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Tempestividade de recursos

Causou forte impacto na opinião dos processualistas e dos profissionais militantes no foro brasileiro um julgamento, proferido em maio de 2002, no qual o Supremo Tribunal Federal afirmou ser intempestivo o recurso interposto antes de publicado na imprensa o acórdão recorrido.

11/5/2005

Tempestividade dos recursos

Cândido Rangel Dinamarco*

1. uma surpreeendente decisão do Supremo Tribunal Federal


Causou forte impacto na opinião dos processualistas e dos profissionais militantes no foro brasileiro um julgamento, proferido em maio de 2002, no qual o Supremo Tribunal Federal afirmou ser intempestivo o recurso interposto antes de publicado na imprensa o acórdão recorrido. Segundo, porque, segundo ali foi dito de modo expresso, enquanto não cumprida essa formalidade tal acórdão não teria existência jurídica; e, não havendo no mundo um ato judicial a ser impugnado pelo recurso, faleceria à parte o indispensável requisito do interesse recursal. Conforme consta da ementa daquele julgamento, “a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem advertido que a simples notícia do julgamento, além de não dar início à fluência recursal, também não legitima a prematura interposição de recurso, por absoluta falta de objeto”. No corpo do voto do relator desse julgamento, Min. Celso de Mello, lê-se também que “o prazo para interposição de recurso contra decisões colegiadas só começa a fluir da publicação no órgão oficial” e “na pendência dessa publicação, qualquer recurso eventualmente interposto considerar-se-á intempestivo”.

Também está na ementa: “a intempestividade dos do recursos tanto pode derivar de impugnações prematuras (que se antecipam à publicação dos acórdãos), quanto decorrer de oposições tardias (que se registram após o decurso dos prazos recursais). Em qualquer dessas duas situações - impugnação prematura e oposição tardia - a conseqüência de ordem processual é uma só: não-conhecimento do recurso, por efeito de sua extemporânea interposição”.1

2. precedentes

Na realidade, esse julgamento do ano de 2002 não foi propriamente um leading case. As idéias em que se apóia já estavam presentes na jurisprudência do próprio Supremo Tribunal Federal, figurando em vários julgamentos que tiveram por relator o Min. Ilmar Galvão e em outros relatados pelos Min. Moreira Alves, Sepúlveda Pertence, Maurício Corrêa, Nelson Jobim e pelo próprio Min. Celso de Mello. Ao longo de todas essas manifestações, é uma constante a contraposição que vem sendo proposta entre (a) o momento da mera notícia do julgamento tomado em colegiado e (b) o da publicação do acórdão pela imprensa oficial. Em uma das ementas mais antigas que se conhecem a esse respeito, constante de acórdão julgador de embargos de declaração, está enfatizado que “somente após o conhecimento das razões do acórdão lavrado e assinado é que podem ser suscitadas as dúvidas e obscuridades, contradições e omissões passíveis de serem corrigidas na via dos embargos de declaração” (esse foi um julgamento do ano de 1996, sendo relator o Min. Ilmar Galvão).2 Mais antigo ainda é um outro acórdão, seguidamente referido nos demais, em cuja ementa se consigna: “o termo inicial do prazo para recorrer extraordinariamente pressupõe que o acórdão tenha sido lavrado, assinado e publicadas as suas conclusões, não bastando a simples publicação da notícia de julgamento, ainda que em minuciosa súmula do
ocorrido”.3 As decisões nesse sentido vêm de ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal e também de seu Plenário, como é o caso de dois julgamentos relatados pelo Min. Sepúlveda Pertence em matéria criminal.4

Percorrendo esses julgados, neles se identificam alguns pontos comuns e reiterados, que merecem ser identificados e isolados para que o tema possa ser bem compreendido e uma solução consistente possa ser proposta.

3. os pontos sustentados pela Suprema Corte

O primeiro dos pontos sustentados pelo Supremo Tribunal Federal nesses julgados - e que representa o núcleo central de toda a problemática em exame - consiste na própria afirmação de que a publicação pela imprensa seria requisito essencial para o início dos prazos recursais.

O segundo, que não passa de uma outra formulação do primeiro, é que a mera notícia da decisão tomada pelo órgão colegiado não abre o tempo durante o qual o recurso se admite.


O terceiro, conseqüente a esses dois, é que o recurso interposto antes da publicação pela imprensa seria tão intempestivo quanto aqueles tardiamente interpostos, não merecendo conhecimento pelo órgão destinatário; a intempestividade, diz o Supremo, tanto está presente nos recursos tardios quanto nos prematuros. Foi um pouco além na fundamentação dessa linha de raciocínio aquele julgamento no qual ficou especificado que somente a existência de um acórdão lavrado e assinado é capaz de fornecer à parte o conhecimento das razões de decidir, contra as quais poderá ela depois lançar os fundamentos de sua irresignação.

Um outro acórdão, no qual foi relator o Min. Moreira Alves, considerou ainda a hipótese de um agravo regimental interposto antes de proferida a decisão monocrática impugnada (!!!), sendo por isso, obviamente, inadmissível.5 Casos como esse estão fora de cogitação no presente estudo.

Sobre os pontos acima identificados versarão as considerações a serem desenvolvidas nos tópicos seguintes, onde em primeiro lugar se procura colocar o tema do presente estudo sobre o pano-de-fundo de alguns conceitos fundamentais da teoria do processo, à luz das técnicas de julgamento nos tribunais brasileiros e também nos órgãos inferiores da jurisdição. Este é um estudo crítico, portador de uma série de observações ao modo de pensar expresso pelo Supremo Tribunal Federal nos julgados acima referidos, para afinal concluir com uma proposta de revisão jurisprudencial.

