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De quem é a vaga?

Uma polêmica foi instaurada, recentemente, em nosso meio jurídico para se determinar quem deve preencher a vaga deixada pelo candidato eleito nas eleições proporcionais concorrendo por partido político ou reunidos em coligação partidária em caso de renúncia ou de afastamento para o exercício de cargo de Ministro ou Secretario de Estado.

25/2/2011

De quem é a vaga?

Fernando Belfort*

Uma polêmica foi instaurada, recentemente, em nosso meio jurídico para se determinar quem deve preencher a vaga deixada pelo candidato eleito nas eleições proporcionais concorrendo por partido político ou reunidos em coligação partidária em caso de renúncia ou de afastamento para o exercício de cargo de Ministro ou Secretário de Estado, pois os casos anteriores segundo se podem ver dos mandados de segurança impetrados perante o STF de números 26.602, 26.603, 26.604 e 27.938 diziam respeito a casos de infidelidade partidária. Anoto ainda que mesmo no caso abaixo, ou seja, Medida Cautelar em Mandado de Segurança nº 29.988, onde ocorreu renúncia em que se decidiu que "o mandato parlamentar conquistado no sistema proporcional pertence ao partido político", diz respeito, também, a mudança de partido do candidato que concorreu em coligação partidária, mas que à época já havia saído do partido que compôs a coligação.

O primeiro caso que se tem notícia foi em decorrência da renúncia do deputado Natan Donadon (PMDB/RO), havendo o presidente da Câmara convocado para assumir a vaga decorrente da renúncia o primeiro suplente da Coligação 'Rondônia Mais Humana' (PP, PMDB, PHS, PMN, PSDB e PT do B), Agnaldo Muniz.

Tendo em vista tal fato o PMDB impetrou então mandado de segurança no STF para impugnar o ato do presidente da Câmara. Ao STF, o partido informou que o deputado Agnaldo Muniz não integra mais o PP, partido pelo qual concorreu em 2006, figurando atualmente como suplente do PSC, agremiação pela qual concorreu ao cargo de senador nas últimas eleições.

O relator da matéria ministro Gilmar Mendes optou por levar ao exame do Plenário o pedido de liminar, em razão da importância da questão constitucional suscitada. Em seu voto, o ministro Gilmar Mendes afirmou que a tese do PMDB 'é extremamente plausível'. Em primeiro lugar porque a jurisprudência, tanto do TSE quando do STF, é firme no sentido de que o mandato parlamentar conquistado no sistema eleitoral proporcional pertence ao partido. Em segundo lugar porque a formação de coligação é uma faculdade atribuída aos partidos políticos para disputa do pleito, tendo caráter temporário e restrito ao processo eleitoral.

A liminar foi concedida, por maioria, e o voto do relator prevalecido.

Com base em tal precedente, outros mandados de segurança vêm sendo impetrados e as liminares concedidas.

Entretanto, no meu sentir, data venia, tal precedente, por sua peculiaridade (o suplente não mais pertencia ao partido que formou a coligação), não pode servir de paradigma para todo e qualquer caso, e é o que se pretende demonstrar no presente ensaio.

Com efeito, seja qual for o ramo de Direito, e o Direito Eleitoral não se constitui em exceção, tem seus princípios e regras.

Por isso e para melhor compreensão do tema falarei, ainda que em vôo de pássaro, sobre o significado polissêmico do termo princípio e, a distinção que é feita pela doutrina entre este e a regra jurídica.

Com efeito, Manoel Gonçalves Ferreira Filho nos diz que os juristas empregam o termo 'princípio' em três sentidos de alcance diferente. Num primeiro, seriam 'supernormas', ou seja, normas (gerais ou generalíssimas) que exprimem valores e que por isso, são ponto de referência, modelo, para regras que as desdobram. No segundo, seriam standards, que se imporiam para o estabelecimento de normas específicas - ou seja, as disposições que preordenem o conteúdo da regra legal. No último, seriam generalizações, obtidas por indução a partir das normas vigentes sobre determinada ou determinadas matérias. Nos dois primeiros sentidos, pois, o termo tem uma conotação prescritiva; no derradeiro, a conotação é descritiva: trata-se de uma 'abstração por indução'.

