Migalhas de Peso

Honorários de sucumbência devidos pela Fazenda Pública

Não obstante os §§ 3.º e 4.º do art. 20 do CPC datem de 1973 , a discussão sobre seu significado é questão das mais atuais, notadamente no que diz respeito aos honorários advocatícios de sucumbência devidos pela Fazenda Pública.

29/4/2005

Honorários de sucumbência devidos pela Fazenda Pública

Hugo de Brito Machado Segundo*

Raquel Cavalcanti Ramos Machado*

Introdução

Não obstante os §§ 3.º e 4.º do art. 20 do CPC datem de 19731, a discussão sobre seu significado é questão das mais atuais, notadamente no que diz respeito aos honorários advocatícios de sucumbência devidos pela Fazenda Pública.

Logo no início de sua vigência, o tratamento diferenciado conferido à Fazenda Pública teve a sua constitucionalidade questionada ante o argumento de que o Estado, ao lesar o direito de um particular, não o lesa menos ou de modo mais atenuado que um particular lesa o direito de outro; assim, a Fazenda Pública não pode ser condenada de modo diverso. O debate foi levado aos tribunais, que terminaram por decidir que a discriminação é válida, pois "deu à Fazenda Pública um tratamento especial, porque ela não é um ente concreto, mas a própria comunidade, representada pelo governante que é o administrador e preposto" e ainda que "jamais se apontou qualquer inconstitucionalidade nessa regra, que, visando a preservar os interesses coletivos, tratou desigualmente pessoas desiguais, restando ao Juiz apenas a fixação consoante apreciação eqüitativa, atendidas as normas das letras a e c do § 3º do artigo 20 do Código de Processo Civil".2

Aceitando como superada essa fase do questionamento, e tendo como certo que a norma do § 4º do art. 20 do CPC pertence à ordem jurídica brasileira, a jurisprudência cuidou de interpretá-lo determinando-lhe o alcance e o significado. Desse modo, considerou-se, até pouco tempo, que o dispositivo em questão autoriza o julgador a, utilizando da eqüidade, condenar a Fazenda Pública ao ressarcimento de honorários advocatícios em quantia inferior a 10% do valor da condenação. Não necessariamente o percentual seria inferior, poderia, porém, sê-lo. Apesar disso, a inflação e a sistemática dos precatórios, que desgastavam sobremaneira o valor de honorários de sucumbência a serem pagos pela Fazenda Pública, fizeram com que, durante muito tempo, o tema não ocupasse de modo especial a atenção de advogados, juízes e procuradores.

A recente estabilização da moeda, contudo, fez com que os valores pagos pela Fazenda Pública se aproximassem da realidade, o que a levou a pleitear, sob falso fundamento no § 4º do art. 20 CPC, referida condenação em valores irrisórios, geralmente bem inferiores a 1% do valor discutido em juízo. Esse pleito, apesar de desacertado, vem sendo concedido por alguns julgadores monocráticos, que, em prol do "interesse público", sustentam ser a seguinte a correta interpretação do § 4º do art. 20 do CPC: quando for vencida a Fazenda Pública, os honorários por ela devidos devem ser fixados em percentuais inferiores a 10% do valor discutido, se este já for reduzido, ou em quantia inteiramente desvinculada do valor em disputa, nas hipóteses em que este for elevado, ensejando, em todo caso, a quantificação de uma verba honorária assaz módica.

Não obstante o aparente nobre propósito que move alguns dos que a defendem, e o respeito que todos eles merecem, referida exegese é equivocada e inconsistente. Nenhum método de interpretação a autoriza, e, além de tudo, caso seja acolhida pela jurisprudência, terá efeitos bastante danosos à ordem jurídica. É do que cuida o presente texto.

1. Inconsistência dos fundamentos atribuídos ao § 4.º do art. 20 do CPC

Afirma-se que o § 4.º do art. 20 do CPC determina a condenação da Fazenda Pública em valores módicos, aplicando-se, sempre que necessário, percentuais inferiores aos do § 3º do mesmo artigo, em síntese, pelos seguintes fundamentos:

a) trata-se apenas de mais um privilégio processual da Fazenda Pública;

b) a Fazenda Pública é "a própria comunidade", assim merece tratamento diferenciado.

Ambas as premissas são equivocadas.

Entendida como impondo um aviltamento da verba honorária, a norma do §4.º do art. 20 do CPC, embora esteja no Código de Processo Civil, não contém privilégio de natureza processual, mas sim de direito material. De fato, a norma não está conferindo à Fazenda um tratamento especial em relação a atos do processo (v.g. prazo em dobro para recorrer, duplo grau obrigatório etc.), mas em relação a um dos efeitos, a um dos fins do processo, que é a reparação material de uma despesa, no caso os honorários advocatícios. Assim visto tal privilégio, a Fazenda Pública restaria liberada para não reparar integralmente os danos que causasse, discriminação que, apesar do respeito que merecem os que pensam de modo distinto, não se afeiçoa a um Estado que se pretende Democrático de Direito.

De fato, o patrimônio de um particular não passa a valer menos porque quem o atingiu foi o Poder Público. Tanto é assim que, em caso de desapropriação, a Constituição Federal garante o valor justo da indenização (CF/88, art. 5.º, XXIV). Por outro lado, ao dispor sobre os pagamentos devidos em virtude de decisão judicial transitada em julgado, a Constituição também assegurou a integralidade desses pagamentos, tendo apenas estabelecido uma ordem cronológica para os mesmos, e isso para garantia do próprio cidadão (CF/88, art. 100).

Logo quando da entrada em vigor do CPC de 1973, Celso Agrícola Barbi nos ofereceu lição lapidar sobre o tema:

"O parágrafo contém regra muito criticável, em relação à Fazenda Pública, a qual, quando vencida, não terá a condenação em honorários sujeita à limitação do § 3º. A exceção é duplamente criticável. Em primeiro lugar, porque não há razão para que a Fazenda Pública tenha tratamento especial quando vencida. Por que motivo uma pessoa que tiver o seu automóvel danificado em uma colisão por culpa de outrem será reembolsada em honorários de 10 a 20% sobre o valor do dano, se o veículo causador do dano for um particular, e terá tratamento diverso se o veículo causador pertencer a um órgão do Poder Público? Porventura o que ele pagará ao seu advogado, a título de honorários, será diferente, porque o veículo causador pertence ao Estado? Parece que a intenção do legislação é dar tratamento preferencial à Fazenda, mas nem isso ficou assegurado na lei, porque ela, ao subtrair a Fazenda à regra do § 3.º, não proibiu a condenação em valor superior a 20%. É razoável que se dê à Fazenda maior facilidade nos prazos, como garantia do interesse geral que pode ser sacrificado pela deficiência de alguns serviços jurídicos de órgãos públicos. Mas o favor não deve estender-se ao campo dos honorários de advogado, porque estes são indispensáveis a um completo ressarcimento do direito da pessoa lesada pela Administração Pública.