4. entre o julgamento colegiado e a publicação pela imprensa


A técnica dos julgamentos nos tribunais brasileiros inclui, entre outras providências menores e sem interesse para o presente estudo, (a) a discussão da causa ou recurso pelos integrantes do órgão colegiado, com eventual sustentação oral, (b) a manifestação do voto de cada um, seguida da proclamação do resultado pelo presidente do órgão, (c) a publicação desse
resultado pela imprensa oficial, (d) os trabalhos de datilografia, digitação e impressão dos votos e do acórdão, realizados pelo pessoal auxiliar, (e) a assinatura pelo relator ou, quando assim dispõe o regimento interno, também pelo presidente, (f) o registro do acórdão, sua anexação aos autos e finalmente (g) a publicação das conclusões do acórdão, ou de sua parte dispositiva, pela imprensa oficial.

Ora, aqueles julgados do Supremo Tribunal Federal têm considerado somente dois desses momentos, a saber: a) o da tomada de votos e proclamação do resultado, em contraposição (b) ao da publicação das conclusões do acórdão pela imprensa; ao dizerem que a mera notícia do julgamento não autoriza ainda a interposição de recurso contra este, sendo indispensável para tanto a publicação das conclusões do acórdão no jornal oficial, deixam de levar em conta outros passos do procedimento recursal, situados entre esses dois. Não levam em conta que entre a mera divulgação do resultado do julgamento e a publicação do acórdão pela imprensa, outros atos muito importantes são praticados, que são a lavratura, assinatura, registro e juntada do acórdão aos autos. Tomados os votos dos juízes em sessão do órgão colegiado e proclamado o resultado do julgamento (CPC, art. 556), não existe ainda um acórdão a ser objeto de intimação às partes pela imprensa oficial. É preciso rever notas taquigráficas, elaborar o acórdão e ementa, colher as assinaturas exigidas por lei ou regimento, registrar o acórdão já então formalizado e juntá-lo aos autos do processo. Só depois de cumpridos esses atos rigorosamente indispensáveis é que se publicarão as conclusões e ementa, para ciência das partes.

Dos julgados que acima se colacionaram, o que chega mais próximo à tomada desses atos como critério para resolver a questão da recorribilidade é aquele no qual se disse que “somente após o conhecimento das razões do acórdão lavrado e assinado é que podem ser suscitadas as dúvidas e obscuridades, contradições e omissões passíveis de serem corrigidas na via dos embargos de declaração” (Min. Ilmar Galvão - supra, nota n. 2); se todo recurso deve conter as razões nas quais a parte fundamenta seu pedido de nova decisão (CPC, arts. 514, inc II, 524, inc. II, 541, inc. III), chega a ser intuitivo que, sem conhecer os fundamentos do ato judicial a impugnar, não tem ela sequer como alinhar sua crítica aos pressupostos lógicos da conclusão desfavorável, proferida pelo tribunal. Daí ser realmente inadmissível qualquer recurso quando as coisas estão ainda nesse ponto.

Essas considerações preparam o terreno para a crítica que neste momento principia a ser feita, no sentido de que (a) embora seja absolutamente correto que a mera notícia do resultado do julgamento é insuficiente para tornar desde logo admissível eventual recurso contra este, (b) também não se pode ir diretamente ao ato final do iter acima descrito, para concluir que só a publicação das conclusões do acórdão pela imprensa abra caminho para a possibilidade de recorrer.

É mais simples o iter em caso de atos de juiz de primeiro grau de jurisdição. Quando proferida em audiência, a sentença já se reputa integrada desde logo ao processo; se as partes houverem sido intimadas do dia e hora dessa audiência, não será necessária qualquer publicação pela imprensa, porque seus advogados já estarão cientes. Proferida a sentença ou decisão interlocutória fora de audiência, seu texto será entregue ao escrivão, seguindo-se a juntada aos autos e, ao fim, a publicação pelo órgão oficial. E, feitas as fáceis adaptações decorrentes dessas diferenças, o que se diz sobre o tempo hábil à interposição de recursos contra acórdão aplica-se do mesmo modo ao tempo para recorrer de sentenças ou decisões interlocutórias.

5. publicação versus publicação

O voto condutor do Min. Celso de Mello no acórdão que constitui objeto central deste estudo refere lição do prestigioso José Frederico Marques, o qual, ao enfatizar a indispensabilidade da publicação como requisito de existência de todo ato judicial, disse textualmente que é ela “que lhe dá a qualidade de ato do processo” (infra, n. 6). O acerto dessa afirmação está acima de qualquer dúvida, sendo ela compartilhada pela doutrina em geral, inclusive pelo magistério superior do Mestre Liebman (infra, n. 6). Realmente, uma sentença só existe como ato do processo a partir de quando
publicada. Antes disso, é mero projeto de sentença, ou, no caso de julgamento feito por um tribunal, é apenas um ato em via de formação mas ainda não formado porque lhe falta um requisito essencial indispensável.

Mas que publicação é essa? Será que estamos a falar da mesma coisa? A publicação do acórdão ou sentença pela imprensa oficial será essa mesma publicação que toda a doutrina aponta como requisito existencial indispensável, sem o qual as decisões judiciárias não comportam ainda recurso algum?