Mas, apesar de o termo princípio ter como uma de suas características sua indeterminação conceitual, modernamente, na fase interpretativo-constitucional em que vivemos é reconhecido, todavia, seu intenso grau de juridicidade. Isso quer significar que o seu papel não é mais secundário, ganhando o caráter de norma jurídica potencializada e predominante.

Assim com toda propriedade Celso Antonio Bandeira de Mello nos diz que "violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais".

Também é necessário que se faça um contraponto entre princípio e regra.

Apontarei algumas diferenças feitas pelo jurista português Gomes Canotilho que diz: "os princípios são normas com um grau de abstração relativamente elevado; de modo diverso, as regras possuem uma abstração relativamente reduzida"; "os princípios, por serem vagos e indeterminados, carecem de mediações concretizadoras (do legislador? do juiz?), enquanto as regras são suscetíveis de aplicação direta"; "os princípios são normas de natureza ou com um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes (ex: princípios constitucionais) ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico (ex: princípio do Estado de Direito)"; "os princípios são standards juridicamente vinculantes radicados nas exigências de justiça (Dworkin) ou na ideia de direito (Larenz); as regras podem ser normas vinculativas com um conteúdo meramente funcional"; "os princípios são fundamentais de regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando, por isso, uma função normogenética fundamentante".

Com muita propriedade afirma Eros Grau que "as regras jurídicas não comportam exceções. Isso é afirmado no seguinte sentido; se há circunstâncias que excepcionem uma regra jurídica, a enunciação dela, sem que todas essas exceções sejam também enunciadas, será inexata e incompleta. No nível teórico, ao menos, não há nenhuma razão que impeça a enunciação da totalidade dessas exceções e quanto mais extensa seja essa mesma enunciação (de exceções), mais completo será o enunciado da regra".

Disse o ministro Gilmar Mendes em seu voto, como visto supra, "que a formação de coligação é uma faculdade atribuída aos partidos políticos para disputa do pleito, tendo caráter temporário e restrito ao processo eleitoral".

Por processo eleitoral vamos encontrar na doutrina de José Afonso da Silva que "constitui sucessão ordenada de atos e estágios causalmente vinculados entre si, supõe, em função dos objetivos que lhe são inerentes, a sua integral submissão a uma disciplina jurídica que, ao discriminar os momentos que o compõem, indica as fases em que ele se desenvolve: (a) fase pré-eleitoral, que, iniciando-se com a realização das convenções partidárias e a escolha de candidaturas, estende-se até a propaganda eleitoral respectiva; (b) fase eleitoral propriamente dita, que compreende o início, a realização e o encerramento da votação e (c) fase pós-eleitoral, que principia com a apuração e contagem de votos e termina com a diplomação dos candidatos eleitos, bem assim dos seus respectivos suplentes.

Pois bem. Antes que se busque a fonte da qual emanou a interpretação de que "a vaga pertence ao partido", necessário se faz que examinemos as decisões emanadas da nossa Corte Maior de Justiça, o Supremo Tribunal Federal, sobre o tema.

Com efeito, no mandado de Segurança 26.602 encontramos o seguinte:

Ementa: Constitucional. Eleitoral. Mandado de Segurança. Fidelidade Partidária. Desfiliação. Perda de Mandato. Arts. 14, § 3º, V e 55, I a VI da Constituição. Conhecimento do mandado de segurança, ressalvado entendimento do relator. Substituição do deputado Federal que muda de partido pelo suplente da legenda anterior. Ato do presidente da Câmara que negou posse aos suplentes. Consulta, ao Tribunal Superior Eleitoral, que decidiu pela manutenção das vagas obtidas pelo sistema proporcional em favor dos partidos políticos e coligações. Alteração da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Marco temporal a partir do qual a fidelidade partidária deve ser observada [27/3/07]. Exceções definidas e examinadas pelo Tribunal Superior Eleitoral. Desfiliação ocorrida antes da resposta à consulta ao TSE. Ordem denegada.

No corpo do acórdão é exemplar a seguinte passagem: "A permanência do parlamentar no partido político pelo qual se elegeu é imprescindível para a manutenção da representatividade partidária do próprio mandato". (...) "O abandono de legenda enseja a extinção do mandato do parlamentar, ressalvadas situações específicas, tais como mudanças na ideologia do partido ou perseguições políticas, a serem definidas e apreciadas caso a caso pelo Tribunal Superior Eleitoral".

