O dia mundial do consumidor
Arthur Rollo*
Trata-se, sem dúvida, de um documento importante na proteção dos direitos dos consumidores, que até então só eram tutelados por legislações rudimentares.
O dia 10 de março também marca, no Brasil, o aniversário da vigência do Código de Defesa do Consumidor (clique aqui). Ele já está há 20 anos em vigor e nesse período introduziu significativas modificações no mercado de consumo.
A grande virtude do nosso Código foi a adaptação de institutos de sucesso do direito estrangeiro, principalmente europeu, para a realidade brasileira. A comissão de notáveis que o elaborou foi muito feliz e a prova maior disso está na sua ampla aplicação prática. Sem dúvida alguma, estamos diante de uma lei que pegou.
Recentemente foi nomeada uma comissão de juristas que tem a árdua missão de revisar o Código. A maior preocupação, sem dúvida, é a de não prejudicar esses vinte anos de conquistas. Isso porque qualquer alteração significativa poderá desencadear nova movimentação dos bancos, dos planos de saúde e de outros setores da economia no sentido de, mais uma vez, evitar a aplicação do código.
Existem diversas mudanças a serem feitas que podem muito bem acontecer de forma pontual, preservando o que de bom existe e já funciona adequadamente. Dentre os pontos que carecem de regulamentação estão o superendividamento, questão relativamente nova e não tratada pelo código atual e por nenhuma outra lei brasileira, e as compras pela internet, indiretamente protegidas pelo art. 49 do CDC, que garante o direito de arrependimento nas compras efetuadas fora do estabelecimento comercial. Hoje a regulamentação das compras pela internet deve ser detalhada, tendo em vista o incremento significativo das contratações por essa via e os inúmeros problemas que têm sido vistos. Ambas as questões podem ser reguladas por leis específicas, fora do código para não desnaturá-lo.
Dentro do Código, a nosso ver, devem ser introduzidas alterações na questão do recall, que hoje vem sendo utilizado, especialmente por montadoras de automóveis, de forma indiscriminada. Deve ser reestruturado o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, prevendo os seus órgãos nacionais, estaduais e municipais, definindo suas respectivas competências, assim como as etapas dos procedimentos administrativos de aplicação das multas.
Também merece um melhor tratamento a questão do descumprimento das ofertas, especialmente em relação à inobservância do prazo de entrega combinado, tendo em vista que hoje em dia o prazo prometido não é cumprido e nada acontece. Sugerimos também que, paralelamente ao cadastro de reclamações fundamentadas dos órgãos de defesa dos consumidores, seja feito um cadastro de ações judiciais de consumo, que coloque na forma de um ranking as empresas mais acionadas, discriminado o número de acordos, de condenações, de improcedências, etc..
O balanço do último ano nos faz lembrar inúmeros episódios, de repercussão nacional, que atentaram contra os direitos dos consumidores: houve a descoberta de um erro no cálculo das contas de energia elétrica, que acarretou enorme prejuízo aos consumidores e lucro indevido das concessionárias, e a ANEEL disse que nada deve ser devolvido; os problemas com a internet banda larga e com as empresas telefônicas continuaram; houve a reinstalação de Juizados Especiais nos aeroportos, porque os problemas com as empresas aéreas aumentaram gritantemente, especialmente no período de férias; houve a utilização indiscriminada de recalls pelas montadoras, sendo que alguns modelos de veículo, como o Corolla, foram submetidos a mais de um recall; estão em falta no mercado automotivo peças de reposição, deixando inúmeros consumidores sem carro por meses.
As multas administrativas pesadas que são aplicadas pelos órgãos de defesa do consumidor continuam sendo questionadas na Justiça, o que impede que elas repercutam imediatamente no bolso dos fornecedores. Aqueles consumidores que decidem brigar judicialmente sozinhos também sofrem com a lentidão do Judiciário, têm que pagar advogado e, muitas vezes, são praticamente forçados a fazer acordos injustos, sob a alegação de que a demora do processo lhes será ainda mais prejudicial.
Esses aspectos ruins podem dar a impressão de que não temos o que comemorar. Mas é justamente o contrário na medida em que, antes do Código de Defesa do Consumidor, a fiscalização dos fornecedores era muito mais restrita e os consumidores, porque desinformados, não reclamavam uma vez que, se o fizessem, não surtiria qualquer efeito.
Antes do Código, o número de violações aos direitos dos consumidores era ainda maior, só que os problemas sequer chegavam ao seu conhecimento.
Hoje, não só as irregularidades chegam ao conhecimento dos consumidores como eles têm meios de reclamar, em virtude da atuação incessante dos órgãos de defesa dos consumidores, das Promotorias de Justiça especializadas, das Defensorias Públicas, dos Juizados Especiais e de inúmeras associações de defesa dos consumidores, que proliferam-se por todo o país.
Hoje é difícil encontrar um consumidor, por mais iletrado que seja, que desconheça a existência do Código de Defesa do Consumidor. Cada vez mais, o dia a dia do consumidor está melhor, seja porque os consumidores estão mais informados ou porque os fornecedores estão mais conscientes da sua função no mercado de consumo.
Lamentavelmente os serviços públicos, que deveriam dar o exemplo de eficiência, continuam sendo os mais reclamados. Os setores regulados pelas agências nacionais e pelo Banco Central persistem liderando os cadastros de reclamações fundamentadas e sendo os maiores fregueses dos órgãos de defesa do consumidor. Enquanto os órgãos reguladores não cumprirem adequadamente as suas funções tudo continuará como está.
A oferta indiscriminada de crédito aos consumidores e o seu consequente endividamento ainda acontecessem, assim como as negativas indevidas de cobertura pelos planos e seguros de saúde, os problemas nas compras via internet e com os bancos de dados e cadastros de consumidores, a adulteração de produtos, como combustíveis, e a cobrança indiscriminada de juros bancários.
Sem sombra de dúvida, a melhora das condições dos consumidores no mercado de consumo também está atrelada à eficiência do Judiciário. Os fornecedores acabam deixando, muitas vezes, de atender às reclamações porque sabem que um processo pode levar anos. Isso provoca uma avalanche de processos porque a tendência é a recusa do atendimento extrajudicial das reclamações.
Os Juizados Especiais, que recebem o maior número de lides de consumo em virtude do pequeno valor financeiro em discussão, devem funcionar melhor, de nada adiantando, a nosso ver, a sua localização em aeroportos, porque privilegia a solução dos problemas de um dado setor da economia, quando as dificuldades estão em todas as searas.
O balanço do último ano é positivo, mas muito ainda há que ser feito para proteger os consumidores.
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*Advogado especialista em Direito do Consumidor e professor titular da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo
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