A resposta a essas indagações é francamente negativa: a publicação em sentido técnico a que a doutrina se refere não é aquela publicação a ser feita pelo órgão oficial com o objetivo de intimar os defensores das partes. Em sentido técnico, publicar é integrar o ato do juiz ou tribunal ao processo, convertendo-o em verdadeiro ato processual. Tomo a liberdade de transcrever o que a esse propósito já escrevi sobre o tema aqui em exame: “como ato do processo, que é uma instituição de direito público, a sentença é em si mesma um ato público. Mas ela só se considera ato do processo a partir do momento em que for integrada a ele, porque antes disso não passa de um escrito particular de quem a redigiu. Essa integração chama-se publicação da sentença. Quando esta é proferida em audiência, sua publicação é gradual e vai acontecendo à medida em que o escrevente lança no papel ou na memória do computador os dizeres que lhe vai ditando o juiz (art. 457). Depois, a este só resta assinar o termo e àquele, inseri-lo nos autos: a sentença já existe como ato público desde quando foi ditada. Sendo elaborada fora de audiência, a publicação se faz em mãos do escrivão, ou seja, mediante entrega do texto escrito e assinado ao cartorário responsável”.6

No caso de decisões tomadas pelos órgãos colegiados de um tribunal (câmara, turma, seção, plenário etc.), a mera pronúncia de votos em sessão de julgamento não dá corpo ainda a um julgamento acabado, porque os votos são pronunciados oralmente sem serem reduzidos a termo ou registrado em ata o teor de cada um. Por isso, e como verba volant, a formação do ato processual acórdão só se consuma quando este é lavrado e impresso em papel, sendo então registrado e levado aos autos. Apenas depois de realizadas tais providências, com o concurso dos serviços auxiliares do tribunal, é que a decisão dos órgãos colegiados se considera publicada. E daí o acerto daqueles precedentes do Supremo Tribunal Federal, na parte em que afirmam ser insuficiente a mera notícia do julgamento, como ato capaz de desencadear a admissibilidade de eventual recurso. Mas, realizadas as providências de lavratura, assinatura, registro e juntada aos autos, o julgamento reputa-se acabado e portanto existente, não sendo adequado afirmar que um recurso interposto antes da publicação pela imprensa caísse no vazio por voltar-se contra um ato juridicamente inexistente. Realizadas tais providências, o julgamento do tribunal já existe perante o direito; ele já será então, a partir daí, um autêntico ato do processo.

Como todo ato jurídico, os atos do juiz existem a partir de quando integrados todos seus elementos constitutivos (os essentialia negotii, a que alude a doutrina de direito privado). À luz de preciso ensinamento de Tullio Ascarelli, temos que o ato processual só existe perante o direito quando espelhar em concreto a situação típica resultante da aplicação das normas relativas a ele; e essa situação típica é composta pela forma determinada em lei, pelo sujeito qualificado a realizar o ato, pela vontade do agente e pelo objeto admissível em direito. Faltando algum desses requisitos, o ato é nenhum perante o direito; presentes todos eles, o ato existirá.

Outro significado e outra finalidade têm as publicações de conclusões e ementas, a serem feitas pela imprensa oficial (CPC, art. 506, incs. II-III). Elas são feitas com o objetivo de levar aos defensores das partes o conhecimento de uma sentença, decisão ou acórdão já previamente existente. São, pois, puros atos de comunicação processual, sabendo-se que, por força de uma determinação legal bastante ampla, as intimações aos advogados se realizam por esse meio (CPC, art. 236). Publica-se pela imprensa, para intimar. Mas intimam-se os advogados do teor de uma sentença, decisão ou acórdão já presente nos autos e existente perante o direito.

6. uma distinção familiar à doutrina


O publicar uma decisão tomada por um órgão colegiado, tornando-a um ato juridicamente acabado do processo (julgamento existente perante o direito), não é pois sinônimo daquele outro publicar, consistente em intimar pelos jornais oficiais. A assimilação desses dois conceitos assim tão diferentes, vista nos acórdãos aqui sob crítica, colide inclusive com as lições doutrinárias invocadas nos votos dos srs. relatores. As assertivas dos autores citados, no contexto de suas exposições sobre a publicação como providência que dá ao ato o predicado de ato público e existente perante o direito, não se confundem com o que eles também disseram sobre a publicação como ato destinado a levar ciência aos patronos das partes.


José Frederico Marques
. Logo após transcrever pequeno trecho da obra do renomado Professor, o voto do Min. Celso de Mello prossegue, agora sem usar aspas, oferecendo a interpretação do próprio relator, a qual no entanto não corresponde ao que aquele processualista ensinava. Transcreve-se aqui entre aspas o que disse José Frederico Marques e, em itálico, o trecho da lavra do ilustre Ministro: “a publicação da sentença é que lhe dá a qualidade de ato do processo” (J.F.Marques) ... passível então, a partir dessa formal divulgação no órgão oficial, de todas as conseqüências autorizadas no ordenamento positivo, notadamente aquelas de natureza natural (Min. Celso de Mello). Esse segundo trecho não está na obra citada, onde se diz coisa bastante diversa, como a seguir se lê.