No mandado de número 26.603 tratando de declaração de perda do mandato eletivo de candidato eleito por partido político e deste se desfilia (caso típico de infidelidade partidária), onde o Supremo Tribunal Federal faz interpretação segundo princípio constitucional, pois não há qualquer regra prevendo a perda do mandato em caso de desfiliação quer na Constituição quer na legislação infraconstitucional, chegou ao entendimento de que: A Constituição da República, ao delinear os mecanismos de atuação do regime democrático e ao proclamar os postulados básicos concernentes às instituições partidárias, consagrou, em seu texto, o próprio estatuto jurídico dos partidos políticos, definindo princípios, que, revestidos de estatura jurídica incontrastável, fixam diretrizes normativas e instituem vetores condicionantes da organização e funcionamento das agremiações partidárias. (...) O mandato representativo não constitui projeção de um direito pessoal titularizado pelo parlamentar eleito, mas representa, ao contrário, expressão que deriva da indispensável vinculação do candidato ao partido político, cuja titularidade sobre as vagas conquistadas no processo eleitoral resulta de "fundamento constitucional autônomo", identificável tanto no art. 14, § 3º, inciso V (que define a filiação partidária como condição de elegibilidade) quanto no art. 45, "caput" (que consagra o "sistema proporcional"), da Constituição da República. (...) A ruptura dos vínculos de caráter partidário e de índole popular, provocada por atos de infidelidade do representante eleito (infidelidade ao partido e infidelidade ao povo), subverte o sentido das instituições, ofende o senso de responsabilidade política, traduz gesto de deslealdade para com as agremiações partidárias de origem, compromete o modelo de representação popular e frauda, de modo acintoso e reprovável, a vontade soberana dos cidadãos eleitores, introduzindo fatores de desestabilização na prática do poder e gerando, como imediato efeito perverso, a deformação da ética de governo, com projeção vulneradora sobre a própria razão de ser e os fins visados pelo sistema eleitoral proporcional, tal como previsto e consagrado pela Constituição da República. (...) A exigência de fidelidade partidária traduz e reflete valor constitucional impregnado de elevada significação político--jurídica, cuja observância, pelos detentores de mandato legislativo, representa expressão de respeito tanto aos cidadãos que os elegeram (vínculo popular) quanto aos partidos políticos que lhes propiciaram a candidatura (vínculo partidário). (...) A prática da infidelidade partidária, cometida por detentores de mandato parlamentar, por implicar violação ao sistema proporcional, mutila o direito das minorias que atuam no âmbito social, privando-as de representatividade nos corpos legislativos, e ofende direitos essenciais – notadamente o direito de oposição – que derivam dos fundamentos que dão suporte legitimador ao próprio Estado Democrático de Direito, tais como a soberania popular, a cidadania e o pluralismo político (CF, art. 1º, I, II e V). (...) O parlamentar, não obstante faça cessar, por sua própria iniciativa, os vínculos que o uniam ao partido sob cuja legenda foi eleito, tem o direito de preservar o mandato que lhe foi conferido, se e quando ocorrerem situações excepcionais que justifiquem esse voluntário desligamento partidário, como, p. ex., nos casos em que se demonstre "a existência de mudança significativa de orientação programática do partido" ou "em caso de comprovada perseguição política dentro do partido que abandonou" (Min. Cezar Peluso).

O mandado de segurança 26.604 tratando sobre o mesmo tema entendeu, também que "A fidelidade partidária é corolário lógico-jurídico necessário do sistema constitucional vigente, sem necessidade de sua expressão literal. Sem ela não há atenção aos princípios obrigatórios que informam o ordenamento constitucional. (...) A desfiliação partidária como causa do afastamento do parlamentar do cargo no qual se investira não configura, expressamente, pela Constituição, hipótese de cassação de mandato. O desligamento do parlamentar do mandato, em razão da ruptura, imotivada e assumida no exercício de sua liberdade pessoal, do vínculo partidário que assumira, no sistema de representação política proporcional, provoca o desprovimento automático do cargo. A licitude da desfiliação não é juridicamente inconseqüente, importando em sacrifício do direito pelo eleito, não sanção por ilícito, que não se dá na espécie".

