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Juros moratórios no novo Código Civil

Muito se tem lido a respeito dos juros legais no novo Código Civil, mas pouco se tem acertado. Sustenta-se que a taxa de juros convencionais deve equivaler à SELIC, o que é um engano.

10/3/2003

Juros moratórios no novo Código Civil

Roberto Wilson Renault Pinto

Luciana Saraiva Petty

Anna Flávia de Azevedo Izelli *

Muito se tem lido a respeito dos juros legais no novo Código Civil, mas, salvo melhor juízo, pouco se tem acertado.

Realmente, o que se tem falado, e com engano, é que: a) o art. 406 estaria hoje a autorizar os particulares a contratar ‘os juros legais conforme a taxa SELIC’; b) e, em face de a Lei da Usura (Decreto 22.626/33) não ter sido revogada pelo NCC (novo Código Civil), é possível a sua fixação no limite do dobro da taxa legal.

Ou seja, sustenta essa corrente que a taxa de juros convencionais deve equivaler à SELIC – que é utilizada pela Fazenda Nacional na atualização de seus créditos e que está fixada pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central do Brasil (Copom) em 25,50%, ao ano, podendo atingir o dobro desta (51% a.a.).

No entanto, cabe esclarecer que:

a) Dispõe o art.406 do NCC, in verbis:

"Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação de lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional."

b) Em princípio, a fixação da taxa de juros de mora, em consonância com os impostos devidos à Fazenda Nacional, depende de que não estejam previstos expressamente nos contratos ou quando provierem de determinação de lei.

c) O art. 1.062 do antigo Código Civil, que estabelecia os juros de 6%, foi revogado pelo NCC, não havendo limitação legal para os juros moratórios nos contratos; assim a regra que prevalece para os juros moratórios convencionais é do art. 406 in fine do NCC, correspondente ao fixado para a mora no pagamento dos impostos da Fazenda Nacional.

A esse respeito:

d) O art. 161, § 1º, do CTN - que tem força de lei complementar e, portanto, aplicável a todos os créditos tributários, inclusive aos da Fazenda Nacional - estabelece que os juros moratórios são calculados à taxa de 1% (um por cento) a.m.;

e) a propósito, a despeito de o Decreto 22.626/33 continuar em vigor, o seu art. 1º, caput, foi revogado pelo art. 406 do atual Código Civil, conforme dispõe a LICC, art. 2.º, § 1.º, porque com ele é incompatível, já que não há mais limitação legal para os juros a servir de base ao cômputo em dobro, porque revogado o art. 1062 do antigo CC;

f) a Lei Federal nº 9.065/95, no seu art. 14, estipulou que os juros de mora dos créditos tributários federais serão estabelecidos com base na SELIC;

g) na prática, a aplicação da SELIC substituiu a incidência da correção monetária dos créditos tributários federais e dos próprios juros;

h) o Colendo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do RESP 215.881, PR, Relator o Ministro Franciulli Netto, em acórdão de 17 de fevereiro de 2.000, julgou inconstitucional a aplicação da taxa SELIC como juros de mora, tendo como fundamentos: a) a taxa SELIC não foi instituída por lei; b) a real natureza da referida taxa é de caráter remuneratório, sem prejuízo de sua conotação de correção monetária; c) a SELIC, como juros moratórios, promove o aumento do tributo, sem lei específica, o que vulnera o princípio da legalidade, consoante disposto no art. 150, I, da CF;

i) a limitação constitucional de juros à taxa de 12% (doze por cento) a.a., constante do §3º do art. 192 da CF, não se aplica ao caso, na medida em que o próprio E. Supremo Tribunal Federal entende que se trata de norma de eficácia contida, sujeita, assim, à regulamentação por lei complementar.

Frise-se ainda que a interpretação de qualquer norma legal parte da premissa que o direito consiste num sistema.

As normas jurídicas, portanto, necessariamente, se harmonizam, se complementam, com o fito de forma o sistema.

Interpretar literalmente qualquer dispositivo legal, como, por exemplo, o art. 406 do novo Código Civil, significa não atingir o verdadeiro alcance desse dispositivo.

Assim, a SELIC, criada com o fito de remunerar capital no mercado financeiro, foi desvirtuada por leis ordinárias federais, por força da voracidade arrecadatória da autoridade tributária.

A partir daí, uma taxa, que possui em parte cunho remuneratório do capital e parte atualização da moeda, foi transvestida em taxa moratória, sem jamais revestir natureza indenizatória.

A interpretação literal do referido art. 406, dessa forma, distorce o cunho moratório dos juros, propiciando um enriquecimento sem causa do credor.

Concluindo, os juros moratórios de que trata o art. 406 do NCC devem ser limitados a 12% (doze por cento) a.a., nos estritos termos do art. 161, § 1º, do CTN, afastada a possibilidade de estipulação em dobro.

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*Sócio e advogadas do escritório Felsberg, Pedretti, Mannrich e Aidar Advogados e Consultores Legais

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