Mas, como o parágrafo tem redação pouco adequada à sua presumível finalidade de beneficiar a Fazenda, a jurisprudência tem meios de restabelecer a igualdade entre os litigantes, fixando os honorários nas causas em que a Fazenda Pública for vencida ou vencedora entre 10 e 20%, como permite o § 3.º. E nas causas de pequeno valor e nas de valor inestimável a circunstância de a Fazenda ser parte não deve influir para um tratamento desigual em favor ou contra ela. Só assim se aplicará integralmente o princípio básico da condenação nas despesas judiciais e nos honorários advocatícios, segundo o qual, como exposto acima por Chiovenda, a atuação da lei não deve representar uma diminuição patrimonial para a parte a cujo favor se efetiva".3

Quanto ao argumento de que a Fazenda Pública vencida não é igual ao particular vencido, pois a primeira "é a própria comunidade", o equívoco é também evidente. De fato, aqueles que assim raciocinam incorrem no erro elementar de confundir governantes e governados, desconsiderando a personalidade jurídica do Estado e confundindo os interesses do Príncipe com os da comunidade, nem sempre coincidentes. Sabe-se que, por mais democrático que seja o Estado, e, por conseguinte, que o governante efetivamente represente o povo, não se pode dizer que o governante é o povo. Trata-se de questão elementar de ciência política.

Se o governante é o povo, tudo o que ele faz coincide com a vontade do povo, pois ninguém age contra a própria vontade ou em seu próprio desproveito.

Se, porém, de forma correta afirma-se que o governante presenta o Estado, que por sua vez deve representar o povo, admite-se a possibilidade, que na prática se concretiza com freqüência, do desvio de poder. De fato, o governante pode aproveitar-se do poder que o povo lhe transferiu e utilizá-lo não em proveito do povo, mas em seu próprio.

É muito perigoso confundir esses conceitos, não apenas pelo retrocesso científico que isso representa, mas especialmente porque implica "justificar de antemão todas as tiranias, pois é evidente que o tirano sempre conhece melhor que o povo os ‘verdadeiros’ interesses deste último"4. Afinal de contas, o interesse público maior, razão de ser da própria criação do Estado, é o respeito à ordem jurídica, à qual a vontade do Príncipe tem de se submeter5.

Aliás, fosse procedente o argumento segundo o qual a Fazenda Pública, por ser "a própria comunidade", não é obrigada a ressarcir integralmente os danos causados, poder-se-ia abolir a própria figura do Estado de Direito. Um tributo pago indevidamente não deveria ser devolvido, porquanto pago "à própria comunidade"; um imóvel desapropriado não precisaria ser indenizado, porque cedido "à própria comunidade", e assim por diante.

Por outro lado, mesmo aqueles que realmente confundem o Estado com a própria comunidade, e defendem, de modo um tanto impensado, a supremacia do interesse público, não podem ignorar que o "interesse público" não é atendido quando o Estado pratica ato contrário ao Direito, hipótese na qual é condenado nos ônus da sucumbência.

Observe-se, finalmente, que, como destacou Celso Agrícola Barbi na lição acima transcrita, o § 4.º do art. 20 do CPC a rigor não preconiza a condenação em percentuais inferiores aos do § 3.º do mesmo artigo. Apenas libera o julgador de referidos limites, mínimos e máximos, impondo-lhe a fixação através de uma apreciação eqüitativa (e não arbitrária!6). Assim, parece-nos claro que o dispositivo em questão não impõe um aviltamento dos honorários advocatícios de sucumbência devidos pela Fazenda Pública, praticamente isentando-a desse ônus, sendo perfeitamente possível atribuir-se-lhe uma interpretação conforme a Constituição.

2. Elementos a serem considerados na exegese do art. 20, § 4.º do CPC

2.1. Do conceito de eqüidade e do tratamento diverso que deve ser dispensado à Fazenda Pública

A questão central, na determinação do sentido do § 4.º do art. 20 do CPC, diz respeito ao que se deve entender por apreciação eqüitativa do juiz, critério que, segundo referido dispositivo, deve orientar a definição da verba honorária; e também a que circunstâncias devem ser consideradas pelo magistrado nessa apreciação.

O elemento literal através do qual se expressa a regra, como sempre, apesar de indispensável, é insuficiente na busca por seu significado. Mesmo assim, no presente caso, a literalidade já se apresenta bastante clara para demonstrar, pelo menos, que a interpretação adotada por aqueles que vêem no art. 20, §4.º do CPC autorização para condenar a Fazenda Pública ao pagamento de módicos honorários de sucumbência está equivocada.

De fato, utilizar a eqüidade implica fundar-se "na circunstância especial de cada caso concreto, concernente ao que for justo e razoável."7 Como destaca Pontes de Miranda, o emprego da eqüidade se justifica naquelas situações, admitidas pela lei, nas quais circunstâncias específicas e peculiaridades do caso concreto impedem a generalização de tratamento através de regras escritas8. Como, então, estabelecer-se de antemão que, nas causas em que for vencida a Fazenda Pública, os honorários serão sempre de determinado valor, irrisoriamente prefixado, pouco importando o valor em disputa ou qualquer outra peculiaridade do caso? Só negando vigência ao próprio § 4.º do art. 20 do CPC, isso sem ainda considerar o malferimento a inúmeros dispositivos constitucionais pertinentes à espécie.

A regra invocada, portanto, não autoriza a prévia fixação feita por muitos juízes, desvinculada dos valores em disputa e de outros elementos da causa.

Realmente, ao falar-se em apreciação eqüitativa,

"... não se pense que se tem de decidir com caridade, misericórdia, benevolência ou comiseração: a despeito da porta que se abre ao juiz, não se lhe confere o poder de decidir sem levar em conta a realidade, as circunstâncias".9

E, em relação à Fazenda Pública, muitas são as circunstâncias que devem ser consideradas. Por exemplo, diversos são os modos como a Fazenda conduz o processo, bem como de variados graus são as ilegalidades por ela praticadas, dentro e fora da relação processual. Há processos em que, mesmo diante de pacífica jurisprudência reconhecendo o direito do cidadão, a Fazenda cria incidentes apenas para retardar a entrega jurisdicional, dando ao advogado do particular desnecessário e injustificado trabalho. Há, também, questões em que a comprovação de fatos faz-se indispensável e difícil, exigindo exame na escrita contábil ou fiscal do contribuinte, com realização de perícias, em que o trabalho do advogado demonstra-se mais detalhado e individualizado. Por outro lado, há processos nos quais se discutem apenas questões de direito, que se transformam em verdadeiras teses vendidas "no atacado" por advogados que, no uso de peças padronizadas, têm pouquíssimo trabalho na propositura de dezenas de ações. Não se admite, portanto, que, mesmo assim, haja a aplicação de um mesmo percentual, ou de um mesmo valor pré-fixado em todos os casos em que a Fazenda sucumbir. Tal proceder é de inegável desproporcionalidade, e contrário ao próprio conceito de eqüidade empregado pelo art. 20, § 4.º do CPC, que inclusive exige, de modo expresso, a atenção do juiz às alíneas "a, "b" e "c" do parágrafo anterior.

