Cadastro positivo: pra quem?
Caroline Mendes Dias*
Apesar de não aprovar o referido Projeto de Lei, por ocasião do seu veto o Governo Federal criando mecanismo alternativo ao que fora rejeitado, editou a MP 518 (clique aqui), de 30 de dezembro de 2010, que disciplina a formação e consulta a bancos de dados com informações de adimplemento, de pessoas naturais ou de pessoas jurídicas, para formação de histórico de crédito, autorizando a criação do cadastro positivo de crédito, que dependerá ainda de regulamentação para que possa ter plena eficácia, e de conversão em lei, para que se torne definitiva.
O cadastro positivo de crédito é um conjunto de dados relativo à pessoa física ou jurídica armazenados com a finalidade de subsidiar a concessão de crédito, a realização de venda a prazo ou de outras transações comerciais e empresariais que impliquem em risco financeiro. O cadastro positivo é o oposto dos cadastros existentes hoje: ao invés de listar os clientes que não pagaram pontualmente suas dívidas, listaria aqueles que cumpriram seus compromissos em dia.
A proposta vem prometendo diversos benefícios para as relações de consumo, tais como uma futura possibilidade de baixa de juros (impulsionada pelo conhecimento profundo da situação financeira do consumidor), de propostas mais vantajosas para os bons pagadores, maior simplicidade na concessão de crédito, e melhor racionalização e controle dos consumidores quanto ao superendividamento.
Apesar das possibilidades de vantagens que a criação do cadastro positivo de crédito promete trazer para o mercado, e ainda, considerando que vários desses objetivos positivos foram alcançados em alguns países em que o sistema já foi aplicado, é necessário que se tenha cautela com a utilização desse histórico dos bons pagadores, que a primeira vista parece ser mais potencialmente arriscado e complicador para as relações de consumo, considerando não só a visão do consumidor, mas também dos fornecedores.
Algumas dessas possibilidades de problemas foram amenizadas com a edição da MP 518, que apresenta maior compatibilidade com as regras constitucionais e do CDC (clique aqui), do que o texto do PL 263/04, sanando alguns vícios que tornavam o cadastro positivo ainda mais inviável.
Nesse sentido, da forma como foi aprovado, o cadastro positivo apenas terá sua abertura mediante autorização prévia por parte do consumidor à entidade gestora do banco de dados (SPC, SERASA, entre outros), que deverá fazê-lo mediante assinatura em documento próprio ou em cláusula à parte (não se admitindo que tal autorização esteja inserida entre as cláusulas de um contrato).
Apesar da exigência dessa autorização prévia minimizar um pouco os riscos, é preciso que se tenha em mente que, a autorização é necessária apenas uma vez, e a partir daí todas as empresas estarão autorizadas a inserir e a consultar dados do cadastro. Aliás, após a abertura do cadastro, a anotação de informação não dependerá de autorização ou comunicação prévia ao cadastrado. Tal possibilidade apenas cessará caso o consumidor cancele o seu cadastro, possibilidade que lhe é garantida, devendo ser exercida mediante solicitação formal ao banco de dados.
Sem que haja o pedido de cancelamento integral do cadastro, as informações sobre as obrigações financeiras ficarão ali registradas pelo prazo de 15 anos, e não por 5 anos, como acontece atualmente no cadastro negativo. Poderão inclusive fazer parte dessas informações, desde que autorizados pelo cadastrado, as informações sobre o pagamento de contas de água e esgoto, eletricidade, gás, telecomunicações, não sendo, entretanto, permitida a utilização de informações relativas ao pagamento de serviços de telefonia celular.
É importante lembrar que todo cadastrado também tem direito de acessar gratuitamente, a qualquer tempo, as informações sobre ele existentes no banco de dados, inclusive o seu histórico; bem como, solicitar a correção ou o cancelamento de qualquer informação sobre ele erroneamente anotada no banco de dados e ter sua imediata correção ou cancelamento efetuados; e ter os seus dados pessoais utilizados somente de acordo com a finalidade para a qual eles foram coletados.
Com estas regras, o objetivo o Governo Federal espera ajustar o cadastro positivo à nossa legislação de proteção ao consumidor, criando um mecanismo que permita aos bons pagadores melhores condições e menores taxas de juros na hora de contratarem empréstimos, financiamentos e compras à prazo. Mas o que se pergunta é se realmente tal sistema será positivo ou não para consumidores e fornecedores.
Alguns outros pontos da Medida Provisória do cadastro positivo geram possíveis complicações para o mercado de consumo, mas o que mais preocupa é mesmo a sua própria criação. Não se trata de um posicionamento avesso a mudanças e inovações, e sim cautela com relação à inserção do cadastro na cultura de consumo brasileira. Nesse contexto, alguns dos riscos apresentados são o tratamento diferenciado de consumidores (já que os que não autorizam o cadastro podem sofrer retaliações do mercado), a utilização das informações do cadastro para finalidades diversas (inúmeras ofertas e spams devem ser enviados para os bons pagadores), e principalmente, infinitas discussões quanto aos registros feitos, que certamente gerarão ainda mais disputas judiciais do que as já existentes com relação ao cadastro negativo.
Assim, por já estar valendo, é importante que se conheça pontos importantes, como os direitos dos consumidores e obrigações dos gestores dos bancos de dados, que são de grande relevância para que os envolvidos nas relações de consumo estejam preparados para lidar com a novidade do cadastro positivo de crédito. Tais informações podem ser verificadas na íntegra da Medida Provisória. De resto, vale esperar que tal sistema seja aplicado com cautela, e efetivado apenas após o mercado estar informado e preparado para recebê-lo.
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*Advogada associada do escritório Resina & Marcon Advogados Associados
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