Pode-se observar que o fato de o candidato eleito se desfiliar do partido pelo qual foi eleito não acarreta a cassação do mandato se houver justa causa para tanto. O que acarreta a perda automática do cargo é o fato de ilicitude da desfiliação. Isso significa que o mandato não é um patrimônio pessoal de quem se elegeu. Pertence ao partido ou a coligação, como concluiu em seu voto a ministra Carmem Lúcia na parte dispositiva de seu voto, verbis:

"Daí ser inegável, como já concluiu, a esta altura, a maioria, que OS PARTIDOS POLÍTICOS E AS COLIGAÇÕES conservam o direito á vaga obtida pelo sistema eleitoral proporcional quando houver transferência de candidatos eleitos sob sua bandeira para outra agremiação. O exercício da democracia não prescinde da pluralidade partidária. A cooptação de eleitos por agremiações minoritárias por outras que se encontrem no poder, ou que integrem sua base parlamentar de apoio, revela-se altamente nociva ás garantias democráticas". (Destaquei).

Todas as decisões supra foram tomadas após a decisão do TSE que serviu de fonte para a interpretação, após consulta formulada aquela Corte pelo Partido da Frente Liberal (PFL), hoje DEMOCRATAS que foi assim resumida pelo relator – ministro Cesar Asfor Rocha: "Considerando o teor do art. 108 da lei 4.737/65 (Código Eleitoral – clique aqui), que estabelece que a eleição dos candidatos a cargos proporcionais é resultado do quociente eleitoral apurado entre os diversos partidos e coligações envolvidos no certame democrático". "Considerando que é condição constitucional de elegibilidade a filiação partidária, posta para indicar ao eleitor o vínculo político e ideológico dos candidatos". "Considerando ainda que, também o cálculo das médias, é decorrente do resultado dos votos válidos atribuídos aos partidos e coligações".

Com efeito, a consulta foi feita no sentido de que se um candidato eleito em eleição proporcional por partido ou coligação cancelar sua filiação partidária ou transferir-se para outra agremiação pode, após o cancelamento permanecer no mandato ou, levar o mandato para o novo partido. Aqui implicitamente está a se indagar se o mandato que conseguiu o candidato eleito pertence a ele ou ao partido ou coligação pelo qual se elegeu.

Deve-se observar que em momento algum se tratou nem de leve da hipótese em que o candidato se afasta para exercer outro encargo público (Secretário ou Ministro de Estado sem cancelar sua filiação ou trocar de legenda), como tem sido feitos os questionamentos.

Observe-se que na indagação houve a implícita preocupação em se saber se o mandato pertencia ao eleito, ao partido ou á coligação. E passo a lhes explicar o porquê do questionamento.

Com efeito, o art. 6º da lei 9.504/97 (clique aqui), que estabelece normas para as eleições, também faculta aos partidos políticos celebrar coligação dentro da mesma circunscrição, para eleição majoritária, proporcional, ou para ambas.

O § 1º do referido dispositivo diz: "A coligação terá denominação própria, que poderá ser a junção de todas as siglas dos partidos que a integram, sendo a ela atribuídas as prerrogativas e obrigações de partido político no que se refere ao processo eleitoral, e devendo funcionar como um só partido no relacionamento com a Justiça Eleitoral e no trato dos interesses interpartidários"

Assim, as coligações têm duração efêmera, haja vista a limitação temporal, finalidade específica, qual seja reunião de partidos diversos com programas partidários nem sempre convergentes, mas com nomenclatura específica cuja finalidade é concorrer em determinado certame eleitoral.

Abordarei agora qual a real intenção dos partidos políticos que se reúnem em coligações, em se tratando de representação proporcional. Em realidade a finalidade das coligações é angariar maior número de sufrágios a fim de atingir o quociente eleitoral - pois os chamados partidos nanicos dificilmente conseguirão - para terem representantes nos parlamentos.

Com efeito, há regulamentação específica conforme os artigos 105 e seguintes do Código Eleitoral. Percebe-se que o legislador ordinário ao autorizá-las faculta a dois ou mais partidos políticos se coligarem para o registro de candidatos comuns, e uma vez consolidada - para tanto exige a norma que terá que ter a aprovação da maioria dos convencionais com a presença de no mínimo dois terços destes - sendo que cada partido indicará determinado número de candidatos que serão registrados pela Coligação.