Assim é, em sua integralidade, a lição do Prof. José Frederico Marques: “a publicação da sentença é que lhe dá a qualidade de ato do processo. Ela será por prolação, quando se tratar de sentença proferida oralmente; e através de publicação em sentido estrito, se a sentença é publicada em audiência (art. 242, § 1o), ou junta aos autos por ato do escrivão. Quando publicada a sentença em audiência, o termo desta documentará a publicação; quando não publicada em audiência, é a juntada aos autos que a integra ao processo. O termo de juntada, além disso, documenta a data da publicação. À publicação segue-se a intimação, para que as partes conheçam da sentença e fique documentado nos autos, através do respectivo termo, que se lhes deu ciência do que foi decidido. Na sentença proferida em audiência, publicação e intimação ocorrem simultaneamente”.7

Amaral Santos. Disse realmente o antigo Ministro do Supremo Tribunal Federal, em trecho transcrito naquele voto, que “será da intimação que se contará o prazo para a interposição do recurso”; e disse também que “a sentença, como os atos processuais em geral, é ato público. Deverá ser dada à publicidade por meio da publicação. Enquanto não publicada não produzirá os efeitos que lhe são próprios”. Mas, a seguir, no mesmo tópico esclarece a diferença existente entre publicação e intimação: “a publicação da sentença é condição de sua integração ao processo. A sentença existe e produz efeitos a partir de sua publicação. Mas, em relação às partes, seus efeitos se produzem somente a partir da sua intimação, que é o ato pelo qual se lhes dá conhecimento dela”.8

Não é verdadeira a assertiva de que um acórdão só se torne eficaz a partir de quando feita a intimação de suas conclusões pela imprensa. Sem falar no efeito puramente processual de abrir prazos para recorrer (os quais, como visto, começam antes dessa publicação sempre que existir nos autos um ato de ciência inequívoca pela parte), às vezes também alguns efeitos substanciais da decisão se produzem e são impostos em momento anterior. Não se pode dizer que sejam usuais ou freqüentes, mas também não constituem aberrações ou raridades extremas as determinações que em casos de urgência um órgão colegiado faz na própria sessão de julgamento, mandando expedir ofícios, efetivar tutelas, suspender de imediato uma decisão do juiz inferior etc. Decisões como essas, antecipando a eficácia do julgamento colegiado, partem obviamente da premissa de que esse julgado existe, porque se não existisse não poderia produzir efeito algum. Mas o presente estudo não gira em torno de casos excepcionais como esses.

Enrico Tullio Liebman. Não bastassem essas prestigiosas lições colhidas na doutrina nacional, vê-se ainda, sempre no mesmo sentido, o magistério superior do Mestre Liebman, o qual ensinou: a sentença torna-se pública mediante entrega no cartório do juiz que a proferiu. O escrivão passa a certidão da entrega ao pé da sentença, datando-a e assinando-a; dentro de cinco dias dará ciência dela às partes constituídas, mediante aviso contendo o dispositivo. Entende-se pacificamente que é com o ato da entrega [em cartório] e a contar daí, que a sentença se torna juridicamente existente”.9 Esse pensamento é reiterado mais adiante na mesma obra, praticamente com as mesmas palavras: “la sentenza è resa pubblica mediante deposito in cancelleria del suo originale e il cancelliere ne dà notizia alle parti mediante biglietto contenente il dispositivo, comunicato ai rispettivi procuratori”.10

Dos autores referidos pelo Supremo Tribunal Federal, somente Barbosa Moreira deixa de estabelecer a diferença aqui posta em destaque. Ela fala apenas na publicação como ato destinado a dar ciência às partes e a partir do qual correm os prazos recursais (publicação pela imprensa). Mas, como esse assunto é tratado em nota ao art. 406 do Código de Processo Civil, responsável pela fixação de tais termos iniciais, é natural que nessa obra não haja a menor preocupação em discorrer sobre a publicação como providência destinada a tornar público um ato que, antes, não passa de mero escrito privado do juiz. Em nenhum ponto esse autor disse ou insinuou que a sentença ou acórdão não publicado pela imprensa carecesse de existência jurídica ou fosse irrecorrível.11 Muito ao contrário. Em outra obra, após discorrer sobre os conceitos de publicação e intimação o mesmo Barbosa Moreira conclui enfaticamente: “da publicação distingue-se conceptualmente a intimação da sentença, ato pelo qual se dá conhecimento dela, especificamente, às partes, a fim de que possam, se for o caso, interpor algum recurso”.12

7. a partir de quando o juiz não pode inovar no processo (CPC, art. 463)?

Qual o significado
da disposição, contida no art. 463 do Código de Processo Civil, segundo a qual "ao publicar a sentença de mérito, o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional" só podendo alterá-la em casos bastante específicos? Alguém sustentaria que uma sentença assinada e posta nos autos após proferida em audiência ou regularmente entregue ao escrivão, poderia ser livremente alterada pelo juiz enquanto não publicadas suas conclusões na imprensa oficial? O publicar, ali referido, equivaleria ao intimar as partes pela imprensa? Decididamente, não! Particularmente explícito a esse propósito, ensinou Liebman que “a partir desse momento (o da entrega da sentença em cartório) ela não pode mais, por motivo algum, ser revogada ou modificada, exceto através dos recursos”.13 E Barbosa Moreira:

“com a publicação da sentença de mérito - qual será, normalmente, a proferida em audiência de instrução e julgamento ou depois dela - exaure-se a competência funcional do órgão de primeiro grau, no tocante à apreciação da lide (art. 463). Desde que publicada (antes mesmo de intimada!)14 a sentença, pois - salvo disposição em contrário [...] - é defeso ao juiz alterá-la, ainda que se convença de não ter julgado corretamente”.15

O exaurimento da competência do juiz, imposto pelo art. 463 do Código de Processo Civil, é ao mesmo tempo uma regra moralizadora e um fator de segurança das partes. Visa a impedir vacilações ou mesmo manipulações capazes de transformar o vencido em vencedor e o vencedor, em vencido. Por isso, seria muito pouco proibir o juiz de inovar somente depois que a sentença fosse divulgada pela imprensa oficial, podendo ele fazê-lo enquanto sua decisão, embora já inserida no processo, ainda pendesse de intimação às partes. O que aquele dispositivo contém é um severíssimo veto a qualquer alteração da sentença de mérito, depois de existente como ato processual. O publicar, ali contido, tem o significado técnico, já referido, de integrar a sentença ao processo, o que acontece (repete-se) quando ela é proferida em audiência ou quando, havendo sido proferida mediante conclusão dos autos, vem a ser entregue ao pessoal de cartório (tal é, segundo a linguagem comum, a publicação em mãos do escrivão).

