Migalhas de Peso

Um novo olhar sobre as licitações no Brasil

É importante alertar que a flexibilização das regras dos editais pode ser uma medida benéfica no processo licitatório, desde que interpretada de forma correta, sem riscos de abrir caminho para eventual burla à lisura do certame. Há casos em que a falta de uma observância ao edital não altera a segurança que a administração pública exige para a contratação.

25/11/2010


Um novo olhar sobre as licitações no Brasil

Ana Paula Simão*

Os futuros eventos mundiais que ocorrerão no Brasil - Copa de Futebol e Olimpíadas - exigirão do governo grandes investimentos em obras e serviços. O aquecimento econômico também é outro fator que faz com que o governo, cada vez mais, contrate serviços e obras em diversos setores da economia.

Nesse contexto, a Lei de Licitações e Contratos Administrativos (lei 8.666/93 – clique aqui) nunca esteve tão em pauta. Quando de sua criação, há 17 anos, essa lei tinha como mote a lisura dos processos de licitação, em estrito atendimento ao interesse público, bem como a segurança de que o contrato firmado seria executado até o seu término e na integralidade. Com essa finalidade é que foram criadas regras extremamente inflexíveis e rígidas, tais como as ligadas à exigência de apresentação de inúmeros documentos.

Não por outra razão, o que se vê na atualidade são editais de convocação extremamente detalhados e complexos.

Participar de licitações passou a ser uma tarefa mais do que árdua, passou a ser uma tarefa verdadeiramente burocrática e desgastante. Afirmamos isso, pois muitos dos documentos exigidos nas licitações dependem da própria administração pública e, nisso, incluímos o Poder Judiciário para obtenção. Quando se trata de obter documento com a administração, não estão as empresas ilesas de demora e mais burocracia.

Percebe-se, então, que as empresas vencedoras, mais do que a expertise para executar o serviço ou obra licitados, possuem expertise para lidar com a burocracia documental. Por isso, investem muito em pessoas especializadas em obter os documentos a serem utilizados nas licitações. E o investimento quer nos parecer que vale a pena.

Os tribunais, com o tempo, diagnosticaram essa inversão de valores. Inversão sim, pois o objetivo principal da licitação é atender ao interesse público e não o interesse de ter o licitante vencedor como aquele que mais adequadamente apresentou documentos.

Foi essa distorção de objetivo que deu origem à jurisprudência que flexibiliza as regras. Jurisprudência muito aplaudida.

Se hoje há julgados que admitem a habilitação de empresas que não observam a todos os requisitos do edital, é porque se sabe que, desde que os requisitos não observados não importem em qualquer prejuízo na análise da qualidade técnica, idoneidade e higidez financeira da pessoa concorrente, estar-se-á atingindo o melhor interesse público.

Veja-se, por exemplo, o acórdão do RE 5.866/DF, que admitiu a participação de empresa em certame licitatório, mesmo que seu representante legal tenha subscrito a proposta em espaço não destinado a tal fim.

Na atualidade, o que se nota é a permanência deste entendimento de que o rigor em excesso é contrário ao interesse público. Isto não significa, porém, a banalização da lei e a inexistência de rigor na escolha da melhor proposta. Significa tão somente que o excesso de rigor não é saudável e não atende ao interesse público, havendo casos em que a falta de uma observância ao edital não altera a segurança que a administração pública exige para a contratação.

Importante alertar que a flexibilização das regras editalícias pode ser uma medida benéfica, desde que interpretada de forma correta, sem riscos de abrir caminho para eventual burla à lisura do certame. Assim é que, nesse contexto em que o Brasil se encontra, espera-se que os tribunais estejam preparados para analisar cada caso e diagnosticar quando de fato há excesso de rigor e quando o rigor exigido é necessário para a efetiva execução do serviço ou obra licitados.

Cabe lembrar que tramita no Senado projeto de lei sugerindo alteração em muitos dos dispositivos da Lei de Licitações. Trata-se do PL 32/07 (clique aqui) apresentado pelo Poder Executivo à época do Programa de Aceleração do Crescimento. A ideia central é de utilização de mecanismos de tecnologia para acelerar o processo licitatório, no molde do que já ocorre com o conhecido pregão eletrônico, em que a licitação ocorre em um site, não havendo a necessidade de locomoção.

E mais. O projeto prevê a inversão da ordem das fases, como já ocorre com os pregões. Por experiência desta modalidade, a inversão acelera e muito o processo de licitação, já que o torna menos burocrático, pois só se analisa os documentos de habilitação daquele que apresentar a melhor proposta.

A ideia de celeridade do certame licitatório é mais que bem-vinda, tendo em vista que os eventos mundiais ocorrerão em breve e já estamos com um curto espaço de tempo para providenciar todos os processos licitatórios e iniciar a execução de obras e serviços.

Assim, espera-se dos novos legisladores apoio a esse projeto e o compromisso de que passaremos logo a utilizar a nova lei, evitando-se as contratações de emergência para as obras necessárias ao projeto do campeonato mundial de futebol e das Olimpíadas no Brasil.

________________

*Advogada sênior do escritório Salusse Marangoni Advogados e especialista em licitações e contratos para o setor público

________________

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

Coisa julgada, obiter dictum e boa-fé: Um diálogo indispensável

23/12/2024

Macunaíma, ministro do Brasil

23/12/2024

Inteligência artificial e direitos autorais: O que diz o PL 2.338/23 aprovado pelo Senado?

23/12/2024

(Não) incidência de PIS/Cofins sobre reembolso de despesas

23/12/2024

A ameaça da indisponibilidade retroativa

23/12/2024