É preciso que se distinga o que seja quociente eleitoral de quociente partidário. Com efeito, o quociente eleitoral é obtido "dividindo-se o número de votos válidos apurados pelo de lugares a preencher em cada circunscrição eleitoral". Assim, no caso específico do Maranhão, como nossa representação Federal é de 18 deputados e se tiver, por exemplo, 1.800.000 (hum milhão e oitocentos) votos válidos o quociente eleitoral será de 100.000 (cem mil) votos.

Já o quociente eleitoral do Partido ou Coligação obtém-se "dividindo-se pelo quociente eleitoral o número de votos válidos dados sob a mesma legenda ou coligação de legendas". Se o quociente eleitoral foi de 100.000 (cem mil) votos e se o partido ou coligação alcançar 300.000 (trezentos mil) votos elegerá 3 deputados. Assim, estarão eleitos dentro do partido ou da coligação os candidatos que obtiverem maior votação nominal. Acrescenta-se que dentro do partido ou da coligação a eleição se torna majoritária. Será que estou a cometer uma incongruência? Respondo que não. E abaixo dou um exemplo recente.

Quem não se lembra da eleição do Palhaço Tiririca? Obteve este a votação nominal de mais de hum milhão de votos. Com tal quantidade de votos ultrapassou em muito os quocientes eleitoral e partidário e somando-se os votos obtidos pelos outros candidatos a sua coligação conseguiu tal número de votos que desse modo - tendo em vista que ultrapassou em muito o quociente eleitoral - elegeu mais três ou quatro deputados que tiveram votação insignificante, muito menor a de muitos candidatos de outros partidos ou coligações que, embora tendo obtido votação nominal superior ao dos eleitos pela coligação em que figurava Tiririca, não foram eleitos em virtude de o partido ou coligação não ter obtido o quociente eleitoral.

Após a proclamação dos eleitos vem a fase da diplomação. Assim é que a lei determina (CE art. 215) que "Os candidatos eleitos, assim como os suplentes, receberão diploma" e no parágrafo único vem estabelecido o seguinte: "Do diploma deverá constar o nome do candidato, a indicação da legenda sob a qual concorreu, o cargo para o qual foi eleito ou a sua classificação como suplente, e, facultativamente, outros dados a critério do juiz ou do Tribunal".

Ora, é brocardo antigo o de que a "a lei não contém palavras inúteis". Quando fala "a indicação da legenda sob a qual concorreu, o cargo para o qual foi eleito ou a sua classificação como suplente", a interpretação que se pode alcançar por certo tem que ser a seguinte.

Com realidade, a mais indigente das maneiras de como pode uma norma ser interpretada é a literal. Se fossemos nos apegar somente ao que vem estabelecido no parágrafo único acima transcrito, sem atentarmos para o que foi a real intenção do legislador, chegar-se-ia a uma interpretação pedestre. Entretanto, para verificarmos o que visa a lei, qual foi seu escopo, é indispensável recorrer-se a vários elementos, como, por exemplo, o sistemático, o histórico, o político e o sociológico.

Ora, já se viu que é permitida pela lei a coligação de partidos. Também que quando há coligação os votos válidos atribuídos a todos os candidatos e partidos integrantes da coligação contam-se para o cálculo do quociente partidário da coligação e não só do partido. O número de vagas é determinado pelo quociente partidário dividindo-se o número de votos válidos dados à coligação pelo quociente eleitoral.

Por outro lado o artigo 108 do CE estabelece que "estarão eleitos tantos candidatos registrados por um Partido ou coligação quantos o respectivo quociente partidário indicar, na ordem da votação nominal que cada um tenha recebido".

Logo, de se ver que o legislador ao dispor na norma o termo "Legenda" sua intenção não foi outra que quando os partidos se reúnam em coligação e como esta, não pode ser sufragada pelo eleitor, porque ela não tem número de identificação, entretanto os eleitores ao votarem em partido que integra a coligação os votos vão para esta e não para cada partido isolado. E como os candidatos são registrados pela coligação e não pelo partido integrante desta, e como o cálculo do quociente partidário conta-se para coligação e não para o partido, fica subsumido, quando dependendo da situação, o termo tanto pode significar partido ou coligação. Assim, se o partido concorre isoladamente sem se coligar tem um significado, todavia se concorre coligado a significação é outra.

