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A possibilidade de antecipar os efeitos da tutela de forma "ex officio" nas demandas previdenciárias

Diante do aumento considerável da população brasileira e a ausência de atualizações significativas pelos órgãos do Poder Judiciário, o tempo de duração e a quantidade dos processos vieram a aumentar significativamente, ocorrendo com isso, um atraso na entrega da tutela jurisdicional.

26/1/2011

A possibilidade de antecipar os efeitos da tutela de forma "ex officio" nas demandas previdenciárias

Marcelo de Ávila Caiaffa*

Diante do aumento considerável da população brasileira e a ausência de atualizações significativas pelos órgãos do Poder Judiciário, o tempo de duração e a quantidade dos processos vieram a aumentar significativamente, ocorrendo com isso, um atraso na entrega da tutela jurisdicional.

Com a superveniência da lei 8.952 (clique aqui) de 1994, o legislador ordinário estendeu a aplicação da antecipação de tutela (que era originalmente fundamentada no art. 798 do CPC – clique aqui) para que sua aplicação passasse a ser realizada através da nova redação do art. 273. Com isso, todas as situações que envolviam a matéria "tutela antecipada" previstas no processo cognitivo passariam a serem deferidas com base no citado artigo, desde que, obviamente, preenchidos requisitos mínimos para a sua concessão.

No entanto, nos dias atuais não restam dúvidas que a antecipação de tutela somente pode ser deferida mediante requerimento expresso do autor. A doutrina tradicional segue rigorosamente este entendimento, mas a tendência da doutrina e jurisprudência pátria é mudar.

Pela análise apenas do CPC, não encontramos fundamentos necessários para o deferimento da medida liminar antecipatória de ofício pelo juiz, já que o artigo 273 não deixa quaisquer dúvidas quanto a sua correta aplicação.

Mas se analisarmos a questão pelo ponto de vista constitucional, impondo princípios norteadores do nosso Direito brasileiro, é perfeitamente possível o deferimento da medida antecipatória sem requerimento do autor. Inclusive, esse entendimento já esta sendo utilizado pelos nossos Tribunais e tende a ser consolidado pelos Tribunais Superiores em breve.

Note que a doutrina vem caminhando neste sentido, vejamos:

É cediço que grande parte da doutrina entende ser cabível a antecipação de tutela "ex officio" pelo juiz em situações excepcionais, nas quais se verifique risco eminente de perecimento do direito e constitua o único meio de se preservar a utilidade do julgado1.

Os casos mais comuns de antecipação da tutela de forma ex officio são as ações que possuem natureza previdenciária ou assemelhada. Sua aplicação encontra respaldo jurídico através da utilização de princípios constitucionais. Sobre o tema o juiz Federal George Marmelstein Lima assim já se pronunciou em artigo que trata especificamente sobre a antecipação dos efeitos da tutela quando a parte requerente for trabalhador rural, e na grande maioria dos casos, idoso, vejamos:

"Os autores são sempre bem idosos, pedindo uma simples aposentadoria rural por idade, pensão ou amparo assistencial cujo valor corresponde tão-somente um salário mínimo. A eficácia do provimento final estaria seriamente comprometida caso seus efeitos não fosse antecipados imediatamente, pois (...) a parte autora já haverá falecido quando a sentença transitar em julgado (...)"2

Dentre alguns julgados destaca-se a apelação cível 2000.81.00.001652-0 interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DE SEGURO SOCIAL – INSS contra sentença que julgou procedentes os pedidos exordiais, o exmo. desembargador Federal Luiz Alberto Gurgel de Faria, membro do TRF 2ª Região, proferiu seu voto corroborando a decisão do juiz a quo na qual antecipou de forma ex officio para fase postulatória os benefícios previdenciários a uma senhora de 69 (sessenta e nove) anos de idade.

Sua decisão foi fundamentada com base no princípio da efetividade da prestação jurisdicional encontrado na junção dos incisos XXXV e LXXVIII do art. 5º da CF/88 (clique aqui). Seu convencimento pautou-se basicamente em dois pontos: direito de aposentadoria comprovado nos autos e o fato de que a apelada contava è época com quase 70 anos de idade. Tais fatos, por si só, não só comprovavam, mas também justificavam a necessidade urgente da imediata prestação jurisdicional.

Portanto, vimos que mesmo diante da vedação expressa encontrada no Código de Processo Civil, é possível que o magistrado conceda de ofício um provimento jurisdicional utilizando como embasamento certos princípios da nossa Carta Maior. Daí a necessidade de se constitucionalizar o Código de Processo Civil, pois este contém princípios que vão de encontro a outros princípios base da Constituição Federal de 1988.

Para concluir cumpre ressaltar que o CPC possui, exatamente para melhor cumprir sua função, uma característica mais rigorosa e formal. Por outro lado, a Constituição Federal, que por sua vez, foi criada para organizar o Estado Democrático de Direito, possui características mais voltadas aos direitos básicos e fundamentais. Justamente por isso, que os princípios estabelecidos na nossa Carta Cidadã devem sopesar sobre todos os outros constantes no nosso ordenamento jurídico, inclusive os defendidos pelo Diploma Processual Civil.

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1 CARMONA, Carlos Alberto. Código de Processo Civil Interpretado. Ed. Atlas, 2004. p. 807.

2 LIMA, George Marmelstein. Antecipação de Tutela de Ofício. Disponível em: < https://www.cjf.jus.br/revista/numero19/artigo10.pdf >. Acesso em: Jan/2010.

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*Advogado do escritório Batista Advogados





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