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Circular do Bacen que põe fim à exclusividade no empréstimo consignado deve estender os seus efeitos aos contratos anteriores à sua edição

Foi publicada, no dia 14 de janeiro de 2011, a Circular Bacen nº 3.522, em razão da qual está vedada a celebração de quaisquer convênios, contratos e acordos "que impeçam ou restrinjam o acesso de clientes a operações de crédito ofertadas por outras instituições, inclusive aquelas com consignação em folha de pagamento".

31/1/2011

Circular do Bacen que põe fim à exclusividade no empréstimo consignado deve estender os seus efeitos aos contratos anteriores à sua edição

Rafael Buzzo de Matos*

Foi publicada, no dia 14 de janeiro de 2011, a Circular Bacen 3.522 (clique aqui), em razão da qual está vedada a celebração de quaisquer convênios, contratos e acordos "que impeçam ou restrinjam o acesso de clientes a operações de crédito ofertadas por outras instituições, inclusive aquelas com consignação em folha de pagamento".

Com essa decisão, o Banco Central do Brasil (BACEN) – órgão responsável por regular e fiscalizar as atividades bancárias do país – põe uma "pá de cal" no assunto, enterrando definitivamente qualquer discussão sobre a possibilidade de se atribuir exclusividade a um banco na oferta de empréstimos consignados em detrimento dos demais concorrentes.

Entretanto, em vários estados e municípios da Federação, foram celebrados convênios, por meio de decretos e contratos, entre o Banco do Brasil e o ente federativo, para que os funcionários a este vinculados só pudessem contratar empréstimos consignados com o referido banco.

Não obstante a edição da Circular Bacen 3.522, o Banco do Brasil já se manifestou no sentido de que pretende continuar com os contratos de exclusividades já encetados com os diversos entes federativos, contrariando, pois, a determinação do Banco Central e comprometendo sobremaneira os sagrados e constitucionais princípios da livre concorrência e da liberdade de contratar, que devem emanar de um Estado Democrático de Direito.

Portanto, a Circular Bacen 3.522 estende sim os seus efeitos aos convênios celebrados anteriormente à sua edição. Senão vejamos.

É assente em nosso Direito que quaisquer prejuízos que estiverem na órbita do Sistema Financeiro Nacional se revestem de natureza difusa, atingindo, portanto, o mercado e todos que dele participam direta ou indiretamente.

Não obstante a existência do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), cujo papel está consubstanciado no controle, sobretudo repressivo, de condutas infratoras à ordem econômica (lei 8.884/94 – clique aqui); em se tratando de questões concernentes ao Sistema Financeiro Nacional, a LC 4.595/64 (clique aqui) é específica, em seu artigo 18, § 2º, ao atribuir ao BACEN competência para "regular as condições de concorrência entre instituições financeiras, coibindo-lhes os abusos com a aplicação de pena". Isso porque o mercado financeiro ostenta peculiaridades, sobretudo estruturais, cujo manejo inadequado pode implicar em prejuízos imensuráveis à ordem econômica. Eis, portanto, o motivo pelo qual toda e qualquer questão que envolva o Sistema Financeiro Nacional, deve, inexoravelmente, ser submetida ao controle fiscalizador e regulamentar da autarquia Federal destinada especificamente a atender as vicissitudes desse mercado absolutamente diferenciado dos demais.

O Banco Central do Brasil reúne profissionais altamente gabaritados e afinados com as peculiaridades do mercado financeiro, sob os auspícios do qual, inclusive, condutas de concentração podem tomar contornos absolutamente distintos dos relacionados ao ambiente dos demais mercados.

No mercado financeiro, por exemplo, Bancos Múltiplos, cuja diversidade de serviços e produtos é mais abrangente, constituem, hodiernamente, um pequeno oligopólio, que, sob este aspecto, especificamente, comporta uma concentração de mercado, como forma de blindagem do mercado interno e proteção contra o chamado "risco sistêmico".

No entanto, a ingerência do BACEN sobre o funcionamento das atividades bancárias no país deve antes prestigiar os princípios constitucionais da livre concorrência e da liberdade de escolha, do que refletir um intervencionismo exacerbado e contrário à autorregulação do mercado. Deve haver um hígido equilíbrio entre a "mão invisível do estado", de Adam Smith e o intervencionismo estatal, este limitado a garantir a função social como fim precípuo da ordem econômica, preceito este que já apresentava os seus contornos no artigo 157, inciso VI, da Constituição de 1967 (clique aqui).

