A participação de empregados nos Conselhos de Administração das empresas públicas e sociedades de economia mista, suas subsidiárias e controladas e demais empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto
Alexandre Magalhães*
I. Breve Histórico
O momento ditatorial que vivia o Brasil naquele período, naturalmente, desperta curiosidade quanto ao intento do então Presidente Getúlio Vargas em apontar juristas de renome à análise da gama de regras legais trabalhistas e previdenciárias, para que fossem organizadas e centralizadas.
A partir daquele momento, a relação de trabalho, individual ou coletiva, foi revolucionada com a entrada em vigor da CLT, iniciando-se o processo, lento, de busca pelo equilíbrio entre o binômio "Capital x Trabalho".
A participação do trabalhador, através de grupos paritários, se deu inicialmente através das Comissões Internas para Prevenção de Acidentes – CIPA, valendo, à titulo ilustrativo, apontar que, embora tenha sido oficialmente instituída no ano de 1944, somente em 1949 é que foi criada a primeira comissão, na área portuária, junto a Companhia Docas de Santos.
Os Sindicatos afloraram por todo o País e, cada vez mais, as vozes dos trabalhadores passaram a ecoar fortemente, especialmente na área industrial que se localizava no ABC paulista, onde um homem passou a atuar de forma relevante no interesse dos empregados. Este homem se chamava Luiz Inácio Lula da Silva.
A História promoveu aquele representante sindical à Presidência da República Federativa do Brasil e, ao término do mandato, o Exmo. Sr. Luiz Inácio Lula da Silva sancionou o Projeto de Lei (clique aqui), de iniciativa do Poder Executivo, fazendo publicar no Diário Oficial da União, de 29 de dezembro de 2010, a obrigatoriedade da participação do trabalhador junto aos Conselhos de Administração das Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista, suas subsidiárias e controladas e demais empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto.
Com o advento da lei 12.353/10 (clique aqui), dois campos principais do Direito surgem como fontes: o Direito Trabalhista e o Direito Societário.
No âmbito laboral, o legislador procurou definir o método de participação do trabalhador no Conselho de Administração e quais os assuntos que não deve participar de Reunião, diante do conflito de interesses que possa haver.
Já quanto ao ângulo societário, objetivamente trata dos ajustes que deverão ser feitos de forma a acomodar o participante da classe dos trabalhadores, na forma da lei 6.404/76 (clique aqui) bem como das regras internas e do Estatuto de cada entidade. Registre-se já existir tratamento legal inserido pela lei 10.303/01 (clique aqui) à lei 6.404.
Outras questões remanescem e que certamente deverão ser reguladas pelo Ministério do Planejamento, tais como, políticas internas, adotando predefinições quanto à idade, tempo de trabalho na empresa, se haverá ou não estabilidade ou garantia de emprego, licenciamento, etc. Não podemos nos olvidar das regras previdenciárias.
II. Dos Aspectos Trabalhistas
O caput do artigo 2º, da lei 12.353/10, torna obrigatória a alteração dos Estatutos das empresas públicas e sociedades de economia mista com mais de 200 empregados, para que prevejam a participação, nos Conselhos de Administração das mesmas, de representante dos trabalhadores.
Portanto, o legislador pátrio houve por definir que a participação dos rumos empresariais caberá à somente um único empregado, o qual será conduzido a membro do Conselho de Administração através de eleição direta e naturalmente sigilosa.
Nesse sentido, o Parágrafo Primeiro do artigo 2º, fixa o seguinte:
"§ 1o O representante dos trabalhadores será escolhido dentre os empregados ativos da empresa pública ou sociedade de economia mista, pelo voto direto de seus pares, em eleição organizada pela empresa em conjunto com as entidades sindicais que os representem".
O Parágrafo Primeiro acima transcrito exigirá a adoção de regras transparentes, seja quanto (i.a) a idade que deva ter o candidato a fim de caracterizar a senhoridade necessária para participar de um Conselho de Administração; (i.b) o tempo de serviço na empresa pública ou na sociedade de economia mista; (i.c) nível funcional; (i.d) o tempo que pode faltar para uma eventual aposentadoria.
Forçoso observar que a lei determinou que o empregado deva estar na ativa, tanto para se candidatar bem como, por razões lógicas e razoáveis, para exercer plenamente o encargo que venha a assumir, se eleito pelos demais trabalhadores da empresa pública ou sociedade de economia mista.
Já como membro eleito e efetivo do Conselho de Administração, o § 2º do citado artigo 2º fixou o seguinte:
"§ 2º O representante dos empregados está sujeito a todos os critérios e exigências para o cargo de conselheiro de administração previstos em lei e no estatuto da respectiva empresa".