As coisas se passam um pouco diferentemente em relação aos julgamentos tomadas pelos órgãos colegiados de um tribunal, em razão daquele complexo iter que principia com a prolação dos votos em sessão de julgamento e culmina com a juntada do acórdão aos autos, já lavrado, registrado e assinado (supra, n. 4). Essas diferenças procedimentais significam apenas que tais julgamentos passam por um processo gradual de publicação, tomado esse vocábulo no sentido técnico com o qual é empregado pelo art. 463 do Código de Processo Civil - com a conseqüência de que, já a partir de quando é proclamado o resultado do julgamento pelo presidente do órgão colegiado, aos juízes é proibido rever seus próprios julgamentos ou inovar no processo (ressalvadas, como sempre, as hipóteses de admissibilidade de embargos de declaração, retificação de inexatidões materiais etc.).

Essa pacífica interpretação do art. 463 do Código de Processo Civil reconfirma que, no sistema do direito positivo e na técnica do direito processual, publicar é integrar o ato judicial ao processo, como ato público - não se admitindo, pois, qualquer confusão com aquele outro publicar, que não passa de uma intimação (publicar pela imprensa).

8. intimação, ciência inequívoca e instrumentalidade das formas


Não há dúvida de que,
em princípio, os prazos para recorrer começam a correr no dia em que a decisão ou as conclusões de uma sentença ou acórdão são levadas ao conhecimento dos advogados mediante a intimação feita por meio da imprensa oficial. A lei é particularmente expressa a esse respeito (CPC, art. 506, incs. II-III). Sendo portadora de uma intimação, a publicação pela imprensa associa-se muito intimamente à garantia constitucional do contraditório (Const., art. 5o, inc. LV), uma vez que esta impõe, segundo clássica definição muito reverenciada pela doutrina deste país, a “ciência bilateral dos atos e termos do processo e possibilidade de contrariá-los” (Joaquim Canuto Mendes de Almeida).16 Sabido que contraditório é participação e participar significa reagir contra atos adversos (respondendo às iniciativas da parte contrária, recorrendo das decisões desfavoráveis), mas também não se podendo ignorar que para participar é preciso saber da existência e teor desses atos, toda a doutrina aponta sempre a necessidade de dar ciência deles às partes, para que possam participar, reagindo. Na lição superior de Mauro Cappelletti, "contraditório significa direito à participação...participar conhecendo, participar agindo".17 Por isso, sendo o próprio direito de recorrer um relevantíssimo aspecto da cláusula due process of law, também residente em sede constitucional (Const., art. 5o, inc. LIV), chega a ser intuitivo que, sem a ciência do ato, não seria legítimo impor a alguém a fluência de um prazo recursal. Daí a função da publicação dos atos judiciários pela imprensa, como ato destinado a fazer com que os prazos principiem a fluir.

Mas, como hoje todos reconhecem, nenhum ato processual tem um valor em si mesmo, senão um valor associado ao escopo em razão do qual a lei o exige. Liebman: “cada ato tem também um escopo imediato e próprio, que o qualifica em sua individualidade; mas esse escopo imediato não tem outra razão de ser senão a de representar um passo em direção a um escopo mais distante, comum a todos os atos, que é a formação do ato final, o qual resumirá todo o procedimento e constituirá o seu resultado”.18 Assim se dá, como não poderia deixar de ser, também com as intimações - quer quando feitas pela imprensa, quer quando por algum outro modo autorizado em lei. Elas valem para levar ao espírito de alguém, ou ao seu íntimo (daí, intimar), o conhecimento de algum ato realizado no processo, para que a pessoa saiba como se comportar em face desse ato; e segue daí que, já chegado o conhecimento ao espírito da parte por algum outro modo, inclusive por iniciativa dela mesma (aposição de ciente nos autos, retirada destes), não há por que insistir em levar a ela o conhecimento daquilo que inequivocamente já conhece.


Estamos no campo do princípio da instrumentalidade das formas, segundo o qual estas não têm “um valor intrínseco próprio, sendo estabelecidas apenas como meio para atingir plenamente o escopo de cada ato; a necessidade de observá-las deve, por isso, ser medida em cada caso com o metro da consecução desse escopo” (ainda Liebman).19 Ora se o valor das publicações, de decisões, sentenças ou acórdãos pela imprensa oficial é representado pela ciência desses atos, a ser obtida através delas, é imperioso, em cada caso, dar muito mais atenção à obtenção desse resultado do que ao cumprimento da formalidade consistente em publicar. Publica-se para intimar e intima-se para fazer saber. Por isso, não tem qualquer necessidade ou relevância uma intimação a quem já sabe.


Recolhidos esses elementos básicos em teoria geral do processo, chega-se com facilidade à conclusão de que, se a parte tiver ciência do ato judicial sem a publicação pela imprensa e sem qualquer intimação, o que importa é que teve essa ciência, estando pois suficientemente informada para que possa reagir, recorrendo (lembrar, ainda uma vez, os dois pólos do contraditório oferecido aos litigantes - informação e reação). A própria lei dispensa qualquer intimação ou publicação, para que tenha início o prazo para apelar de sentença proferida em audiência (CPC, art. 506, inc. I) - porque, obviamente, aquele que já tem conhecimento não precisa ser intimado. E a própria citação para a causa, que é o mais nobre e vital de todos os atos de comunicação impostos pela lei processual, deixa de ser necessária e sua falta não inquina o processo, quando o réu comparece espontaneamente, oferecendo sua resposta à inicial sem haver sido citado: também quanto a isso a lei é expressa e clara (art. 214, § 1o).