Além disso, recorrendo-se aos demais elementos de interpretação, especialmente o finalístico e o sistêmico, bem como a outros decorrentes do novo constitucionalismo, resta inequívoco que a melhor interpretação do §4.º do art. 20 do CPC é a que, com proporcionalidade, valoriza o trabalho do advogado, levando em consideração a realidade, recompondo satisfatoriamente o patrimônio lesado pela Fazenda Pública e impondo a esta a devida responsabilidade pelos litígios a que dá causa.

É do que se trata a seguir.

2.2. Da finalidade da condenação nos ônus da sucumbência

A finalidade dos honorários de sucumbência é recompor integralmente o patrimônio da parte vencedora, indenizando-a de todos os seus gastos com o processo, de modo a assegurar que aqueles que agem conforme o Direito não serão lesados, inibindo, ao mesmo tempo, a violação ao Direito e o uso indevido da máquina judiciária.

Em sintética e expressiva análise do assunto, ensina Giuseppe Chiovenda:

"O fundamento dessa condenação é o fato objetivo da derrota; e a justificação desse instituto está em que a atuação da lei não deve representar uma diminuição patrimonial para a parte a cujo favor se efetiva; por ser interesse do Estado que o emprego do processo não se resolva em prejuízo de quem tem razão, e por ser, de outro turno, interesse do comércio jurídico que os direitos tenham um valor tanto quanto possível nítido e constante".10

Em linhas semelhantes, é a lição de Francesco Carnelutti:

"se o dano causado pelo processo àquela parte que tem razão não fosse ressarcido pela parte que não tem razão, a lide não ficaria justamente composta".11

Pontes de Miranda, no mesmo sentido, doutrina ser irrelevante perquirir-se acerca de culpa ou dolo da parte vencida, expressões infelizes constantes do CPC de 1939, e felizmente retiradas na redação do CPC de 1973. Em suas palavras,

"Tudo isso não mais tem relevância. Hoje, o que importa é saber-se quem foi vencido e o juiz, na sentença, tem de condená-lo ao pagamento de honorários advocatícios"12

Se a parte precisa contratar os serviços de um advogado para obter a reparação de seu direito, deve ser incluído nessa reparação, por óbvio, o quantum pago a esse advogado13. É certo que dificuldades de ordem prática fizeram com que a lei fixasse um valor razoável para a remuneração do advogado, representado pelos honorários de sucumbência, e o destinasse diretamente ao advogado, tendo por não necessária, e portanto não passível de ressarcimento, uma remuneração a maior, de caráter contratual. Isso, contudo, não inibe – ao revés, reforça – o caráter reparador das verbas sucumbenciais.

Mas não é só. Os honorários de sucumbência têm ainda outra importante função. É o que doutrina Moacyr Amaral Santos:

"Por outro lado, e é este o argumento que mais impressiona, a responsabilidade dos litigantes pelo pagamento das despesas processuais desempenha papel preponderante de política judiciária contra o abuso do exercício do direito de demandar".14

Inegável, portanto, que a condenação da Fazenda Nacional em valores ínfimos importa a admissão de que a mesma está autorizada a violar o Direito e a ainda a utilizar-se irresponsavelmente do processo. Cobranças descabidas serão ajuizadas, pedidos administrativos serão indeferidos, mesmo diante de uma orientação pretoriana desfavorável ao Poder Público, pois este nada terá a perder. O estímulo à prática de ilegalidades, pelo Poder Executivo principalmente, porque contrário ao próprio Estado Democrático de Direito, e a todos os princípios que dele se irradiam, como os princípios da legalidade, da moralidade administrativa e da tripartição e harmonia dos Poderes, evidentemente não é aceito pela ordem constitucional vigente.

Tais ponderações demonstram, mais uma vez, o desacerto da corrente que preconiza o aviltamento dos honorários de sucumbência devidos pela Fazenda Pública. Mas ainda há outras, tão ou mais relevantes, das quais se cuida a seguir.

2.3 Ponderações de ordem constitucional

2.3.1. Aviltamento da verba honorária, Estado de Direito e princípios decorrentes



Todos aprendemos, nos primeiros anos do Bacharelado em Direito, que a República Federativa do Brasil é um Estado Democrático de Direito. Ensinam-nos ainda que Estado Democrático de Direito é aquele que se submete a regras e princípios estabelecidos previamente, direta ou indiretamente, pelo povo. Tudo isso está positivado no art. 1.º, caput e parágrafo único, de nossa Constituição.

Pouco, contudo, é o que na prática se extrai de referidas disposições constitucionais, que, no mais das vezes, não passam de figura de retórica, ou, no dizer de Perelman, de um biombo para esconder da comunidade internacional um Estado injusto e arbitrário15.

Na verdade, sendo o Estado de Direito aquele que se submete a normas jurídicas, e sendo elemento essencial destas últimas a sancionabilidade, é indispensável a existência de um mecanismo eficaz para impelir o Estado ao cumprimento das normas jurídicas que disciplinam a sua atividade. Em face disso é que consta na Constituição de inúmeros Estados Democráticos de Direito, e também na Constituição Brasileira de 1988, o princípio do amplo acesso ao Judiciário, que em nossa Carta foi assim positivado:

"Art. 5.º, XXXV – A lei não excluirá da apreciação do Judiciário lesão ou ameaça a direito".

E nem poderia ser diferente. Pudesse o acesso ao Judiciário ser de qualquer forma cerceado, instaurar-se-ia o arbítrio, principalmente no âmbito do Direito Público, porquanto feneceria a possibilidade de sanção, dado essencial ao jurídico. O Direito passaria a mera recomendação, fato de conseqüências catastróficas, que certamente só interessa aos déspotas e aos seus aduladores.

A evidente importância do dispositivo não pode ser esquecida por seu intérprete, que, em hipótese alguma, deve amesquinhar-lhe o sentido. Assim, não se pode olvidar que, "se há mais de uma interpretação da mesma regra jurídica inserta na Constituição, tem de preferir-se aquela que lhe insufle a mais ampla extensão jurídica"16.

Aliás, em se tratando, como efetivamente se trata, de um direito fundamental, deve o intérprete ter em mente a lição de Paulo Bonavides, para quem "os métodos tradicionais, embora aplicáveis satisfatoriamente às leis do campo do Direito Privado, são, porém, de todo inadequados e insuficientes para captar o sentido das cláusulas não raro principais de uma Constituição ou o alcance normativo pluridimensional de um direito fundamental. A Constituição, de natureza, se apresenta, tanto quanto aquele, aberta e indeterminada, contendo cláusulas gerais e principais, cujo conteúdo só se completa no ato concreto de aplicação em face do problema"17.