O artigo 192 da Constituição Federal da República (clique aqui), é categórico ao determinar que o Sistema Financeiro Nacional deverá ser estruturado sobretudo para servir aos interesses da coletividade, o que revela o seu viés social, de modo que, o convênio celebrado entre os entes públicos e o Banco do Brasil que restringe o acesso ao crédito consignado, além de subtrair dos servidores públicos o direito de optarem pela melhor taxa de juros, frustram o escopo social do qual deve se revestir o sistema financeiro nacional, sobretudo, em se tratando de acesso ao crédito.

O princípio da livre concorrência insculpido no inciso IV, do artigo 170, da CF/88, traduz uma estratégia coletiva, cujo desiderato está consubstanciado na busca do "bem-estar social", na medida em que a concorrência, além de fomentar o crescimento econômico do país - inclusive com o aumento de empregos - proporciona um ambiente de disputa profícuo aos interesses do consumidor.

Em se tratando dos empréstimos consignados, quanto maior a concorrência, maior será o "leque" de opções ao consumidor, ensejando uma disputa tendente à baixa dos juros na busca pela preferência do cliente, garantindo, pois, o "bem-estar social" que deve emanar dos princípios da livre concorrência e da liberdade de escolha.

Desse modo, o controle repressivo exercido pelo Banco Central não está adstrito à aplicação de penas de caráter sancionador; a via regulatória pode adquirir contornos de caráter repressivo, na medida em que, ao partir de premissas preexistentes, como os princípios constitucionais da livre concorrência e liberdade de escolha, o BACEN edita, pela via regulatória, Circular que "declara" seu posicionamento acerca do tema.

Portanto, ao editar a Circular Bacen 3.522, o Banco Central declara de forma peremptória que o mercado financeiro não comporta reservas de mercado tendentes a impedir ou restringir o acesso de clientes a operações de crédito ofertadas por outras instituições, inclusive os empréstimos consignados.

Destarte, na medida em que os princípios constitucionais da livre concorrência e da liberdade de escolha (este decorrente do princípio de defesa do consumidor) constituem a causa jurídica subjacente à Circular Bacen 3.522, a consolidação de seu texto não tem o condão de constituir uma nova situação jurídica, mas antes sedimentar aquilo que já medrava na ordem jurídica, razão pela qual a referida circular é dotada de efeitos ex tunc, ou seja, ao se pronunciar sobre o assunto, por meio da Circular Bacen 3.522, a autarquia responsável por regular e fiscalizar as atividades bancárias de nosso país, declara que quaisquer condutas que sobrepujem os contornos ali traçados, não se coadunam com a ordem jurídica vigente, e devem, portanto, serem veementemente rechaçadas.

A Circular Bacen 3.522 é fruto de uma análise da ilegalidade na exclusividade dos consignados, que sob este viés, traduz um controle repressivo exercido pelo BACEN. Se ao CADE incumbe julgar as condutas de concentração de mercado, sobre as quais este é instado a se manifestar, em se tratando de matéria afeta ao Sistema Financeiro Nacional, tal incumbência é atraída pela competência do BACEN, que, ao editar uma circular a respeito do tema, manifesta de forma regulatória seu entendimento, que, no presente caso, é traduzida pela edição da Circular Bacen 3.522, cujos efeitos, portanto, alcançam todos os contratos, inclusive aqueles celebrados anteriormente, porquanto, ao se manifestar (pela via regulatória) sobre a ilegalidade de tal conduta, o BACEN nada mais faz do que DECLARAR qual conduta está dentro ou fora da legalidade, de modo que, os contratos celebrados anteriormente à edição da referida circular não podem contrariar deliberação do órgão regulador ao qual estão subordinados os seus termos, razão pela qual, resta inarredável o fato de que os efeitos emanados da Circular Bacen 3.522 alcançam, inexoravelmente, os contratos editados anteriormente à sua edição, como forma repressiva de controle exercido pelo BACEN.

Portanto, a recalcitrância do Banco do Brasil em cumprir a determinação do Banco Central é uma afronta ao Estado Democrático de Direito.

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*Advogado do escritório Bianchini Advogados e especialista em Direito Empresarial

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