9. ciência inequívoca, retirada de autos: reclamo à coerência

No trato específico dos recursos, os próprios tribunais proclamam insistentemente que o prazo para interpô-los tem início em seguida a qualquer ato de ciência inequívoca, isto é, à prática de qualquer conduta mediante a qual a parte tome ou demonstre haver tomado conhecimento do ato judicial recorrível. A retirada dos autos do cartório ou secretaria do tribunal antes de feita a publicação pela imprensa é um desses atos
- e, com razão, a jurisprudência diz que, havendo o conhecimento da decisão, sentença ou acórdão em razão de um acontecimento como esse, a publicação pela imprensa se torna indiferente, de modo que o prazo começa, flui e termina independentemente de quando ela tiver sido feita ou mesmo que jamais se venha a fazer. Essa orientação é reiteradamente reafirmada pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo próprio Supremo Tribunal Federal.

Do Superior Tribunal de Justiça colhem-se p.ex. os seguintes julgamentos proferidos em tempos recentes: a) STJ, 3a T., REsp n. 468.249, j. 5.2.03, rel. Nancy Andrighi, v.u., DJU 1.9.03, p. 281; b) STJ, 3a Seção, EREsp n. 332.644 j. 1.6.03, rel. Félix Fischer, v.u., DJU 12.8.03, p. 187; c) 2a T., REsp n. 249.895, j. 8.4.03, rel. Peçanha Martins, v.u., DJU 28.5.03, p. 295. Em um desses acórdãos ficou dito com toda a objetividade possível que “comparecendo a parte aos autos para argüir a ausência de intimação da sentença, demonstrando inequívoco conhecimento do ato decisório, começa a fluir deste momento o termo inicial do prazo recursal”.

Em um dos muitos pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal a esse respeito lê-se também essa máxima da maior relevância: “a
retirada dos autos do cartório pela parte recorrente importa inequívoca ciência da decisão, equivalendo a intimação”. Vejam-se os seguintes acórdãos: a) STF, 2a T., HC 77.144, j. 24.11.98, rel. Carlos Velloso, v.u., DJU 27.4.01, p. 60; b) STF 1ª T., HC 70.592, j. 21.6.94, rel. Sepúlveda Pertence, v.u., DJU 17.3.95, p. 5.789; c) STF, 2ª T., RE 98.565, j. 20.5.86, rel. Djaci Falcão, v.u., DJU 31.10.86, p. 20.922.

Diante dessa tão forte e invariável linha jurisprudencial, chega-se agora a um reclamo pela coerência das decisões do Supremo Tribunal Federal, porque não é coerente (a) negar conhecimento a um recurso porque a parte teve ciência antes da publicação da sentença mas contou o prazo a partir desta, (b) mas, contraditoriamente, negar-lhe também conhecimento nos casos em que a parte se antecipa à publicação, demonstrando conhecimento do ato e efetivamente recorrendo sem que haja sido feita a intimação pela imprensa. Se a falta dessa intimação deixasse o julgamento à margem do direito, como naqueles acórdãos se disse (, com a conseqüente intempestividade por prematuridade), não haveria como dizer, depois de decorrido o prazo contado da ciência inequívoca, que o recurso seja intempestivo por ter sido interposto tardiamente. Ou a ciência inequívoca dispensa a intimação e abre o prazo para recorrer, ou não; ou ela fixa o dies a quo dos prazos recursais, ou não o fixa.

10. prazo aceleratório e não dilatório


Estabelecido que prazo é a distância temporal a ser observada entre dois atos (preciosa conceituação de Carnelutti).20
sabe-se também que em direito processual há prazos dilatórios, caracterizados como distâncias mínimas fixadas em lei, não devendo o ato ser praticado antes (p.ex., a audiência no procedimento sumário não pode ser realizada antes de decorridos dez dias da citação – CPC, art. 278) e prazos aceleratórios, que são a distância máxima entre dois atos, de modo que o segundo deles deve ocorrer antes que haja decorrido um tempo maior. As regras instituidoras de prazos dilatórios impõem esperas (ou dilações); as instituidoras de prazos aceleratórios impedem demoras e impõem preclusões, para que o procedimento caminhe avante e chegue aos resultados desejados em um tempo razoável, não sendo lícito às partes retardar indefinidamente seus atos segundo sua própria conveniência.

No trato dos prazos, sua natureza e seus efeitos, emprego os adjetivos aceleratório e dilatório como portadores de significados opostos entre si. A linguagem do Código de Processo Civil é extremamente irracional, ao opor prazos dilatórios a peremptórios. Alinguagem que utilizo, inspirada em Carnelutti, leva em conta o óbvio, ou seja, (a) que aceleratório é o que acelera e (b) que dilatório é o que dilata.21 Os prazos que se opõem aos peremptórios são dispositivos, ou seja, não-cogentes.22 Em resumo: a) dilatório é oposto de aceleratório e (b) o antônimo de peremptório é dispositivo (ou impróprio, meramente ordinatório).