Por tudo isso, seria não apenas equivocado, mas também ingênuo, imaginar que referida garantia constitucional não estaria sendo malferida no caso, sendo até "impertinente" a sua invocação, na medida em que a fixação de honorários de sucumbência em valores diminutos não impediria o cidadão de socorrer-se do Judiciário.

Basta observar com mais cuidado a questão para constatar que o advogado, assim como qualquer outro profissional, exerce seu labor com o propósito de obter a respectiva remuneração. Embora existam outros fatores que o impulsionem, às vezes com maior intensidade, a lutar por justiça, como a solidariedade, a ideologia ou outros sentimentos cuja perquirição no momento é desnecessária, não se pode negar que seu estímulo para patrocinar causas é proporcional ao ganho obtido se e quando houver sucesso nas mesmas.

Assim, um amesquinhamento da verba de sucumbência paga pela Fazenda Pública implicará, sem dúvida, um desestímulo ao patrocínio de causas contra o Estado, e estímulo, diretamente proporcional, à prática de ilegalidades por parte do mesmo, em evidente afronta ao Estado de Direito.

Nem se diga que a pequenez da verba de sucumbência pode ser compensada pelo próprio cidadão, parte na demanda contra a Fazenda Pública, por intermédio dos honorários contratuais. Em primeiro lugar, porque isso apenas transferiria o desestímulo do advogado para a parte, sem afastar a ofensa ao Estado de Direito apontada no parágrafo anterior. Segundo, porque ensejaria uma diminuição patrimonial da parte vitoriosa da ação, e que restaria irreparável, em malferimento ao direito de propriedade também consagrado constitucionalmente.

2.3.2. Essencialidade do advogado à administração da justiça

Ao tratar do Poder Judiciário, no Capítulo III do Título IV, a Constituição Federal de 1988 dispõe, em seu art. 133, que "o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei".

O dispositivo, tido por alguns como mero produto do lobby de advogados junto aos Constituintes, tem na verdade a sua razão de ser, conforme acenado no item anterior. É conseqüência do caráter democrático da Carta publicada em 1988. Com efeito, o acesso ao Judiciário é garantia sem a qual todos os direitos consagrados pela Constituição restariam ineficazes, e o advogado é peça fundamental para que esse acesso ocorra de forma útil.

A complexidade do ordenamento jurídico dos Estados pós-modernos e as necessárias imparcialidade e inércia do Poder Judiciário tornam indispensável a intermediação, na relação entre a parte e o Estado-juiz, de alguém com conhecimento jurídico, que saiba, portanto, qual o direito aplicável, e especialmente qual a melhor maneira de reivindicá-lo.

PINTO FERREIRA faz excelente relato da importância atribuída ao advogado ao longo da história, mostrando que referido profissional foi sempre desprezado por regimes autoritários, e ulteriormente valorizado quando da restauração da democracia, especialmente em função da degradação gerada pelo patrocínio de causas pelas próprias partes, ou por terceiros leigos em Direito. Finaliza, então, com notável citação de DOUXCHAMP, para quem

"O advogado sofreu a evolução que está no destino das coisas deste mundo e que o espírito democrático soprou com uma força irresistível em todas as nossas instituições. Não tem mais somente deveres a cumprir, possui também direitos.

O advogado moderno é, antes de tudo, obreiro do direito, não procurando nem ambicionando essa qualidade senão pelos proventos que ela lhe dá"18.

Desse modo, parece-nos que alguém tido pela Carta Magna como indispensável à administração da justiça deve receber remuneração compatível com a importância desse mister, não sendo possível, apenas porque o profissional atuou contra a Fazenda Pública, remunerá-lo de modo drasticamente distinto, em valores irrisórios se comparados com aqueles em disputa, a menos que se admita que, em relação às causas nas quais litiga o Estado, não se administra a Justiça, e sim o arbítrio.

2.3.3. Do princípio da isonomia

A constitucionalidade da discriminação feita pelo § 4.º do art. 20 do CPC foi justificada pela jurisprudência por intermédio da condição "distinta" detida pela Fazenda Pública, que é a própria comunidade. Como a lei não traça regra expressa para a hipótese, limitando-se a delegar ao magistrado o mister de fazê-lo, a sua aplicação em cada caso poderia ser inconstitucional, em ocorrendo exagero, mas não o seu texto em tese. Tudo dependeria das circunstâncias.

Parece impertinente, portanto, invocar-se mais uma vez o princípio da isonomia. De fato, tal princípio já ensejou – segundo a jurisprudência – a própria distinção feita pelo dispositivo, devendo guiar a apreciação casuísta feita pelos magistrados no sentido de fixar os honorários de sucumbência devidos pela Fazenda em patamares inferiores aos do § 3.º do mesmo artigo 20 do CPC. Muito bem. Ocorre que, sempre que se discute a questão, conforme se vê do item 1 deste estudo, compara-se apenas a Fazenda vencida pelo cidadão com o cidadão vencido por outro cidadão, para admitir o tratamento distinto atribuído ao primeiro caso.

Entretanto, há um outro aspecto do princípio da isonomia, pouco lembrado, a ser considerado pelo juiz na aplicação do art. 20, § 4.º do CPC: as ações promovidas pelo Estado geralmente já contam com a prévia inclusão de honorários de sucumbência legalmente fixados em 20%. É o que ocorre, por exemplo, com as execuções fiscais movidas pela União Federal19.

Considerando-se que a Fazenda Pública, detentora da aptidão de constituir seus próprios títulos executivos, não se utiliza do processo de conhecimento, a circunstância de haver uma inclusão automática de um encargo de 20% nos créditos executados torna duplamente desigual a interpretação que vê, no art. 20 § 4.º do CPC, uma autorização para amesquinhar honorários de sucumbência: A Fazenda vencida pouco ou nada paga, a depender do juiz, enquanto o cidadão vencido paga, sempre, 20% do valor em disputa a título de sucumbência.

Acrescente-se a isso o fato de que os mesmos juízes que achatam honorários de sucumbência com arrimo no art. 20, § 4.º do CPC freqüentemente condenam o cidadão, autor de ação de conhecimento julgada improcedente, ao pagamento de honorários para a Fazenda em 20% do valor em disputa, e a desigualdade assume feição absurda.

2.3.4. Necessária fundamentação do julgado que aprecia eqüitativamente os honorários

Outro ponto da mais alta relevância, e infelizmente desprezado, diz respeito à necessária fundamentação da decisão judicial que aplique o § 4.º do art. 20 do CPC.

É comum, ao final de sentença que deslinda questão complexa e incomum, e na qual se discute bem jurídico de valor assaz elevado, a mera referência ao § 4.º do art. 20 do CPC para fundamentar a condenação em cinco ou dez centenas de reais. Mesmo sem considerar a violação aos dispositivos constitucionais e legais apontados ao longo do presente texto, a nulidade de uma sentença desse tipo, por falta de fundamentação, é da maior evidência.

