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Já é tempo de rever o ICMS

Nunca na história deste país a Constituição Federal foi tão mal tratada quanto atualmente. Estamos nos referindo aos constantes ataques que vêm sendo cometidos pelos Estados ao artigo 155 da CF/88, o qual trata do "imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação" ou ICMS.

15/2/2011

Já é tempo de rever o ICMS

Gilson J. Rasador*

Nunca na história deste país a Constituição Federal foi tão mal tratada quanto atualmente. Estamos nos referindo aos constantes e insistentes ataques que vêm sendo cometidos pelos Estados ao artigo 155 da Carta Magna, o qual trata do "imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação" ou, simplesmente, do ICMS.

Diante de tal situação, podemos seguir dois caminhos: (i) continuarmos passivos e aceitar as inúmeras afrontas perpetradas à Lei Máxima do país, ou (ii) nos organizamos como sociedade e buscamos as reformas que se fazem necessárias para atualizar a legislação tributária aos tempos modernos, especialmente a legislação do ICMS.

Este famigerado imposto, embora com alicerce em única norma constitucional e em única lei complementar (87/96 – clique aqui), é tratado pelos membros da Federação de forma tão diversa e para atender a tantos e tão variados interesses, que se pode dizer que temos vinte e sete diferentes ICMS no Brasil.

Porém, não é possível nem pretendemos aqui, em tão sucintas palavras, abordar as diferentes matizes que o imposto assume em cada um dos Estados da Federação. Queremos nos ater unicamente ao recente caso de formação de um bloco de Estados do Nordeste para, em conjunto, perpetrar mais uma afronta ao Estatuto Político da Nação Brasileira.

Conforme noticiam os jornais, Alagoas, Bahia, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe entraram em acordo para alterar as respectivas legislações e possibilitar a cobrança de ICMS sobre mercadorias vendidas com o uso da internet para consumidores localizados em seus territórios.

Pretendem aqueles Estados que as empresas vendedoras de mercadorias através da internet, as chamadas "ponto.com", domiciliadas basicamente em São Paulo e no Rio de Janeiro, paguem imposto à Fazenda do Estado da localização do consumidor. Essa pretensão, além de afrontar o inciso VII do art. 155 de nossa Constituição1, representa verdadeira bitributação, na medida em que o mesmo fato resultará gravado por dois entes tributantes distintos.

De acordo com a Constituição, nas operações que destinem mercadorias a consumidor final localizado em outro Estado o ICMS será devido ao Estado de origem do bem (i) pela alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte do imposto, e (ii) pela alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte, cabendo ao Estado de destino a diferença entre a alíquota interna e a interestadual.

Portanto, nas vendas interestaduais a consumidor final pessoa física, o ICMS cabe integralmente ao Estado de localização do estabelecimento que promover as saídas das mercadorias; nas vendas a consumidor pessoa jurídica (contribuinte), o imposto será partilhado entre o Estado de localização do vendedor (alíquota interestadual) e o de localização do destinatário (diferença entre as alíquotas interestadual e interna).

Como se vê, a Constituição da República não permite que o Estado de destino das mercadorias exija pagamento de ICMS sobre aquisições interestaduais feitas por consumidor final pessoa física, representando, o acordo dos Estados do Nordeste, ato contrário à Constituição.

Ademais, deve-se considerar que a internet, no que diz respeito ao comércio de bens materiais, é apenas mais um meio (ágil, prático e seguro) de comunicação entre fornecedores e compradores. Ou seja, mesmo que se trate de compras feitas pela internet, por telefone, por carta, ou por qualquer outro meio disponível, a circulação da mercadoria se dará fisicamente (ainda não chegamos ao tempo do teletransporte de bens materiais).

Não se podem considerar as vendas com o uso de internet de operações diferentes de outras vendas, pois a mercadoria circulará, tanto em um caso quanto noutros, fisicamente do estabelecimento do vendedor para o local determinado pelo adquirente.

Devem, por estas razões, os Estados se abster de exigir pagamento de ICMS nas operações que destinem mercadorias a consumidores finais não contribuintes do imposto localizados em seus territórios, por que assim determina a Constituição, ou se busque, através dos meios legislativos próprios, a tão esperada reforma tributária, que já não é sem tempo, pois de acordo com o Texto em vigor, o imposto é integralmente devido ao Estado da localização do estabelecimento que promover as saídas.

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1 VII - em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á: a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto; b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele; VIII - na hipótese da alínea "a" do inciso anterior, caberá ao Estado da localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual;

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*Advogado e diretor do escritório Piazzeta e Boeira Advocacia Empresarial

 

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