Isso se afirma por que como já foi apontado por alguém, "Com a diplomação ultima-se o processo eleitoral e a coligação, a partir daí, tem esgotado o seu objeto, que é tomar parte nas eleições, muito embora lhe seja conferida sobrevida residual para ajuizar recurso contra expedição de diploma ou ação de impugnação de mandato eletivo, o que ocorre porque os fatos objetos dessas ações estão ligados a acontecimentos verificados durante o processo eleitoral ou relacionados com as eleições, conforme se infere do art. 262, I a IV, do Código Eleitoral e art. 14, § 10, da Constituição Federal".

Mas, embora esgotado o objeto das coligações com a diplomação dos eleitos e suplentes, na ordem de suas respectivas votações nominais, não sobrevém nem um efeito? Claro que sobrevém, senão vejamos.

Com a formação da coligação, como já visto, os candidatos são registrados por ela, o cálculo do quociente partidário conta-se para coligação, sendo eleitos os candidatos mais votados da coligação e não de cada partido isolado. O mesmo aplica-se aos suplentes da coligação, como adiante se verá.

O processo eleitoral compõe-se de três fases distintas, quais sejam a fase pré-eleitoral, a fase eleitoral propriamente dita e a fase pós-eleitoral "que principia com a apuração e contagem de votos e termina com a diplomação dos candidatos eleitos, bem assim dos seus respectivos suplentes".

Ora, a diplomação dos eleitos e suplentes, mesmo que haja esgotamento da coligação para o objetivo que foi criada, gera efeitos futuros. No processo eleitoral é considerado eleito o candidato na ordem de suas votações nominais (os mais votados) quer titulares e suplentes. Assim, mesmo desfeita a coligação, após a proclamação e diplomação dos eleitos essa ordem de precedência permanecerá imutável para o futuro. Tanto é assim que §1° do artigo 109 do CE diz que "O preenchimento dos lugares com que cada Partido ou coligação for contemplado far-se-á segundo a ordem de votação recebida pelos seus candidatos".

Assim, proclamado o resultado das eleições e a diplomação dos eleitos e dos respectivos suplentes é elaborada uma lista que só poderá sofrer alteração em caso de ter havido impugnação de candidato e a mesma houver sido acolhida. Aqui no Maranhão no pleito para deputado Estadual a lista foi alterada, com a ascensão de Raimundo Louro que ingressou no lugar de Tatá Milhomem.

A não ser em tais casos e elaborada a lista definitiva, após o julgamento de todos os recursos pendentes pelos Tribunais competentes a lista jamais poderá ser alterada.

Desse modo, se a lei admite a formação da coligação, sendo a ela atribuídas as prerrogativas e obrigações de partido político no que se refere ao processo eleitoral, se os candidatos ao cargo eletivo são por ela registrados, e se ainda determina que o quociente partidário, quando os partidos se coligam, é obtido dividindo-se o quociente eleitoral pelo número de votos válidos dados coligação de legendas e se ainda proclama que serão considerados eleitos os candidatos que obtiverem maior votação nominal dentro da coligação, por óbvio serão considerados suplentes da coligação, isto é, 1°, 2°, e assim sucessivamente os que obtiveram maior votação nominal dentro da coligação, a fim de que se possa respeitar o critério da eleição proporcional.

Vamos verificar primeiro qual foi o real sentido da resposta dada pelo TSE ao responder a consulta do PFL.

A indagação feita em tese foi a seguinte: Os partidos e coligações têm o direito de preservar a vaga obtida pelo sistema eleitoral proporcional, quando houver pedido de cancelamento de filiação ou de transferência do candidato eleito por um partido para outra legenda?

Observe-se, de início, que o objetivo da consulta era saber se ao candidato eleito pertence-lhe o mandato ou se este é do partido ou da coligação.