Postos em destaque esses conceitos elementares, resta evidente que os prazos recursais se enquadram com toda comodidade entre os aceleratórios, porque visam a fixar o tempo máximo para o exercício de uma faculdade processual - sabendo a parte vencida que ou recorrerá dentro do tempo estabelecido em lei, ou ficará definitivamente colhida por uma preclusão (conforme o caso, pela própria coisa julgada formal). Ao permitir que o vencido se valha de todo o tempo de duração do prazo, podendo interpor seu recurso até no último momento útil do último dia deste, a lei está dando corpo e substância ao direito de recorrer, inerente à garantia constitucional do devido processo legal; ao limitar no tempo o exercício desse direito, está impedindo que o processo tenha duração ilimitada, a dano da efetividade e tempestividade da tutela jurisdicional, também garantida pela Constituição. E, por dizerem respeito à ordem pública, os prazos recursais são peremptórios, o que significa que seu decurso faz perimir faculdades ou poderes processuais não exercidos em tempo (eles são prazos próprios, ou preclusivos); são também insuscetíveis de alterações por vontade das partes, ainda que de comum acordo (CPC, art. 182). Toda a disciplina legal dos prazos para recorrer converge portanto à sua natureza aceleratória, destinando-se eles a evitar demoras intermináveis e, assim, a favorecer a pronta terminação do processo.

Com aguda sensibilidade aos fenômenos do processo, o tributarista Hugo de Brito Machado demonstrou haver captado muito bem a natureza aceleratória desses prazos e também a relevância dessa colocação para a solução de nosso problema. Disse, em oportuno ensaio, que “o prazo para a interposição de recursos é sem dúvida um prazo aceleratório [...]. Ele se destina a acelerar a marcha do processo, evitando que ele se eternize. E uma vez decorrido o ato já não pode ser praticado. Seu decurso opera a perempção do direito ao recurso”.23

Ora, quando o prazo é dilatório, destinando-se a impor esperas e conseqüentemente a conter impulsos de sofreguidão ou açodamento de sujeitos interessados em apressar, é muito natural que ele valha por proibição de realizar determinado ato antes de vencido - mesmo porque, do contrário, de nada valeria haver na lei prazos dilatórios. Mas, se o prazo é aceleratório, é também natural que ele acelere mas não retarde. Se tenho um prazo de quinze dias, posso realizar o ato desde o primeiro momento de sua fluência, ou seja, desde o momento em que ele se inicia, até ao último momento do décimo-quinto dia. O que importa é acelerar, não desacelerar ou retardar. E, se o objetivo é acelerar e não retardar, posso também, por ato meu, dar início a um prazo que, começando a correr, correrá contra mim. Se demonstro inequivocamente ter ciência da sentença ou acórdão, esse momento será o termo a quo do prazo à minha disposição, independentemente de qualquer intimação ou publicação em jornal; e é precisamente esse o raciocínio posto à base da farta jurisprudência que considera tardios os recursos interpostos depois de decorrido o tempo iniciado pela prática de um daqueles atos de ciência inequívoca.


É portanto da mais absoluta legitimidade o reconhecimento de que o sujeito que teria o direito a um recurso depois de intimado, tê-lo-á também quando ele próprio se antecipar, recorrendo desde logo sem lhe haver sido feita qualquer intimação. Essa posição apóia-se inclusive naquela premissa posta pelo próprio Supremo Tribunal Federal, o qual, como os demais tribunais do país, proclama a plena eficácia de um ato de parte como elemento capaz de desencadear prazos aceleratórios: como já lembrado, a jurisprudência brasileira é iterativa no sentido de que a ciência inequívoca faz fluir prazos contra o sujeito que de algum modo demonstre conhecer perfeitamente o ato recorrível (supra, n. 8).

11. síntese conclusiva: dois fatores convergentes e a lógica do razoável

À vista do que ao longo deste estudo se disse, são dois os pilares sobre os quais se edifica a conclusão de ser admissível a interposição de recurso contra sentença ou acórdão ainda não publicado pela imprensa. O primeiro deles consiste no duplo significado com que o verbo publicar é empregado na lei processual e nas práticas judiciárias - aqui para designar a intimação que pelo jornal oficial se faz, ali indicando a integração do ato do juiz ou do tribunal ao processo. A segunda ordem de raciocínios desenvolve-se em torno da natureza aceleratória dos prazos para recorrer, os quais não visam a impor esperas, como se dá com os prazos dilatórios, mas a evitar a eternização da pendência da relação processual.

Os significados do verbo publicar. As decisões tomadas pelos órgãos colegiados de um tribunal são sujeitas a um complexo iter de formação, principiando pela discussão da causa ou recurso em sessão de julgamento, tomada dos votos dos julgadores, proclamação do resultado pelo presidente e intimação desse resultado pela imprensa, seguindo-se a tudo isso uma série de providências destinadas à lavratura, assinatura e registro do acórdão, o qual será afinal anexado aos autos. Nesse momento o acórdão está publicado, ou seja, a partir daí existe no mundo jurídico um julgamento que poderá ser objeto do recurso que em cada caso o sistema processual admitir. Estamos no campo da existência de um ato jurídico processual perfeito e acabado, o qual poderá então ter a eficácia que a lei lhe atribuir. A outra publicação, aquela que pelo jornal oficial se faz, não se confunde com aquela primeira. O acórdão cuja ementa e conclusões são enviados à imprensa já está previamente publicado, no sentido de que já é um ato público, um ato processual perfeito e acabado e, portanto, recorrível conforme as disposições legais pertinentes (recorrível pela via de embargos infringentes, recurso especial, extraordinário etc.).

Prazos aceleratórios. O reclamo ao escopo aceleratório dos prazos recursais entra no presente contexto como um poderoso reforço de raciocínio, servindo para demonstrar como a posição do Supremo Tribunal Federal opera uma inversão lógica ao sustentar que não tem direito ao recurso aquele que se antecipa à sua própria intimação mediante uma iniciativa que imprime ao processo ainda mais celeridade que aquela exigida pelo sistema. Se tenho diante de mim uma sentença ou acórdão já juridicamente existente porque tornado público no processo, e se esse ato às vezes já é até capaz de produzir efeitos inconvenientes ao meu interesse, o recurso que interponho antes de ser intimado pela imprensa concorre para uma aceleração maior, vindo ao encontro do objetivo de aceleração concebido pelo legislador, não de encontro a ele.

