídico, se a ciência do Direito e assim por diante. Mas tudo advém daquelas salas de aula, das lições, das discussões, dos textos lidos, dos discutidos, dos preparados, dos corrigidos.
Dentro da temática do entendimento, alguns exemplos que podem, oxalá, incitá-los a serem ampliados em grandeza e valor científico, porque entendo que cultura só se sedimenta quando concentricamente.
Iniciando, focalizo a palavra arquétipo. Logo, nos ocorre Jung, mas, por sinonímia científica, posso propô-la como tema, motivo ou símbolo. Já li que arquétipo, enquanto substantivo feminino, guarda um lugar familiar e prefixado no subconsciente cultural. Como conduziria a palavra na ciência jurídica? Que lugar poderia, se provável ou possível, dar-lhe? Pessoalmente, inclinar-me-ia para o termo jurídico propriedade, como arquétipo ou símbolo da cultura universal.
Passo a outro termo, que é corrente aos advogados: tese. Em poucas palavras, é o argumento central em que o autor sustenta seu trabalho. Na prática advocatícia, temos acompanhado, sobretudo no campo tributário, o surgimento de teses, em favor dos sofridos contribuintes. Desvanecem, passados os dois primeiros graus, ao chegar aos Tribunais superiores, sendo aplicada como ficção, apesar de originariamente não o ser. O termo vira caricatura na visão grupal sodalícia.
As mais conhecidas técnicas literárias, elaboradas, para o discurso oral, também são empregadas, como técnicas de redação, no desenvolvimento de argumentos, para clarificar ou dar mais intensidade às idéias, em passagens mais longas do tema, avançá-lo de maneira particular, ou mesmo sugerir conexões entre os seus elementos. Destaquem-se algumas técnicas literárias que comportam sua aplicação a textos jurídicos, além de enriquecerem o advogado, na sua construção de estilo próprio: alusão, anagnosia1, caricatura, monólogo interior, invocação, ironia situacional, dramática ironia etc..
Finalizo.
No período pós-guerra (de 1919 em diante), na Europa arrasada e sem nenhum paradigma, surgiu um movimento cultural, conhecido como Círculo de Viena (Áustria), para tentar reerguer a cultura, porque a cultura e a moral estavam mortas, necessitando-se de construção inteiramente nova de metodologias, formas e fundamentos: visava-se a desintegração dos anacronismos.
O cosmopolitismo da Cidade dos Sonhos, como era conhecida a capital austríaca, teve participantes nos diversos ramos do conhecimento (Theodore Herzel, Freud, Klimt, Schiele, Kokocheska, Schönberg, Alan Berg, Adolph Loos, Wittgernstein, dentro muitos outros).
Sobressaiu-se o jornalista satírico Karl Kraus, editor do jornal Die Fuckel (A Tocha). Combatia toda a sorte da reinante (e imortal) hipocrisia.
Chamou a atenção deste escriba um livro que ele escreveu em defesa da língua, contra a banalidade das formas de falar e escrever, a necessidade dos jornalistas assumirem posição e não utilizarem em seus escritos profissionais frases vagas, imprecisas e desnudas de idéias.
Foi além, quando sintetizou, no livro, a firmeza de sua convicção, publicado à época: Die Sprache (A Linguagem), realçando estes elegantes epigramas.
a) “O caminho, não somente para as melhores teorias, mas para uma melhor sociedade é pavimentado com a precisão lingüística”.
b) “O psicanalista toma-nos os sonhos, como se fossem nossos bolsos”.
c) “O esteta fica na mesma relação com a beleza, como o pornógrafo com o amor e o político com a vida”2.
O que pode marcar um jovem advogado, destacando-o, no seu meio e na sociedade, é com o estilo que criou. Isso só será possível com o contínuo estudo e o exercício da prática permanente da escrita esmerada.
Notas bibliográficas
1 AULETE, Caldas. DICIONÁRIO Contemporâneo da Língua Portuguesa. 5ª ed, vol. I. Rio de Janeiro: Editora Delta S/A, 1964. p. 241.
2 GOLDSTEIN, Rebecca. Incompleteness: The proof and paradox of Kurt Gödel. Nova York: N.W. Northon Company Inc., 2005. p. 68-80.
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* Advogado do escritório Jayme Vita Roso Advogados e Consultores Jurídicos