A real eficácia do ordenamento jurídico
Mariana Silveira Bueno*
É comum a veiculação de críticas ao ordenamento jurídico, especialmente quanto à demora na evolução das normas legais frente ao dinamismo dos acontecimentos da vida do particular e da Administração Pública.
Entretanto, não é apenas mais celeridade no processo legislativo que basta para se obter maior justiça na relação entre particulares, maior eficiência na prestação de serviços e na execução de obras públicas e também mais racionalidade na gerência dos recursos da Administração estatal. Muitas vezes a norma existe e é boa, o que falta é seu efetivo cumprimento.
Como exemplo, em episódio ocorrido no último mês de setembro, divulgado amplamente pela mídia, revelou-se o mais alto nível de descompromisso do Poder Executivo para com as normas que regulam - ou devem regular - as ações do Poder Público.
Trata-se de uma contratação realizada pela empresa estatal vinculada ao governo federal – EBC - Empresa Brasileira de Comunicação para que uma empresa privada gerencie seus arquivos digitais, pelo preço de R$ 6 milhões. Ocorreu que, muito ao contrário do que estabelece a legislação em vigor, tal contratação foi realizada sem a existência de recursos orçamentários previstos para tanto.
Sem avançar na questão política que gravita sobre o assunto, tal distorção verificada no poder de contratação da Administração Pública é grotesca. A uma porque qualquer cidadão, leigo, sabe que somente pode adquirir um bem ou serviço se dispuser de recursos para pagá-lo. A duas, porque o servidor público, técnico, por seu turno, sabe - ou deveria saber - que somente é possível dar início a processo licitatório se o recurso necessário estiver previsto no orçamento desde o exercício fiscal anterior.
Assim, mais que uma grande tergiversação aos limites legais do Poder Público, o acontecimento narrado demonstra o descompromisso do Estado com as regras que propriamente criou, em nome do povo.
Na medida em que o Estado realiza gasto de R$ 6 milhões com projeto o qual, pelo entendimento do próprio Ministro da Comunicação Social tinha "Prioridade Zero" dentre outros compromissos de fato inadiáveis, e o que é pior, considerando que o dinheiro para pagamento de tal gasto não estava previsto no orçamento, se mostra evidente o desrespeito ao ordenamento jurídico.
E não adianta sequer imaginar ou desejar que esse seja um pequeno deslize, sem grande repercussão. "Lapsos" como este e afrontas ao ordenamento jurídico são praticados a todo o momento, sem maiores pudores, sob o fundamento de se tratar de "ato político".
Este é o argumento que destrói a eficácia de todo o ordenamento jurídico: a afirmação de que se trata de "ato político". Atos, na verdade, que transformam as normas vigentes em espécie de letra morta, as quais somente são respeitadas ao sabor dos interesses políticos de determinada esfera de governo.
É este então o fato causador de tão profundas críticas ao sistema legal brasileiro. Na medida em que são apenas parcialmente respeitadas, as normas legais nunca conseguirão cumprir sua verdadeira finalidade, qual seja, organizar a vida social. Serão sempre criticadas quanto à sua eficácia, sendo que, se fossem cumpridas a contento – em especial pelas próprias autoridades – certamente teriam efeitos mais completos e próximos do que se espera do regime jurídico.
Infelizmente, ainda é o que se aguarda do Estado brasileiro, dito tão fortemente legalista e democrático, porém contumaz desrespeitador das normais legais.
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*Advogada do escritório De Vivo, Whitaker, Castro e Gonçalves Advogados
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