A outra conclusão não se pode chegar ao lermos o que disse o ministro Cesar Asfor. Com efeito, está dito no seu voto que; "Não é nova essa questão de se saber se o mandato eletivo é de ser tido como pertencente ao indivíduo eleito, à feição de um direito subjetivo, ou se pertencente ao grêmio político partidário sob o qual obteve a eleição, não importando, nesse caso, se o êxito eleitoral dependeu, ou não, dos votos destinados unicamente à legenda ou do aproveitamento de votos das chamadas sobras partidárias". (...) "Ora, não há dúvida nenhuma, quer no plano jurídico, quer no plano prático, que o vínculo de um candidato ao Partido pelo qual se registra e disputa uma eleição é o mais forte, se não o único, elemento de sua identidade política, podendo ser afirmado que o candidato não existe fora do Partido Político e nenhuma candidatura é possível fora de uma bandeira partidária". (...) "Por conseguinte, parece-me equivocada e mesmo injurídica a suposição de que o mandato político eletivo pertence ao indivíduo eleito, pois isso equivaleria a dizer que ele, o candidato eleito, se teria tornado senhor e possuidor de uma parcela da soberania popular, não apenas transformando-a em propriedade sua, porém mesmo sobre ela podendo exercer, à moda do exercício de uma prerrogativa privatística, todos os poderes inerentes ao seu domínio, inclusive o de dele dispor". (...) "Não se há de permitir que seja o mandato eletivo compreendido como algo integrante do patrimônio privado de um indivíduo, de que possa ele dispor a qualquer título, seja oneroso ou seja gratuito, porque isso é a contrafação essencial da natureza do mandato, cuja justificativa é a função representativa de servir, ao invés da de servir-se". (...) "Por outro lado, as disponibilidades financeiras dos Partidos Políticos e o controle do acesso ao rádio e à TV não estão ao alcance privado dos interessados, pois são geridos em razão de superiores interesses públicos, implementados diretamente pelos Partidos Políticos e coligações partidárias". (...) "Observo, como destacado pelo eminente Ministro Cezar Peluso, haver hipóteses em que a mudança partidária, pelo candidato a cargo proporcional eleito, não venha a importar na perda de seu mandato, como, por exemplo, quando a migração decorrer da alteração do ideário partidário ou for fruto de uma perseguição odiosa". (...) "Com esta fundamentação respondo afirmativamente à consulta do PFL, concluindo que os Partidos Políticos e as coligações conservam o direito à vaga obtida pelo sistema eleitoral proporcional, quando houver pedido de cancelamento de filiação ou de transferência do candidato eleito por um partido para outra legenda".

Veja-se que o que ficou esclarecido foi que o mandato não pertence ao eleito e dependendo se foi eleito por partido político, por exemplo, se o PMDB não se coligou com outra agremiação concorrendo sozinho em uma eleição proporcional, ou por estes reunidos em coligação, v.g. PR, PPS e PT se reúnem, assim dependendo se foi candidato somente do partido a este pertence o mandato, mas se foi eleito por partidos em coligação a esta pertence o mandato pelas razões acima explicadas.

Quando o STF entendeu que o mandato pertence ao partido o fez no caso do deputado Federal Clodovil Hernandez. Com efeito, referido parlamentar foi eleito pelo PTC o qual não se reuniu em coligação. Posteriormente, alegando justa causa desfiliou-se do partido pelo qual fora eleito e migrou para o PR. Vindo a falecer teve sua vaga requerida pelo primeiro suplente desta agremiação.

Ora, já se viu que o mandato pertence ao partido e não ao eleito. Mesmo tendo migrado para outra agremiação não se poderia dar posse ao primeiro suplente desta, sob pena de se violar o sistema proporcional. Assim é que foi decidido que embora o TSE tenha reconhecido a justa causa na desfiliação do referido deputado do PTC, no entanto a este pertencia a vaga deixada com a morte do deputado Clodovil, pois o fato de se transferir para outro partido não o faz levar os votos que obteve no pleito. Logo a hipótese também é discrepante com a situação em que o eleito vai assumir outro encargo público.

Aliás, existe até um real interesse dos partidos políticos de verem seus deputados eleitos assumirem cargos de Ministro e de Secretário de Estado. Já houve tempo em que para exercerem tais misteres teriam que renunciar ao mandato, o que não mais se vê hoje, a não ser para certas e determinadas funções, como foi o caso do Dr. Henrique Meireles que eleito deputado Federal teve que renunciar ao mandato para ser presidente do Banco Central.

Agora, vejamos se existe qualquer sentido lógico em se dar ao suplente do partido a vaga do deputado que foi eleito em coligação?