Com efeito, nas hipóteses em que o texto legal não deixa ao intérprete margem de liberdade muito grande, pode ser suficiente, para fundamentar o dispositivo de uma decisão judicial, a referência ao diploma legal, e à ocorrência dos fatos nele descritos. No caso em exame, porém, no qual é dada ao juiz a competência para apreciar eqüitativamente, é indispensável que este aponte de modo detalhado as razões que o levaram à quantia afinal fixada, até para que seja possível um reexame dessa fixação pela superior instância20.

Nos itens que se seguem indicamos, em síntese, algumas das circunstâncias que devem ser consideradas pelo Juiz, em cada caso, na fixação dos honorários de sucumbência devidos pela Fazenda Pública.

2.4. Dados a serem considerados em uma apreciação eqüitativa

2.4.1. As alíneas do § 3.º do art. 20 do CPC


Como já acenamos, ao autorizar o Juiz a fixar eqüitativamente a verba de sucumbência devida pela Fazenda Pública, o § 4.º do art. 20 do CPC faz expressa referência aos critérios definidos nas alíneas do parágrafo anterior como parâmetros a serem seguidos nessa apreciação eqüitativa. Por isso, é relevante examiná-los, ainda que sucintamente, tendo em vista a sua necessária aplicação em todas as apreciações eqüitativas dos honorários de sucumbência devidos pela Fazenda Pública.

O primeiro aspecto a ser considerado é o grau de zelo do profissional. A atenção aos prazos, à juntada de documentos exigidos pelo juízo, a requisição de providências importantes, etc., são indicadores desse zelo21.

Em seguida, a lei faz referência ao lugar da prestação do serviço. Isso vale não apenas para o advogado que tem de defender, na capital, os interesses do cidadão situado no interior, mas também no que pertine ao acompanhamento de recursos interpostos junto a tribunais regionais ou superiores, situados em outros Estados da federação.

Outro elemento da maior relevância é o pertinente à "natureza e importância da causa", que conduz, necessariamente, a que o juiz considere o valor do bem jurídico em disputa na fixação dos honorários, que não podem representar um percentual irrisório daquele.

Neste ponto, vale destacar que a responsabilidade do advogado junto ao seu cliente, inclusive no tocante ao ressarcimento de possíveis danos decorrentes de erros na condução do processo, está diretamente relacionada ao valor discutido em juízo, não podendo os honorários respectivos ser fixados sem levar esse dado em consideração. Aliás, não apenas a responsabilidade, mas as despesas relativas ao processo giram, quase todas, em redor do valor discutido, a começar pelas custas do processo. Em certos casos, quando juízes fixam arbitrariamente os honorários de sucumbência da Fazenda Pública em percentuais irrisórios, desvinculados do elevado valor discutido, a parte paga, só de despesas processuais para interpor recurso de apelação, valor superior ao da verba sucumbencial.

É da alínea "c" do § 3.º do CPC, portanto, interpretada à luz do princípio da proporcionalidade, implícito na Constituição Federal, que se conclui inafastável, nas causas em que for vencida a Fazenda Pública, a quantificação da verba honorária levando-se em consideração, entre outros fatores, o valor do bem jurídico em litígio.

Finalmente, a alusão feita pelo Código ao "trabalho realizado pelo advogado e tempo exigido para o serviço" nos leva a uma indispensável consideração: pode o valor dos honorários de sucumbência ser comparado, em números absolutos, com a remuneração de servidores públicos? Tal comparação, por vezes feita de modo inconsciente, mas não raro posta em termos explícitos, tem levado muitos magistrados a fixarem a verba honorária em quantias fixas, desvinculadas do valor da condenação e da importância da causa A comparação, contudo, e com todo o respeito, não nos parece feliz.

Em verdade, a atividade advocatícia, especialmente quando desenvolvida de forma autônoma, envolve despesas com as quais o servidor público não tem de arcar, e que independem do sucesso das demandas patrocinadas. Ademais, o servidor público todos os meses recebe seus vencimentos, incondicionalmente, enquanto o advogado pode passar vários meses sem receber honorários, sendo certo que, quanto mais freqüente for o recebimento de honorários por uma banca de advogados, maior será essa banca e, por conseguinte, maiores serão as suas despesas fixas. Em poucas palavras, o advogado desenvolve atividade sujeita ao risco, risco com o qual o servidor público não tem de conviver. Uma verba honorária alta, recebida ao fim de uma demorada ação vencida contra o Poder Público, portanto, dilui-se por meses ou até por anos, e não raro é ainda dividida entre os vários advogados que atuaram na causa, razão pela qual é infundada a comparação absoluta entre honorários sucumbenciais e vencimentos de servidores.

3. Tratamento da questão pela jurisprudência

A "apreciação eqüitativa" a que alude o art. 20, § 4.º do CPC tem sido tema recorrente na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Em precedente de sua Terceira Turma, relatado pelo Eminente Ministro Waldemar Zveiter, essa Corte Superior proferiu acórdão que porta a seguinte ementa:

"Processual Civil – Embargos de Declaração – Multa (art. 538, parágrafo único do CPC) – Ação de Embargo do Devedor e Honorários – Fixação em percentual.

I - Não podem reputar-se protelatórios embargos de declaração opostos para satisfazer exigência de prequestionamento. Além disso, a imposição de multa deve ser precedida de fundamentação adequada, não bastando mera afirmação de serem protelatórios os embargos.

II - A eqüidade reclamada pelo § 4º, do art. 20, do CPC não traduz sejam os honorários estabelecidos em valor certo, podendo arbitrá-los o juiz em percentual sobre a condenação.

III - Recurso especial conhecido em parte, e nessa parte, provido."22

Embora tenha discutido a exegese do § 4.º do art. 20 do CPC em face de questões relativas ao Direito Privado, o precedente acima transcrito é importante para fortalecer a afirmação segundo a qual os honorários de sucumbência devem guardar relação com o bem jurídico em disputa e com a importância da causa, enfim, com o proveito que com a ação obteve ou irá obter o vencedor. Nesse particular, ressalte-se, a redação do § 4.º em exame não faz qualquer distinção entre as causas em que for vencida a Fazenda Pública e as demais nele referidas, como as de pequeno valor, valor inestimável, etc.

Na maior parte das manifestações do STJ, porém, não se enfrenta a questão relativa aos critérios empregados pelo magistrado na apreciação eqüitativa dos honorários em razão do estreito âmbito de cabimento do Recurso Especial, no qual não se comporta o reexame de fatos:

"Desapropriação Indireta. DER. Autarquia Estadual. Honorários advocatícios. Fixação. Apreciação eqüitativa do juiz. Art. 20, § 4º, do CPC. Reexame de aspectos fáticos. Incidência da Súmula nº 7 do STJ.