A coroar a presente demonstração, é pertinente invocar o sempre oportuno reclamo à lógica do razoável, da obra monumental de Luís Recaséns Siches, porque colide como o senso-comum a idéia de que a interposição de um recurso contra decisão já perfeitamente formalizada nos autos dependa sempre da formal intimação daquele que pretende recorrer. Quero ressaltar, com o prestigioso jurisfilósofo, que “la única proposición válida que puede emitirse sobre la interpretación es la de que el juez en todo caso debe interpretar la ley precisamente del modo que lleve a la conclusión más justa para resolver el problema que tenga planteado ante su jurisdicción”.24 É dever do juiz “interpretar essas leis de modo que o resultado da aplicação aos casos singulares produza a realização do maior grau de justiça” - porque, segundo diz ele próprio, a lógica do razoável é acima de tudo a lógica da justiça.25 Aquela interpretação proposta pelo Supremo Tribunal Federal, optando por um caminho extremamente restritivo de direitos e afastando-se também de certos conceitos estabelecidos com segurança na doutrina dos processualistas, deixa de ser justo e peca pela falta de razoabilidade: se o resultado do julgamento já foi proclamado e o acórdão já foi lavrado, assinado, registrado e junto aos autos, por que só posso recorrer amanhã, quando minha intimação pelo jornal já houver sido feita, e não hoje, quando demonstro já estar inteiramente ciente de sua existência, teor e fundamentos? Mais uma vez, el logos de lo razonable poderá contribuir para o aperfeiçoamento da jurisprudência brasileira, se os srs. Ministros manifestarem disposição a repensar seus próprios precedentes e redirecionar a linha dos julgamentos que vêm adotando.
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1STF, 2a T., j. 28.5.02, rel. Celso de Mello, v.u., DJU 28.6.02.

2STF, 1a T., EDRE n. 195.859, j. 11.6.96, rel. Ilmar Galvão, v.u., DJU*****.

3STF, RE n. 86.936, RTJ 88/1.012.

4STF, Plen., EDHC n. 81.260, j. 22.5.02, rel. Sepúlveda Pertence, v.u., DJU 14.6.02.

5STF, 1a T., agr. reg. em agr. instr. n. 152.091, j. 3.6.97, rel. Moreira Alves, v.u., 26.9.97.

6Cfr. Dinamarco, Instituições de direito processual civil, III, 4a ed., S.Paulo, Malheiros, 2004, n. 1.229, p. 676.

7Cfr. Manual de direito processual civil, III, 1975, S.Paulo, Saraiva, n. 528, pp. 30-31.

8Cfr. Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, III, 3a ed., S.Paulo, Saraiva, 1979, nn. 715-716, pp. 22-23.

9Cfr. Manual de direito processual civil, I, 2a ed., Rio, Forense, 1987, n. 109, p. 245 trad.

10Cfr. Manuale di diritto processuale civile, II, 4a ed., Milão, Giuffrè, 1981, n. 280, p. 243; v.ainda Dinamarco, Instituições de direito processual civil, III, n. 1.229, esp. p. 674.

11Cfr. Comentários ao Código de Processo Civil, V, 11a ed., Rio, Forense, 2003, n. 197, pp. 357-361.

12Cfr. O novo processo civil brasileiro, 22a ed., Rio, Forense, 2002, § 10o, II, nn. 1-3, pp. 85-86.

13Cfr. ainda uma vez Manual de direito processual civil cit., I, n. 109, p. 245 trad.

14Grifo e exclamação contidos no próprio texto do Autor.

15Cfr. O novo processo civil brasileiro cit., § 10o, II, n. 2, p. 86.

16Cfr. A contrariedade na instrução criminal, S. Paulo, 1.937, esp. n. 80.

17Cfr. "Spunti in tema di contraddittorio", n. 2, in Studi in memoria di Salvatore Satta, I, Pádua, Cedam, 1.982, p. 211. Estamos falando somente do contraditório que deve ser franqueado pelo juiz às partes, sem cogitar do exercício do contraditório pelo próprio juiz (diálogo, certas iniciativas probatórias etc.), o qual não tem relevância para o presente estudo.

18Cfr. Manual de direito processual civil cit., I, n. 103, p. 228 trad.

19Id., ib., n. 104, p. 230 trad.

20Cfr. Istituzioni del processo civile italiano, I, 5a ed., Roma, Foro it., 1956, n. 357, pp. 331 ss .

21Cfr. Carnelutti, op. loc. cit. V. também Dinamarco, Instituições de direito processual civil cit., III, nn. 682 e 688, pp. 546 e 556; Fundamentos do processo civil moderno, I, 5a ed., S.Paulo, Malheiros, 2003, n. 85, p. 195.

22Cfr. Liebman, Corso di diritto processuale civile, Milão, Giuffrè, 1952, n. 47, pp. 96-98.

23Cfr. “Extemporaneidade de recurso prematuro”, n. 4.1, in Revista dialética de direito processual, vol. 8, p. 64.

24Cfr. Tratado general de filosofia del derecho, 9a ed., México, Porrúa, 1.986, cap. XXI, n. 7. p. 660.

25Id., ib., esp. p. 661.
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*Advogado do escritório Dinamarco e Rossi Advocacia










 

 


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