Argumentamos o seguinte. O número de deputados eleitos foi conquistado pela quantidade de votos que obteve a coligação e não o partido político. Estes são classificados na conformidade de suas votações nominais dentro da coligação e não dos partidos. Então porque desvirtuar-se a classificação dos suplentes da coligação se estes também são classificados de conformidade com suas votações nominais dentro da coligação e não dos partidos.

Argumenta-se mais que caso a norma dispusesse que quando os partidos políticos se reunissem em coligação e o objetivo seria de tão somente favorecer a divisão do tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão ou angariar maiores disponibilidades financeiras, sem que se estabelecesse uma competição entre os candidatos dos diferentes partidos que a integram, isto é, seriam eleitos os candidatos mais votados dos partidos, ou seja, os votos seriam contados separadamente para cada partido a fim de se garantir o quociente partidário, aí sim, em caso de o eleito assumir qualquer encargo público a vaga seria do partido e não da coligação. Mas tal não acontece uma vez que nas eleições proporcionais, o objetivo maior das coligações é a união de partidos para atingir-se o quociente eleitoral, sem o qual nenhum partido isolado ou a coligação poderá eleger candidatos. Dentro da coligação para as eleições proporcionais se estabelece uma competição entre os candidatos dos diferentes partidos que a integram (e não entre os candidatos de cada partido isoladamente), sendo eleitos os candidatos que obtiverem o maior número de votos na coligação. Por fim, contam-se para a coligação todos os votos válidos atribuídos aos candidatos por ela registrados e às respectivas legendas, os quais, sendo suficiente para atingir o quociente eleitoral, legitimará a coligação a eleger um ou mais candidatos filiados aos partidos que a integram, no caso, os mais votados.

Por lógica o primeiro suplente da coligação será o que vem logo depois do último eleito mais votado. Logo se deve entender que sua votação nominal compôs a quociente partidário muito mais do que quem vem depois, segundo ou terceiro suplente. Se assim não o for foge à lógica e a racionalidade normativa. Há, por consequência violação de um princípio, pois se serão considerados eleitos os mais votados dentro da coligação, estabelecendo-se uma competição entre os candidatos dos diferentes partidos que a integram, se se respeita a ordem de classificação entre os eleitos na coligação, não se chamar os suplentes pela ordem de sua votações nominais dentro da coligação, para substituir o titular que vai exercer encargo público, é violar o que vem previamente estabelecido.

Celso Antônio Bandeira de Mello nos ensina: princípio é, por essência, "mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. Lembremos o que disseram também, Canotilho e Eros Graus. Afirma o primeiro que "os princípios são normas de natureza ou com um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes (ex: princípios constitucionais) ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico (ex: princípio do Estado de Direito)". Já o segundo preleciona que "as regras jurídicas não comportam exceções. Isso é afirmado no seguinte sentido; se há circunstâncias que excepcionem uma regra jurídica, a enunciação dela, sem que todas essas exceções sejam também enunciadas, será inexata e incompleta".

Por todo o exposto pode-se concluir que se os partidos políticos concorrem coligados nas eleições proporcionais; se o objetivo maior das coligações é a união de partidos para atingir-se o quociente eleitoral; se se estabelece uma competição entre os candidatos dos diferentes partidos que a integram (e não entre os candidatos de cada partido isoladamente), sendo eleitos os candidatos que obtiverem o maior número de votos na coligação; contam-se para a coligação todos votos válidos atribuídos aos candidatos por ela registrados e às respectivas legendas, os quais, sendo suficiente para atingir o quociente eleitoral, legitimará a coligação a eleger um ou mais candidatos filiados aos partidos que a integram, no caso, os mais votados, sob pena de se ferir os efeitos futuros do ato que homologou o resultado do pleito; se se demonstrou que o termo Legenda não tem sentido unívoco e é empregado ora em sentido de partido ora de coligação; se a lei diz que considerar-se-ão suplentes da representação partidária: I - os mais votados sob a mesma LEGENDA e não eleitos efetivos das listas dos respectivos partidos, querer-se empossar o suplente do partido que concorreu em eleição proporcional coligado com outro e não o da coligação é ferir-se de morte "a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico".

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*Professor e advogado sócio do escritório Fernando Belfort & Advogados Associados





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