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Déficit habitacional, locações residenciais e o mercado imobiliário - "Cartão Aluguel"

Atenta às necessidades do mercado de locações imobiliárias residenciais, a CEF lançou no final de 2010 o "Cartão Aluguel" – um cartão de crédito que, além de poder ser utilizado para compras, permite ao seu titular utilizá-lo, também, na celebração de único contrato de locação de imóvel residencial urbano, para a contratação de garantia locatícia.

28/1/2011

Déficit habitacional, locações residenciais e o mercado imobiliário – "Cartão Aluguel"

Fernando Dizero Senise*

Segundo números divulgados pelo Ministério das Cidades, no ano 2000 o déficit habitacional brasileiro foi estimado em cerca de 6,6 milhões de domicílios. Já em 2008, essa estimativa foi reduzida para 5,5 milhões, dos quais 83% estariam localizados em áreas urbanas. No entanto, ao mesmo tempo em que há escassez de moradias, há grande volume de crédito disponível para fomentar o mercado de consumo.

Foi a partir da conjugação desse binômio – déficit habitacional X disponibilidade de crédito – que, em meados de 2007, os prazos possíveis para a contratação de financiamentos habitacionais foram alongados, podendo chegar a até 30 anos. A medida visava a atingir diretamente os resultados pouco expressivos obtidos ao longo da última década, que já se prenunciavam.

Em tempo, não se pode olvidar as alterações legislativas precedentes promovidas pela lei 10.931/04 (clique aqui), as quais permitiram a criação do instituto do Patrimônio de Afetação, visando, principalmente, à salvaguarda dos consumidores e do mercado como um todo, em um cenário pós-crise setorial, a qual afetou diversos incorporadores que vieram à falência.

Em 2009, na mesma seara, os esforços se voltaram em favor da "reforma" da Lei de Locações (lei 8.245 – clique aqui), editada em 1991. Assim adveio a lei 12.112 (clique aqui), de 09 de dezembro de 2009, apontada, entre outras direções, para a facilitação da retomada do imóvel pelo locador (em caso de inadimplemento contratual do locatário) e para conferir maior segurança no recebimento de aluguéis. Essas medidas, sob um prisma macroeconômico, buscavam atrair ao mercado de locações diversos imóveis que eram, até então, mantidos em estoque, com o fim último de influenciar positivamente o déficit estimado.

Contudo, a atuação estatal, isoladamente considerada, não foi suficiente para alterar o comportamento retraído dos atores do mercado de locações imobiliárias, especialmente no segmento residencial, que continuam a encontrar dificuldades que vão desde a situação de insolvência de locatários e/ou fiadores, até a demora para a retomada de imóveis locados, cenário que não deixa de sofrer influências da morosidade judiciária.

De um lado, permanecem os anseios dos locadores/proprietários de imóveis, ávidos pela pontualidade no pagamento dos aluguéis e pela segurança no seu recebimento, porém retraídos por experiências anteriores mal-sucedidas e pelo histórico do mercado. De outro lado, perdura, também, a principal dificuldade daqueles que precisam se valer da locação para moradia: obter garantias à contratação, admitidas pela legislação (fiança, caução, seguro-fiança, etc.).

Nesse contexto, é interessante notar a rapidez com que o mercado e, em especial, os agentes de fomento econômico, percebem as necessidades e dificuldades contemporâneas e a elas buscam se ajustar, criando e disponibilizando novos produtos e serviços ao consumo.

Atenta às necessidades do mercado de locações imobiliárias residenciais, a Caixa Econômica Federal (CEF) lançou no final de 2010 o "Cartão Aluguel" – um cartão de crédito que, além de poder ser utilizado para compras, como qualquer outro, permite ao seu titular utilizá-lo, também, na celebração de único contrato de locação de imóvel residencial urbano, para a contratação de garantia locatícia.

A utilização do Cartão para garantir a relação locatícia tem natureza jurídica de "fiança", prevista no inciso II, do art. 37, da Lei de Locações, cujas hipóteses são taxativas.

A utilização do cartão na modalidade "locação" deve ser feita perante imobiliárias previamente credenciadas pela CEF e, em contraprestação, o titular paga ao banco, administrador do Cartão, uma taxa mensal, correspondente a um percentual incidente sobre o valor total do aluguel pactuado, como forma de cobertura pelo risco de inadimplência tomado pela instituição. Hoje, o percentual a ser pago é de 6,67% do aluguel mensal, sem prejuízo da anuidade pela administração do Cartão.

Além disso, note-se que, no formato estabelecido pela CEF, a garantia oferecida ao locador é limitada ao valor equivalente a determinado número de aluguéis. Atualmente, a CEF informa em seu website que o limite corresponde a 12 aluguéis – patamar muito semelhante ao das contratações de seguro de fiança locatícia, cujo regime jurídico é diverso.

Nesse cenário, entretanto, são pertinentes alguns questionamentos, tais como:

Seria lícita a limitação de responsabilidade imposta à fiança prestada pelo agente financeiro para a contratação pelo Cartão? Além disso, essa limitação não seria colidente com o novo espírito atribuído à Lei de Locações pela "reforma" de 2009, que buscou proteger também o locador, sem descurar dos instrumentos protetivos do locatário, em nítida intenção de promover o reequilíbrio das relações locatícias? Sobremais, ao mesmo tempo em que o Cartão confere ao locador garantia da locação, a limitação de responsabilidade do fiador não seria um desestímulo à sua utilização? Por fim, o Cartão atingirá sua finalidade última de fomentar o mercado de locações, contribuindo para a redução do déficit habitacional?

Muitas dessas perguntas somente serão respondidas com a efetiva submissão do modelo estabelecido para o Cartão ao cotidiano das negociações imobiliárias, aferindo-se seus indicadores de aceitação pelos locadores. Já outras, somente encontrarão respostas em nossos Tribunais, mas não sem acirradas discussões, o que também influirá sobre a aceitação do Cartão pelo mercado imobiliário.

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*Advogado do escritório Albino Advogados Associados

 

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