1. Agravo Regimental interposto contra decisão que, com base no art. 544, § 2º, do CPC, desproveu agravo de instrumento intentado para fazer subir recurso especial.

2. O DER, como autarquia estadual, se inclui no conceito de Fazenda Pública, sofrendo a incidência do disposto no art. 20, § 4º, do CPC.

3. Sucumbente a Fazenda Pública, o percentual dos honorários deverá ser fixado em observância às normas do art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil, não ficando o magistrado limitado aos percentuais estabelecidos no § 3º, do citado dispositivo. Todavia, impossível, no âmbito da devolutividade do recurso, alterar a verba honorária quando o Tribunal recorrido aprecia de forma eqüitativa todas as circunstâncias e peculiaridades concernentes à causa, cujo reexame, importa necessariamente em incursão por matéria fática, o que se mostra incompatível com a natureza excepcional do recurso especial, diante do óbice da Súmula nº 07 deste Tribunal.

4. Agravo regimental improvido."23

Ao recusar-se a examinar os critérios empregados na apreciação eqüitativa, porém, o STJ muitas vezes acena com a sua compreensão a respeito do mérito da controvérsia, que, aliás, é no todo semelhante à compreensão que tinha o Supremo Tribunal Federal quando incumbido da competência que hoje é do Superior Tribunal de Justiça:

"Tributário – Repetição de Indébito – Imposto de Renda – Parcelas Indenizatórias - Férias, Abonos-assiduidade e licença prêmio – Não incidência – Prescrição qüinqüenal – Verba honorária arbitrada aquém do mínimo legal – Possibilidade – Eqüidade – Súmula nº 7/STJ – Ausência de prequestionamento – Dissídio jurisprudencial não caracterizado.

A regra geral é a de que o prazo prescricional de cinco anos, para que o contribuinte pleiteie a restituição, tenha seu início por ocasião da extinção do crédito tributário, que, no caso, ocorreu quando da retenção na fonte do imposto de renda sobre as importâncias pagas aos recorrentes.

Vencida a Fazenda Pública, a verba honorária pode ser fixada em percentual inferior àquele mínimo indicado no § 3º do artigo 20, do Código de Processo Civil, a teor do que dispõe o § 4º do citado artigo, porquanto o referido dispositivo processual não faz qualquer referência ao limite a que se deve restringir o julgador quando do arbitramento.

O arbitramento dos honorários aquém do mínimo legal, na incidência da hipótese do § 4º do artigo 20 do Código de Processo Civil, não enseja apelo de cunho extraordinário, porquanto, consoante já decidiu o Excelso Pretório, "se o 'caput' do parág. 3º integrasse a determinação contida no parág. seguinte, isto é, se a condenação em honorários devesse ser fixada entre o mínimo de 10% e o máximo de 20% sobre o valor da condenação, desnecessário seria o próprio parág. 4º, pois bastaria o parág., 3º para critério de incidência da verba em todos os casos", e, demonstrado o caráter de excepcionalidade desse dispositivo processual civil, "se torna claro ante a leitura do Código é que este abriu exceções à regra geral dos honorários entre 10% e 20% sobre o valor da condenação, exceções estas constantes do parágrafo 4º em questão" (RE 82.133-SP, rel. Min. Rodrigues Alckmin, RJTJESP 41/101).

Impende afirmar que, entre as exceções do § 4º do artigo 20, do estatuto processual civil, o legislador "deu à Fazenda Pública um tratamento especial, porque ela não é um ente concreto, mas a própria comunidade, representada pelo governante que é o administrador e preposto" e "jamais se apontou qualquer inconstitucionalidade nessa regra, que, visando preservar os interesses coletivos, tratou desigualmente pessoas desiguais, restando ao Juiz apenas a fixação consoante apreciação eqüitativa, atendidas as normas das letras a e c do § 3º do artigo 20 do Código de Processo Civil" (RJTJESP 116/148).

Não realizado o necessário cotejo analítico, não restou adequadamente apresentada a divergência, apesar da transcrição de ementa, não houve demonstração suficiente das circunstâncias identificadoras da divergência entre o caso confrontado, vindo em desacordo com o que já está pacificado na jurisprudência desta egrégia Corte.

Precedentes.

Recurso especial não conhecido. Decisão unânime.24

"Tributário. Repetição do Indébito. Juros de Mora. Na ação de repetição do indébito tributário, incidem juros de 1% ao mês por aplicação analógica do artigo 161, § 1º, do Código Tributário Nacional.

Processo Civil. Honorários Advocatícios. Fazenda Pública. A regra do artigo 20, § 4º, do Código de Processo Civil não significa que, vencida a Fazenda Pública, os honorários de advogado devam ser, necessariamente, arbitrados em montante inferior a dez por cento (10%) do valor da condenação.

Agravo regimental não provido."25

Vale referir, contudo, que, se a parte vencedora desde o início reclamar a falta de fundamentação do julgado na parte em que se deveria ter fixado eqüitativamente a verba honorária, prequestionando o malferimento ao art. 458, II do CPC, o Recurso Especial será indiscutivelmente cabível. O seu provimento, contudo, ensejará a nulidade da decisão, e um novo julgamento, mas não uma majoração dos honorários de sucumbência pela Superior Instância.

Há hipóteses excepcionais, porém, nas quais não é necessário examinar os critérios adotados pelo magistrado para aferir-se a total iniqüidade da verba honorária fixada. Basta cotejá-la com o valor da causa, encontrando uma diferença gritante, para ter-se como sem importância qualquer ponderação adicional. Em casos assim, o Superior Tribunal de Justiça tem conhecido e provido recursos, para reajustar os honorários de sucumbência a percentuais razoáveis:

"Processual Civil. Agravo Regimental. Honorários advocatícios. Fixação em Valor Irrisório.

1. Agravo Regimental interposto contra decisão que, com base no art. 544, § 3º do CPC, conheceu do agravo de instrumento e deu provimento ao Recurso Especial da parte agravada.

2. Acórdão a quo que fixou a verba honorária contra a Fazenda Pública em R$ 2.000,00 (dois mil reais), equivalente a 3,72% do valor da ação.

3. O art. 20, do CPC, em seu § 3º, determina que os honorários advocatícios sejam fixados em um mínimo de 10% (dez por cento) e um máximo de 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação. Fixação do percentual de 10% (dez por cento) de verba honorária advocatícia, sobre o valor da condenação.

4. Agravo Regimental improvido."26

Do exposto, conclui-se que, desde que não o façam em quantias irrisórias se comparadas ao valor do bem jurídico em disputa, ou em quantias fixas dele inteiramente desvinculadas, caberá aos Tribunais Regionais Federais, e aos Tribunais de Justiça dos Estados, a palavra final sobre a questão. E, na maior parte deles, admite-se o percentual de 10% do valor em disputa como um critério válido para essa quantificação:

"Tributário. Honorários Advocatícios. Fixação. Critério. A jurisprudência [sic] Primeira Seção desta Corte inclina-se na fixação de honorários advocatícios em 10% sobre o valor da condenação nas causas em que haja condenação e for vencida a Fazenda Pública. Embargos infringentes rejeitados."27

"Processual Civil. Honorários Advocatícios. Fixação. Sucumbência da Fazenda Pública.

