A Lei nº 11.051
Marcos Bisi*
Em sendo descumprida essa ordem, será devida multa: (i) pela pessoa jurídica que distribuir ou pagar bonificações ou remunerações, em montante igual a 50% (cinqüenta por cento) das quantias distribuídas ou pagas indevidamente; (ii) pelos diretores e demais membros da administração superior que receberem as importâncias indevidas, também em montante igual a 50% (cinqüenta por cento) desses montantes. Em qualquer dos casos, a multa fica limitada a 50% (cinqüenta por cento) do débito não garantido para com a União e/ou a Previdência Social.
Da forma como a lei foi redigida, em tese um simples Auto de Infração e Imposição de Multa (AIIM), lavrado pela Receita Federal, ou pelo INSS, fundamentado na ausência de recolhimento de tributos, enquanto discutido na primeira instância administrativa – e, conseqüentemente, não se encontrando garantido nessa fase, já que a legislação não exige o depósito judicial ou arrolamento de bens – não permitiria quaisquer distribuições de bonificações aos acionistas, participação nos lucros aos sócios ou quotistas, diretores e demais membros do conselho de administração, conselho fiscal ou outros órgãos consultivos da sociedade.
Assim, a partir da lavratura do AIIM, impondo penalidade fundada na falta de recolhimento de tributo em seu vencimento, os contribuintes teriam como opção pagar o montante exigido no auto (e, conseqüentemente, não discutir o débito na instância administrativa), ou então discutir essa exigência – mas, a partir daí, não mais distribuir bonificações ou dar participação nos lucros, o que nos parece inconstitucional, como pretendemos demonstrar adiante.
Queremos ressaltar, contudo, rapidamente, antes de tratarmos da inconstitucionalidade da norma em questão, que em nossa opinião a distribuição de dividendos não deve ser incluída em nenhuma das hipóteses previstas nas alíneas do dispositivo legal aqui comentado. De acordo com a melhor doutrina, os dividendos representam uma destinação do lucro do exercício, dos lucros acumulados ou de reservas de lucros aos acionistas da sociedade.
Os dividendos, então, nada mais são do que a remuneração atribuída ao acionista decorrente da sua participação societária. Diferente, portanto, da participação nos lucros, prevista na alínea “b”, do referido artigo 32 da lei, que tem por natureza ser benefício atribuído a terceiros, não relativa aos investimentos dos acionistas e, dessa forma, devendo ser registrado como despesa da sociedade. Tal participação, grosso modo, representa uma espécie de parcela complementar do salário, cujo valor é apurado com base no lucro da sociedade e decorrente da performance do administrador.
Feita a distinção acima, e diante do veto do Presidente da República, à época da edição de Lei originária, em 1964, exatamente no vocábulo “dividendo”, resta claro que a distribuição de dividendos deve ser preservada em face do princípio da garantia à livre propriedade, previsto no artigo 5º, inciso XXII da CF, e garantido neste caso, aos acionistas.
E não é só a observância ao princípio da garantia à livre propriedade que deve ser respeitada. Há outros argumentos para concluir que o dispositivo legal em discussão não pode ser aceito, afinal limitar a distribuição de lucros das sociedades empresárias é afrontar, também, ao princípio constitucional concernente à livre iniciativa. KIYOSHI HARADA (Nosso Direito Financeiro e Tributário, São Paulo: Atlas, 13ª ed., 2004, p. 36) ensina que: “... o conceito de livre iniciativa, que se extrai do exame do Texto Magno, pressupõe a prevalência da propriedade privada na qual se assentam a liberdade de empresa, a liberdade de contratação e a liberdade de lucro. Esses os marcos mínimos que dão embasamento ao regime econômico privado, ou seja, ao regime de produção capitalista, o qual sofre interferências do Estado, por meio de três instrumentos básicos: o poder normativo, o poder de polícia e a assunção direta da atividade econômica”.
Ressaltamos, ainda, que, para se concretizar a imposição contida neste artigo 32, seria necessário que o débito fosse exigível, com a decorrente presunção de sua certeza e liquidez. Dessa forma, não poderia haver dúvidas sobre a sua força executiva, que seria, a nosso ver, o elemento intrínseco para a materialização da hipótese legal. Ou seja, antes do ajuizamento de uma execução fiscal, não se poderia falar em privar a pessoa jurídica, os sócios, acionistas, diretores, etc., de qualquer benefício ou remuneração, porque seria inconstitucional, em razão de um mero AIIM, por exemplo.
Em nossa opinião, o art. 32, da Lei nº 4.357/64 também não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 e, com isso, muito menos poderia ser recepcionado, de modo superveniente, pelo mesmo texto maior. A sua inconstitucionalidade também está na afronta aos princípios do não-confisco, da proporcionalidade, da moralidade e da razoabilidade, pois a União e suas autarquias têm, à sua disposição, outros meios para cobrar suas dívidas – inclusive, já com diversos privilégios garantidos por leis.
Dessa maneira, o que podemos concluir, então, é que, em caso de imposição da penalidade, por parte da União ou mesmo da Previdência Social, será necessário ingressar em juízo, sob a alegação de afronta aos princípios constitucionais acima mencionados, na tentativa de afastar a sanção.
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