Banda larga - entre o puxadinho e a lei
Floriano de Azevedo Marques Neto*
A evolução vivida nos últimos dez ou doze anos foi notável. A telefonia fixa e móvel está praticamente universalizada no acesso. Os custos, proporcionalmente à renda, vêm caindo.
Sem os elevados tributos teríamos preços bastante acessíveis, mesmo comparados com os de outros países. As conquistas não podem ser desconsideradas. Mas o setor de telecomunicações é diferente de outros. Se tivéssemos no esgotamento sanitário a universalização que temos na telefonia fixa ou móvel, estaríamos equiparados a países da Europa. Nas telecomunicações as necessidades são crescentes. Se ontem desejávamos ter um telefone à mão para chamar um médico, hoje queremos ter acesso remoto a diagnósticos por imagem. Se há 15 anos necessitávamos receber textos por fax, hoje a demanda é por baixar um livro no computador.
Embora editada no século passado, a Lei Geral de Telecomunicações (LGT) é permeável a esse dinamismo. Por isso, deu ao presidente da República a atribuição de, a qualquer tempo, determinar quais serviços merecem ser universalizados (ou seja, oferecidos, sob patrocínio da União, a todos os cidadãos, em qualquer parte do território nacional, em condições acessíveis). Previu recursos para isso, mediante um Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), que hoje dispõe de alguns bilhões de reais, nunca utilizados. Dispôs, ainda, de instrumentos para atribuir à iniciativa privada o provimento desses serviços.
Desprezando todo esse instrumental, a política proposta pelo governo Federal adota um atalho, apoiada em três vetores:
- recriação da Telebrás como agente de "regulação do mercado";
- submissão da banda larga como um apêndice do serviço de telefonia;
- e imputação às concessionárias de telefonia da obrigação de construir redes para suportar a crescente necessidade de tráfego de dados em alta velocidade.
Se forem implantados, esses vetores podem, no curto prazo, produzir algum resultado. Porém, ele não se sustentará. E a consequência de médio prazo será comprometer o modelo inaugurado com a LGT, pondo em risco os avanços que ela nos trouxe.
A recriação da Telebrás é uma ilegalidade com patrocínio oficial. A estatal só não foi extinta pela LGT porque, como uma empresa não operacional (uma holding), ela deveria administrar o passivo gerado por anos de descalabro das teles estatais, evitando que a União arcasse com todo o prejuízo. Ela não tem autorização legal para prestar serviços de telecomunicações. Mas o PNBL prevê para a Telebrás um regime de duplo privilégio. Reserva-lhe a exclusividade da prestação de serviços de telecomunicações aos órgãos públicos, impedindo que as empresas privadas disputem esse mercado. A estatal tem assegurado o acesso privilegiado a redes de outras estatais (Petrobrás, Eletrobrás) sem permitir condições isonômicas de acesso às outras prestadoras. Em vez de oferecer redes e serviços nas regiões ainda não atendidas, a Telebrás pretende prestar serviços em regiões mais adensadas, onde hoje já existem três ou quatro operadoras. Por fim, o PNBL desconsidera que, pela Constituição, o papel de regular o mercado compete exclusivamente à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) (artigo 21, XI).
Banda larga é a qualidade de uma rede de transporte de dados. Não se confunde com o serviço de telefonia, que se presta prioritariamente à transmissão de sons. As redes de telefonia mais avançada podem transmitir dados em alta velocidade. Podemos transmitir voz pela internet, usando o Skype. Mas isso não significa que internet e telefonia sejam a mesma coisa. Entretanto, recentemente um alto funcionário encarregado da implantação do PNBL declarou que a proposta é fazer da banda larga um "puxadinho" do serviço de telefonia. A imagem é ilustrativa. Em direito urbanístico, "puxadinho" é a alcunha que se deu às ampliações irregulares de moradias, feitas por necessidade das famílias, mas que nos legaram verdadeiras cidades clandestinas. O PNBL tangencia essa clandestinidade. Ao pretender confundir telefonia e banda larga, embaralha-se a separação entre serviços. Compromete a regulação, traz instabilidade jurídica. No Judiciário já há impugnações a esse respeito. A LGT é reconhecida por ter criado uma regulação clara e estável. O PNBL, por birra ou incúria, solapa este mérito.
Por fim, quem paga a conta. A ideia em voga é imputar às concessionárias de telefonia os ônus de investir em redes de transporte de dados. É mero aforismo. Suas receitas vêm dos que usam seus serviços: os consumidores de telefonia. Ou seja, mesmo quem não deseja ter computador pagará pela construção de redes para que as empresas exploradoras de serviços de dados (ligadas às concessionárias ou competidoras) ofereçam internet em alta velocidade, cobrando por isso. Enquanto bilhões de reais do Fust, pagos por todos nós para esse fim, aguardam num cofre do Tesouro Nacional.
O PNBL parece querer voltar no tempo para atingir o futuro. O risco é que o atalho seja uma via para o retrocesso.
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*Sócio do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados e atua nas áreas do Direito Administrativo, Regulatório, Constitucional e Empresarial
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