1. A fixação dos honorários advocatícios contra a Fazenda Pública deve ser feita consoante apreciação eqüitativa do juiz. Não estando ele obrigado a fixá-los entre o mínimo de 10% (dez por cento) e o máximo de 20% (vinte por cento).

2. No caso ‘sub judice’, o valor fixado pelo juiz – de cinco por cento – não atende o grau mínimo de zelo do profissional, nem o tempo e o trabalho mínimo exigidos para com o serviço, embora este seja de grande simplicidade. O percentual que melhor atende a tais circunstâncias é o de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.

3. Apelação parcialmente provida.28

A fixação de honorários em percentual inferior a 10% do valor da condenação somente é de admitir-se em casos excepcionais, como, por exemplo, em processos nos quais se discutem questões exclusivamente de direito já debatidas nos tribunais em precedentes praticamente idênticos, nos quais o advogado aproveita peças padronizadas para patrocinar com diminuto trabalho dezenas de ações. Mesmo nesses casos, porém, a fixação não pode ser aviltante, em valores irrisórios se comparados com aqueles discutidos em juízo. Outro exemplo é a situação na qual a Fazenda Pública é sucumbente por haver desistido de uma execução fiscal em face dos embargos opostos pelo executado. Admite-se como valor mínimo para essa quantificação, em tais hipóteses excepcionais, o percentual de 5% do valor posto em juízo:

"Processual Civil. Embargos de Declaração. Sucumbência da Fazenda Pública. Honorários Advocatícios. Fixação pela Sentença, em Percentual Excessivo. Matéria não Enfocada no Recurso Voluntário. Falta de Pronunciamento no Acórdão.

1. A jurisprudência da Terceira Turma tem fixado em 5% (cinco por cento) do valor da condenação os honorários advocatícios, quando a Fazenda Pública for vencida, e quando se tratar de matéria repetitiva, versando questões predominantemente de direito.

2. A matéria, contudo, quando não enfocada no recurso voluntário, não constitui ponto de pronunciamento obrigatório do Tribunal, para ensejar embargos de declaração.

3. Embargos rejeitados."29

"Processual Civil. Embargo à Execução. Extinção. Sucumbência da Fazenda Pública. Causa Singela. Honorários Advocatícios. Cabível. Cobrança valor reduzido.

1. A Fazenda Nacional deve ser condenada ao pagamento de honorários do advogado do executado se desistiu da execução após a apresentação de embargos, contudo, verificando-se não haver condenação e dada a natureza da causa, possível a redução da verba honorária.

2. Honorários advocatícios fixados em 5% sobre o valor da causa.

3. Apelação provida."30

Conclusões



Do exposto, pode-se concluir, em síntese, o seguinte:

a) o § 4.º do art. 20 do CPC determina ao juiz que fixe o valor dos honorários de sucumbência a serem pagos pela Fazenda Pública de acordo com a realidade, com as circunstâncias, seguindo os critérios apontados no § 3.º do mesmo artigo, mas sem se vincular necessariamente aos percentuais no mesmo positivados;

b) o dispositivo em questão não determina, nem tampouco autoriza, a quantificação de tais honorários com misericórdia, benevolência ou caridade para com o ente público, até porque, assim entendida a regra, seria de flagrante inconstitucionalidade a expressão "ou for vencida a Fazenda Pública", por ofensa aos princípios do Estado Democrático de Direito, da tripartição de poderes, da legalidade, da isonomia, da proteção à propriedade, da razoabilidade, da moralidade administrativa e da proporcionalidade;

c) embora os percentuais de 10% e 20% não sejam limites intransponíveis para o juiz que condena a Fazenda Pública, devem ser considerados na apreciação eqüitativa reclamada pelo § 4.º do art. 20 do CPC, porquanto, ao se examinar a realidade, verifica-se serem tais percentuais um dos mais difundidos critérios de quantificação de honorários advocatícios, mesmo quando se litiga contra a Fazenda Pública;

d) o valor do bem jurídico em litígio deve ser sempre considerado na apreciação quantitativa dos honorários de sucumbência, que devem ser a ele proporcionais, sendo descabida a fixação da verba honorária ignorando inteiramente o valor controvertido, até porque as despesas arcadas pelo advogado e a sua responsabilidade profissional pelos danos causados ao cliente são diretamente proporcionais a esse valor;

e) a fixação de honorários em percentual inferior a 10% do valor da condenação somente é de admitir-se em casos excepcionais, como, por exemplo, em processos nos quais se discutem questões exclusivamente de direito já debatidas nos tribunais em precedentes praticamente idênticos, nos quais o advogado aproveita peças padronizadas para patrocinar com diminuto trabalho dezenas de ações. Mesmo nesses casos, porém, a fixação não pode ser aviltante, em valores irrisórios se comparados com aqueles discutidos em juízo. Admite-se como valor mínimo para essa quantificação, em tais hipóteses excepcionais, o percentual de 5% do valor posto em juízo.

f) destaque-se, finalmente, que, em qualquer caso, a fixação eqüitativa dos honorários reclama fundamentação, não sendo suficiente a singela invocação do art. 20, § 4.º do CPC para justificar qualquer valor arbitrariamente encontrado pelo juiz. Ao fixar os honorários, seja em 5%, 10%, 15% ou 20% do valor da condenação, o julgador deve oferecer às partes, a fim de lhes viabilizar o exercício do direito de recorrer, as razões que motivaram a sua decisão.

