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A utilidade das invenções, a exclusividade do registro e o dry-martini

As leis de propriedade industrial anteriores à vigente estabeleciam como requisitos de patenteabilidade a novidade e a aplicação industrial. Não definiam invenção. E nem deveriam fazê-lo, pois, como dizia Gama Cerqueira, essa função compete à doutrina, e não à lei.

18/1/2011

A utilidade das invenções, a exclusividade do registro e o dry-martini

Newton Silveira*

"Uma de suas leis pretende que se confiram honras a quem quer que invente algo de útil à pátria e que os filhos dos que morrerem na guerra sejam criados às custas do tesouro público, lei esta que ainda não fora pensada e desde então foi promulgada tanto em Atenas quanto nos outros Estados" (Aristóteles, in A Política)

À custa de se repetirem eternamente certos conceitos, começa-se a neles acreditar.

Um desses é que uma invenção não precisa ser melhor, basta que preencha os requisitos do artigo 8º da LPI (clique aqui).

A propósito já escrevi certa feita1:

As leis de propriedade industrial anteriores à vigente estabeleciam como requisitos de patenteabilidade a novidade e a aplicação industrial. Não definiam invenção. E nem deveriam fazê-lo, pois, como dizia Gama Cerqueira, essa função compete à doutrina, e não à lei.

A lei atual, de 1996, acrescentou mais um requisito para a invenção patenteável, a atividade inventiva (art. 8º). Já para os modelos de utilidade, os requisitos são mais claros: “É patenteável como modelo de utilidade o objeto de uso prático, ou parte deste, suscetível de aplicação industrial, que apresente nova forma ou disposição, envolvendo ato inventivo, que resulte em melhoria funcional no seu uso ou em sua fabricação” (art. 9º).

Então, as invenções não carecem de ser úteis? Somente os modelos de utilidade? Desde que alguém crie um objeto inútil, mas que seja novo, resulte de reconhecida atividade intelectual e possa ser produzido em qualquer tipo de indústria (art. 15), será ele uma invenção patenteável?

O art. 27 do TRIPS (decreto 1.355/94 – clique aqui) determina que "[...] qualquer invenção, de produto ou de processo, em todos os setores tecnológicos, será patenteável, desde que seja nova, envolva um passo inventivo e seja passível de aplicação industrial". Mas a nota 5 do art. 27, que o integra, estabelece: "Para os fins deste artigo, os termos 'passo inventivo' e 'passível de aplicação industrial' podem ser considerados por um Membro como sinônimos aos termos 'não óbvio' e 'utilizável'".

Note-se que utilizável em inglês é useful, que também pode ser traduzido por útil.

Então, revisitando o art. 15 de nossa LPI, deveremos ler: "A invenção e o modelo de utilidade são considerados suscetíveis de aplicação industrial quando possam ser utilizados ou produzidos em qualquer tipo de indústria", desde que úteis...

Assim, um novo processo de fabricação é útil na indústria que o utiliza. Igualmente, uma máquina ou outro meio industrial. Produtos oriundos da indústria, mas que não são utilizados na indústria, devem ser úteis ao usuário, o que se acha expresso no art. 9º em relação aos modelos de utilidade, mas não no art. 8º em relação às invenções.

Devemos aceitar que a utilidade de um produto esteja implícita na expressão 'aplicação industrial' ou no próprio conceito de invenção.

Portanto, atendo-nos tão-somente aos produtos e deixando de lado os processos, forçoso concluir que os produtos patenteáveis devem ser úteis (useful).

Retornando, agora, aos termos do art. 95, que cuida dos desenhos industriais, encontramos a referência a produto "[...] que possa servir de tipo de fabricação industrial". Terão tais produtos de ser necessariamente úteis? Mas a indústria também produz objetos inúteis, como os reloginhos de plástico que não marcam horas (lembram-se dos vendedores do Viaduto do Chá que anunciavam: anda quando a criança anda, para quando a criança para?). Que dizer, então, das flores de plástico?

Parece razoável entender que os objetos inúteis podem constituir desenhos industriais protegidos. Aliás, o mesmo ocorria com os tapetes e as sedas de Lyon, que deram origem a essa espécie de bem intelectual tutelado.

Se esses produtos não exercem qualquer função, já que inúteis, sua função não será meramente estética? Como interpretar, então, o art. 98, o qual estabelece que "não se considera desenho industrial qualquer obra de caráter puramente artístico"?

Túllio Ascarelli (1970, p. 615), na obra citada no intróito deste trabalho, assim indaga:

"Qual é, então, a diferença com aquelas obras das artes plásticas (protegidas pelo direito do autor) que se exteriorizam em objetos que possuem também uma utilidade funcional própria?

[...]

Cerâmicas, lustres, tapeçarias, utensílios, gravatas, sapatos ou criações da moda, constituem objeto de uso, mas objetos a respeito dos quais a forma pode apresentar, além de um alcance funcional, um alcance estético e, muitas vezes, somente este."2

Ora, costuma-se dizer que o sistema de patentes tem por fim estimular o inventor a inventar e os empreendedores a investir no desenvolvimento de novos produtos. Mas não para aí a função do sistema. Não basta que as invenções sejam inventadas.

