Um novo olhar sobre as licitações no Brasil
Ana Paula Simão*
Nesse contexto, a Lei de Licitações e Contratos Administrativos (lei 8.666/93 – clique aqui) nunca esteve tão em pauta. Quando de sua criação, há 17 anos, essa lei tinha como mote a lisura dos processos de licitação, em estrito atendimento ao interesse público, bem como a segurança de que o contrato firmado seria executado até o seu término e na integralidade. Com essa finalidade é que foram criadas regras extremamente inflexíveis e rígidas, tais como as ligadas à exigência de apresentação de inúmeros documentos.
Não por outra razão, o que se vê na atualidade são editais de convocação extremamente detalhados e complexos.
Participar de licitações passou a ser uma tarefa mais do que árdua, passou a ser uma tarefa verdadeiramente burocrática e desgastante. Afirmamos isso, pois muitos dos documentos exigidos nas licitações dependem da própria administração pública e, nisso, incluímos o Poder Judiciário para obtenção. Quando se trata de obter documento com a administração, não estão as empresas ilesas de demora e mais burocracia.
Percebe-se, então, que as empresas vencedoras, mais do que a expertise para executar o serviço ou obra licitados, possuem expertise para lidar com a burocracia documental. Por isso, investem muito em pessoas especializadas em obter os documentos a serem utilizados nas licitações. E o investimento quer nos parecer que vale a pena.
Os tribunais, com o tempo, diagnosticaram essa inversão de valores. Inversão sim, pois o objetivo principal da licitação é atender ao interesse público e não o interesse de ter o licitante vencedor como aquele que mais adequadamente apresentou documentos.
Foi essa distorção de objetivo que deu origem à jurisprudência que flexibiliza as regras. Jurisprudência muito aplaudida.
Se hoje há julgados que admitem a habilitação de empresas que não observam a todos os requisitos do edital, é porque se sabe que, desde que os requisitos não observados não importem em qualquer prejuízo na análise da qualidade técnica, idoneidade e higidez financeira da pessoa concorrente, estar-se-á atingindo o melhor interesse público.
Veja-se, por exemplo, o acórdão do RE 5.866/DF, que admitiu a participação de empresa em certame licitatório, mesmo que seu representante legal tenha subscrito a proposta em espaço não destinado a tal fim.
Na atualidade, o que se nota é a permanência deste entendimento de que o rigor em excesso é contrário ao interesse público. Isto não significa, porém, a banalização da lei e a inexistência de rigor na escolha da melhor proposta. Significa tão somente que o excesso de rigor não é saudável e não atende ao interesse público, havendo casos em que a falta de uma observância ao edital não altera a segurança que a administração pública exige para a contratação.
Importante alertar que a flexibilização das regras editalícias pode ser uma medida benéfica, desde que interpretada de forma correta, sem riscos de abrir caminho para eventual burla à lisura do certame. Assim é que, nesse contexto em que o Brasil se encontra, espera-se que os tribunais estejam preparados para analisar cada caso e diagnosticar quando de fato há excesso de rigor e quando o rigor exigido é necessário para a efetiva execução do serviço ou obra licitados.
Cabe lembrar que tramita no Senado projeto de lei sugerindo alteração em muitos dos dispositivos da Lei de Licitações. Trata-se do PL 32/07 (clique aqui) apresentado pelo Poder Executivo à época do Programa de Aceleração do Crescimento. A ideia central é de utilização de mecanismos de tecnologia para acelerar o processo licitatório, no molde do que já ocorre com o conhecido pregão eletrônico, em que a licitação ocorre em um site, não havendo a necessidade de locomoção.
E mais. O projeto prevê a inversão da ordem das fases, como já ocorre com os pregões. Por experiência desta modalidade, a inversão acelera e muito o processo de licitação, já que o torna menos burocrático, pois só se analisa os documentos de habilitação daquele que apresentar a melhor proposta.
A ideia de celeridade do certame licitatório é mais que bem-vinda, tendo em vista que os eventos mundiais ocorrerão em breve e já estamos com um curto espaço de tempo para providenciar todos os processos licitatórios e iniciar a execução de obras e serviços.
Assim, espera-se dos novos legisladores apoio a esse projeto e o compromisso de que passaremos logo a utilizar a nova lei, evitando-se as contratações de emergência para as obras necessárias ao projeto do campeonato mundial de futebol e das Olimpíadas no Brasil.
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*Advogada sênior do escritório Salusse Marangoni Advogados e especialista em licitações e contratos para o setor público
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