_____________

1Os §§ 3º e 4º do art. 20 do CPC dispõem:
"Art. 20 – A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios. Essa verba honorária será devida, também, nos casos em que o advogado funcionar em causa própria.(...)
§ 3º - Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez por cento (10%) e o máximo de vinte por cento (20%) sobre o valor da condenação atendidos:
a) o grau de zelo do profissional
b) o lugar de prestação do serviço
c) a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para seu serviço.
§ 4º - Nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções embargadas ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação eqüitativa do juiz, atendidas as normas das alíneas "a", "b" e "c" do parágrafo anterior."
2RJTJESP 116/148.
3Celso Agrícola Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense, vol. I, tomo I, pp. 197 e 198.
4Chaïm Perelman, Lógica Jurídica, tradução de Vergínia K. Pupi, 1.ª ed., 3.ª tiragem, São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 201.
5"As razões de Estado, quando invocadas como argumento de sustentação da pretensão jurídica do Poder Público ou de qualquer outra instituição, representam expressão de um perigoso ensaio destinado a submeter à vontade do Príncipe (o que é intolerável) a autoridade hierárquico-normativa da própria Constituição da República, comprometendo, desse modo, a idéia de que o exercício do poder estatal, quando praticado sob a égide de um regime democrático, está permanentemente exposto ao controle social dos cidadãos e à fiscalização de ordem jurídico-constitucional dos magistrados e tribunais" (Voto do Min. Celso de Mello em RT 771/173).
6Na lição de Pontes de Miranda: "Eqüidade não é anomia, ausência de regras; alude-se a regras, que se têm como insertas na mente humana. O ato do juiz, quanto aos honorários, se incide o art. 20, § 4.º, é decisório, e cabe na referência do art. 127, onde expomos o que é de mister" (Comentários ao Código de Processo Civil, 3.ª ed., com notas de atualização de Sérgio Bermudes, Rio de Janeiro: Forense, 2000, Tomo I, p. 397).
7De Plácido e Silva. Vocabulário Jurídico, Rio de Janeiro: Forense, p. 312.
8"Quando se lançam em leis regras jurídicas, atendeu-se ao que se supõe que aconteça. Tal suposição cria generalidade de tratamento. Não se desce ao que é específico, se a especificidade não conduz à necessidade de trato especial. Mas, como o legislador pode pensar em existirem circunstâncias que revelem o desacerto da regra jurídica, ou mesmo a sua omissão, compreende-se que ponha em regras jurídicas a referência ao julgamento por eqüidade" (Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, 3.ª ed., com notas de atualização de Sérgio Bermudes, Rio de Janeiro: Forense, 2000, v. II, p. 375).
9Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, 3.ª ed., com notas de atualização de Sérgio Bermudes, Rio de Janeiro: Forense, 2000, v. II, p. 375.
10Giuseppe Chiovenda. Instituições de Direito Processual Civil, tradução de Paolo Capitanio, Campinas: Bookseller, 1998, vol. III, p. 242.
11Francesco Carnelutti. Instituições do Processo Civil, tradução de Adrián Sotero de Witt Batista, São Paulo: Classicbook, 2000, v.1, p. 411.
12Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense, 1974, p. 418.
13Lei n.º 8.906/94, art. 23.
14Moacyr Amaral Santos. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, 14.ª ed., São Paulo: Saraiva, vol. I, p. 299.
15Chaïm Perelman, Lógica Jurídica, tradução de Vergínia K. Pupi, 1.ª ed., 3.ª tiragem, São Paulo: Martins Fontes, 2000, p.199.
16Pontes de Miranda, Comentários à Constituição Federal de 1967, Tomo I, São Paulo: RT, 1967, p. 293.
17Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, 7.ª ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 556/557.
18Pinto Ferreira, Comentários à Constituição Brasileira, São Paulo: Saraiva, 1992, 5.º volume, p. 171.
19O encargo de 20% instituído pelo Decreto-Lei nº 1025/69. Em relação a outros entes públicos, não detentores de privilégio semelhante, é por iniciativa dos magistrados que a verba honorária devida pelo devedor é estipulada, quase sempre, no limite máximo de 20% do valor executado.
20Como adverte Pontes de Miranda, "a fixação, feita pelo juízo, por eqüidade, não fica incólume à interposição de recurso pelo vencido. (...). No recurso podem ser apreciados o critério e as circunstâncias referidas pelo juiz, para a fixação, pois que há, aí, arbitrium boni viri, e não liberum arbitrium" (Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense, 1974, p. 420).
21Previdenciário. Processual Civil. Viúva de ex-combatente da Marinha-Mercante. Beneficiária da Lei 1.756/52. Sucumbência recíproca. Inexistência. Correção Monetária. Súmula nº 71 – extinto TFR. Indexação pelo salário mínimo. Inaplicabilidade. Aplicação da Lei nº 6.899/81. Indexação de índices contemporâneos. Juros de mora. Termo inicial. Natureza Alimentar. Devidos desde o débito. Honorários advocatícios. Percentual de 10% justificável pela dedicação e desempenho do causídico.
1. Importa para a sucumbência, exatamente, o acolhimento ou a rejeição, total ou parcial, dos pedidos efetuados pelos litigantes.
2. É pacífico o entendimento de que o reajuste monetário visa manter no tempo o valor real da moeda, não gerando, pois, nenhum acréscimo ao valor nem representando sanção punitiva alguma e justifica-se ante o fenômeno da depreciação da moeda, de modo a evitar-se uma instabilidade jurídica.
(...)
5. Os honorários advocatícios, tratando-se de ação em que foi vencida a Fazenda Pública, podem ser fixados em percentual inferior a 10% (dez por cento), segundo comando do parágrafo quarto, art. 20 do CPC, entretanto, a apreciação eqüitativa do juiz não pode desprezar o grau de zelo do profissional, que, comprovado na lide, não justifica a incidência de percentual de apenas 5%, devendo, pois, haver uma compensação entre a natureza da matéria e a dedicação do profissional, o que justifica a observância do limite mínimo previsto pelo parágrafo terceiro do referido artigo..." (Ac un. da 2ª T do TRF da 5ª Região – rel. Des. Fed. Petrúcio Ferreira – AC nº 121503/RN – DJ 24/04/98, p. 486).
22Ac un da 3ª T do STJ – rel. Min. Waldemar Zveiter – RESP 1998.0006996-8 – DJ 31/08/98, p. 78.
23Ac un. da 1ª T do STJ – rel. Min. José Delgado – AGA 266551/PR - DJ 08/05/2000, p. 74.
24Ac un da 2ª T do STJ – rel. Min. Franciulli Netto – RESP 295356/DF - DJ 15/10/2001, p. 257.
25Ac un. da 2ª T do STJ – rel. Min. Ari Pargendler – AGA 199256 – DJ 23/11/1998, p. 173.
26Ac un. da 1ª T do STJ – rel. Min. José Delgado – AgRg no AI º 388.479/PR – DJ 12/11/2001, p. 130 – RDDT 76, p. 230.
27Ac un. da 1ª Seção do TRF da 4ª Região – rel. Des. Fed. João Surreaux Chagas – Emb. Inf. Em AC nº 2000.04.01.138751-8/RS - DJU 2 20/02/2002, p. 1001 – RDDT nº 80, p. 225.
28Ac un da 2ª T do TRF da 5ª R – rel. Des. Fed. Araken Mariz – AC nº 32618/PE – DJU II de 2/12/94.
29Ac un da 3ª T do TRF da 1ª R – rel. Des. Fed. Olindo Menezes – Emb. Dec. na AC nº 94.01.34191-5/MG – DJU 2 25/1/96, p. 2566.
30Ac un da 2ª T do TRF da 5ª R- Rel. Des. Fed. Araken Mariz – AC nº 149419/SE – DJU 20/8/99, p. 652.
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* Advogado em Fortaleza/CE e membro do Instituto Cearense de Estudos Tributários – ICET




* Advogada em Fortaleza/CE e membro do Instituto Cearense de Estudos Tributários – ICET e da Comissão de Estudos Tributários da OAB/Ce











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