Interceptação e gravação de conversa telefônica como meio de prova
Gilberto Giusti
Patrícia Barbi Costa*
O entendimento doutrinário e jurisprudencial acerca da licitude de gravação de conversas telefônicas sofreu diversas adaptações ao longo dos anos, e foi-se regulando a incidência da norma contida no artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal de 1988, que assim dispõe:
“... é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”
Assim, em razão do disposto na parte final do inciso acima transcrito, na ausência de lei regulamentadora, doutrina e jurisprudência entendiam que, sem o consentimento de ambas as partes, a prova obtida por meio de gravação de conversa telefônica, ainda que por ordem judicial, era ilícita:
“Habeas-corpus. Crime qualificado de exploração de prestígio (CP, art. 357, pár. único). Conjunto probatório fundado, exclusivamente, de interceptação telefônica, por ordem judicial (...): Violação do art. 5º, XII, da Constituição.
1. O art. 5º, XII, da Constituição, que prevê, excepcionalmente, a violação do sigilo das comunicações telefônicas para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, não é auto-aplicável: exige lei que estabeleça as hipóteses e a forma que permitam a autorização judicial. Precedentes.
a) Enquanto referida lei não for editada pelo Congresso Nacional, é considerada prova ilícita a obtida mediante quebra do sigilo das comunicações telefônicas, mesmo quando haja ordem judicial (CF, art. 5º, LVI).
b) O art. 57, II, a, do Código Brasileiro de Telecomunicações não foi recepcionado pela atual Constituição (art. 5º, XII), a qual exige numerus clausus para a definição das hipóteses e formas pelas quais é legítima a violação do sigilo das comunicações telefônicas. (...).” (STF; HC n.º 72.588-PB; Tribunal Pleno; Rel.: Min. Maurício Corrêa; j.: 12.6.1996)
Com o advento da Lei nº 9.296, de 24.7.1996 (“Lei nº 9.296/96), passou-se a regulamentar a interceptação de comunicação telefônica como meio de prova lícito em investigação criminal e em instrução processual penal, quando concedida autorização do juiz competente da ação principal, de ofício ou a requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público, observados os termos do artigo 2º da referida lei:
“Art. 2º Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:
I - não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;
II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;
III - o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.
Parágrafo único. Em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada.”
Nesse ponto, faz-se necessário esclarecer que a esse trabalho interessa a distinção da gravação de conversas telefônicas em três espécies: (i) a interceptação (realizada por terceiro) sem consentimento de qualquer dos interlocutores para escuta ou gravação de sua conversa; (ii) a interceptação (igualmente realizada por terceiro) com autorização de um dos interlocutores; e (iii) a gravação por um dos interlocutores sem autorização do outro.
A interceptação telefônica realizada por terceiro, sem conhecimento de qualquer dos interlocutores, é que é regulada pela Lei nº 9.296/96 e caracterizará o crime previsto no artigo 10 se realizada fora dos casos legais:
“Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.
Pena: reclusão, de dois a quatro anos, e multa.”
No tocante à interceptação telefônica autorizada por um dos interlocutores (ou realizada por terceiro ante a solicitação de um dos interlocutores, sem a ciência do
Caso a obtenção, em si, seja ilícita, a gravação não terá valor probatório, de acordo com a regra constitucional que veda a admissão de provas obtidas por meios ilícitos em qualquer processo.
Seguindo a orientação da doutrina, a jurisprudência passou a admitir como prova lícita, nos processos penais e cíveis, a interceptação e a gravação de conversa telefônica sem o conhecimento de uma das partes. Nesse sentido é o atual posicionamento dos Tribunais Superiores, ressalvando-se que a licitude da prova deve ser analisada caso a caso. Confira-se:
“Penal. Processual. Gravação de conversa telefônica por um dos interlocutores. Prova lícita. Princípio da proporcionalidade. “Habeas corpus”. Recurso.
1. A gravação de conversa por um dos interlocutores não é interceptação telefônica, sendo lícita como prova no processo penal.
2. Pelo princípio da proporcionalidade, as normas constitucionais se articulam num sistema, cuja harmonia impõe que, em certa medida, tolere-se o detrimento a alguns direitos por ela conferidos, no caso, o direito à intimidade.
3. Precedente do STF.
4. Recurso conhecido mas não provido.” (STJ, HC nº 7216-SP, Rel.: Min. Edson Vidigal, j. 28.4.1998)
“Habeas Corpus. Prova. Licitude. Gravação de telefonema por interlocutor. É lícita a gravação de conversa telefônica feita por um dos interlocutores, ou com sua autorização, sem ciência do outro, quando há investida criminosa deste último. É inconsistente e fere o senso comum falar-se em violação do direito à privacidade quando interlocutor grava diálogo com seqüestradores, estelionatários ou qualquer tipo de chantagista. Ordem indeferida.” (STF; HC n.º 75338-RJ; Rel.: Min. Nelson Jobim; DJ de 25.9.1998)
Nota-se, portanto, que a norma insculpida no artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal de 1988, após sua regulamentação pela Lei nº 9.296/96, sofreu uma flexibilização no tocante à sua interpretação pela doutrina e aplicação pelos Tribunais. Porém, a verificação da licitude de qualquer interceptação ou gravação de conversa telefônica dependerá dos fatos que norteiam o caso concreto, vez que os direitos individuais de cada um dos interlocutores devem ser resguardados, a não ser que haja justa causa para seu detrimento.
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* Sócio e associada do escritório Pinheiro Neto Advogados, integrantes da área contenciosa.
*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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