É preciso que, a um certo tempo, passem a ser livremente exploradas.

Mas, de que adianta que numa certa data a invenção venha a integrar o domínio público se, nessa ocasião, não traga nenhuma vantagem ou utilidade à humanidade?

Então sua função seria meramente cultural, como os chineses finalmente reproduzirem o Mickey Mouse?

O custo social do procedimento da concessão de patentes teria sido totalmente inútil.

Assim, não bastam a novidade e a atividade inventiva para justificar a concessão de uma patente, como, por exemplo, nas chamadas patentes de segundo uso.

O sistema não consiste em proibir por certo tempo e depois liberar. É preciso que a liberação do 'invento' para o domínio público venha a atender uma necessidade básica da população.

Assim, o sistema de patentes terá preenchido sua função finalística de ampliar cada vez mais o domínio público.

Outro tema que merece meditação é o alcance da proteção do registro de marca.

Uma vez escrevi:

"A função do registro é garantir o uso da marca. O registro sem uso é mero privilégio constituído em consideração a uma expectativa legítima de uso futuro por parte do proprietário, que deverá, no prazo determinado pela lei, iniciá-lo, dotando o registro de todos os seus pressupostos.

Enquanto não se inicia o uso exclusivo da marca, seu proprietário pode exercer todas as ações que a lei lhe garante, mas o bem tutelado será apenas sua legítima expectativa de utilizar a marca com exclusividade.

Iniciado o uso, a utilização da marca por terceiros fere não apenas o registro, mas o próprio direito do titular da marca assinalar seus artigos ou serviços, ofertando-os ao mercado sem ser turbado por atos que provoquem confusão com outros artigos ou serviços de terceiros."3

No entanto, nossos tribunais têm entendido que, se não houver confusão do consumidor no mercado, não haverá contrafação de marca. Está errado! A confusão é requisito para avaliar dano. A contrafação consiste em utilizar a marca para os mesmos produtos indicados no registro.

Veja-se Gama Cerqueira:

"Estudando analiticamente os efeitos do registro, vimos que ao seu titular compete, entre outros: a) o direito exclusivo de usar a marca para os fins constantes do registro; b) o direito de recorrer aos meios legais para impedir que terceiros empreguem marca idêntica ou semelhante para os mesmos fins ou usem a marca legítima em artigos de outra procedência (nº 87 supra).

Os atos praticados por terceiros, que importem violação do uso exclusivo da marca, constituem infrações do registro, a que se dá o nome genérico de contrafação. Esta expressão possui sentido amplo; como observa CARVALHO DE MENDONÇA, 'na doutrina jurídica e, ainda, em algumas legislações, a palavra contrafação serve para indicar sinteticamente o fato mediante o qual, por qualquer modo, se atenta contra o direito da marca alheia'. Os escritores, porém, diz o mesmo autor, adotam ordinariamente as expressões contrafação, imitação fraudulenta e usurpação, para especificarem as diversas modalidades da contrafação. Neste sentido, a palavra contrafação corresponde ao delito de reprodução da marca registrada.

O Cód. da Propriedade Industrial, como as leis anteriores, não emprega a expressão contrafação, como também não especifica, sob denominações próprias, as suas diversas modalidades."4

Em suma, os conceitos vêm deteriorando, devido à constante repetição de forma incorreta.

Daí, a menção ao dry-martini. O dry-martini não leva martini, em geral leva algumas gotas de outro vermute, como o Noilly Prat, derramadas sobre o 'dry' (gin ou vodca).

É por isso que um barman inexperiente, à solicitação de um 'dry' fornece ao sedento freguês um simples Martini Bianco, puro...5

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1 Criações Industriais, Segredos de Negócio e Concorrência Desleal, obra coletiva coordenada por Wilson Pinheiro Jabur e Manoel J. Pereira dos Santos. Ed. Saraiva, 2007 - p. 274/278.

2 Texto original: "Cuál es entonces la diferencia com aquellas obras de las artes plásticas (protegidas por el derecho de autor) que se exteriorizam en objetos que poseen también una propia utilidad funcional? Cerámicas, arañas, tapicerias, utensilios, corbatas, zapatos o creaciones de la moda, constituyen objeto de uso, pero objetos respecto a los quales la forma puede presentar, además de um alcance funcional, un alcance estético y, a menudo, solamente éste". ASCARELLI, Tullio. Teoría de la concurrencia y de los bienes inmateriales. Barcelona: Bosch, 1970.

3 SILVEIRA, Newton. Propriedade Intelectual. 4a. Edição. Editora Manole, 2010 - p. 26/27.

4 CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da Propriedade Industrial. 3a. edição. Editora Lumen Juris, 2010, nº 161, vol. II, tomo II, p.189.

5 Ernesto Aracama-Zorraquín chamava o dry-martini de branquita e dizia que era a única bebida que se podia tomar antes do vinho.

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*Advogado do escritório Newton Silveira, Wilson Silveira e Associados - Advogados


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