Para o pleno exercício de conselheiro/conselheira do Conselho de Administração da empresa ou sociedade de econômica mista, o empregado que venha a ser eleito por seus pares, a nosso ver, (i) não estará submetido à escolha pela Assembleia Geral, diante do fato de que isso poderia representar uma intervenção indireta; (ii) em razão de continuar a trabalhar na empresa, terá direito (ii.a) em se licenciar para as reuniões e outras atividades que tal encargo exija sua participação, devidamente abonado; (ii.b) não terá direito à estabilidade nem garantia de emprego, seja quando de sua candidatura ou após terminado o mandato correspondente, diante do fato de que o legislador o afastou da participação de temas específicos, já considerados pela lei como conflitantes; (iii.c) não terá direito a ver incorporado o valor que perceba à título de pró-labore pela assunção dessa atividade, à remuneração regular; e, (iii.d) terá direito em usufruir de suas férias regularmente.
Importante destacar que, a nosso ver, o empregado não detém estabilidade ou garantia de emprego porque, ao contrário do que ocorre com aqueles empregados membros da CIPA, que por suas ações na defesa dos seus pares podem provocar uma perseguição empresarial, o conselheiro representante dos empregados junto ao Conselho de Administração não participará de reuniões que já são consideradas pela lei como conflitantes, ou seja, a própria segurança do empregado já foi conferida pelo legislador ao trabalhador.
Vejamos o que dispõe o Parágrafo Terceiro, do citado artigo 2º:
"§ 3o Sem prejuízo da vedação aos administradores de intervirem em qualquer operação social em que tiverem interesse conflitante com o da empresa, o conselheiro de administração representante dos empregados não participará das discussões e deliberações sobre assuntos que envolvam relações sindicais, remuneração, benefícios e vantagens, inclusive matérias de previdência complementar e assistenciais, hipóteses em que fica configurado o conflito de interesse".
Por sua vez, qualquer ato ilegal que venha a causar o empregado ao empregador, nessa condição exclusiva e apesar de Conselheiro(a), não inibirá a aplicação das sanções previstas na CLT, servindo tal distinção de tratamento por sua própria natureza.
O que pode ser alvo de questionamento é: E se o empregado/empregada que seja membro do Conselho de Administração venha a ser desligado por justa causa, isto o tornará impedido em continuar como conselheiro?
A nosso ver, o empregado necessita estar na "ativa", portanto, o vinculo empregatício é condição sine qua non para o cumprimento desse mister, devendo estar devidamente previsto no Estatuto ou na política de transparência que venha a ser adotada que, uma vez afastado o/a conselheiro/conselheira, mesmo revertendo a justa causa nos Tribunais Trabalhistas, nenhum direito terá em retornar ao Conselho de Administração da empresa pública ou sociedade de economia mista.
Existem outros detalhes que certamente exigirão uma reflexão mais aprofundada, mas cremos que as linhas básicas acima poderão contribuir para uma regulamentação adequada deste passo dado pelo Exmo. Sr. Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na inserção do trabalhador nas decisões do capital, não se olvidando que a participação deve ser feita no interesse nacional, sem permitir-se caminhar pelo paternalismo.
III. Conclusão
Os aspectos societários deverão ser paralelamente analisados na busca de uma inserção adequada ao interesse político que trouxe o trabalhador a esse desafio.
O projeto do Estado brasileiro servirá de paradigma para que a iniciativa privada implemente, num futuro breve, os moldes delineados pela lei em comento, não podendo ser olvidado de que o Direito do Trabalho de nosso país, carregado por uma visão paternalista, precisará ser revisto, deixando de ser uma coletânea de normas para, observado o modelo positivista, enxugar as disposições da CLT e privilegiar, cada vez mais, as normas coletivas.
Muito precisará ser analisado, também, a fim de que os direitos conquistados não sejam violados, mas, pelo próprio espírito dessa lei 12.353/10, até porque taxativamente o trabalhador estará afastado de importantes decisões visando evitar conflitos, confere-se uma nova faceta ao trabalhador brasileiro das empresas estatais ou cuja participação do Estado exista, necessitando não somente se profissionalizar, mas estar efetivamente preparado, sob diversos ângulos, para debater com seus pares no interesse final, dos resultados da empresa que trabalhe.
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*Sócio para área Trabalhista do escritório Chediak, Lopes da Costa, Cristofaro, Menezes Côrtes, Rennó e Aragão Advogados
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