Apetite insaciável do Fisco
Luiz Gustavo Bichara*
Sandro Machado dos Reis*
Aparentemente, dita fúria não tem limites, ou ao menos freios. Não satisfeito em aumentar a arrecadação, em prejuízo da geração de empregos e da competitividade do produto nacional no exterior, o Fisco não demonstra nenhum pudor em se furtar a adotar meios coercitivos para obrigar o contribuinte a recolher aos cofres públicos valores que nem sempre são efetivamente devidos.
Exemplo mais recente de tais investidas está estampado no artigo 17 da lei federal número 11.051/04, publicada ao final de 2004, que veda às empresas com débitos não-garantidos com a União Federal e o INSS a distribuição de bonificações a seus acionistas, bem como dar ou atribuir participação de lucros a seus sócios, cotistas, diretores e demais membros de órgãos dirigentes, fiscais ou consultivos.
Afirma ainda a regra citada que a empresa que desrespeitar tais condutas estará sujeita à multa de 50% do valor distribuído ou pago indevidamente, limitado o valor dessa multa até a importância de 50% do valor do débito não-garantido.
A questão, como se vê, está explicitamente vinculada à correta compreensão do exato teor e significado do artigo 17 da lei 11.051/2004, que alterou a redação do artigo 32 da lei 4.357/64. Também é sempre bom lembrar que, à época da edição da lei 4.357/64, o então presidente Castelo Branco vetou a possibilidade de as referidas multas serem aplicadas no caso de distribuição de dividendos pelas empresas, sobretudo em razão de que o Fisco não deveria interferir nos assuntos de economia interna das empresas, notadamente sobre a deliberação na distribuição de dividendos. Nesse particular, parece que a história não ensinou nada ao atual governo.
A nosso ver, a norma em exame não se compadece com a Carta Constitucional. Em primeiro lugar, o artigo em foco, por constituir um ônus desproporcional para a empresa em débito para com a União e o INSS, viola os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, dispostos implicitamente na Constituição Federal.
Em segundo lugar, o Supremo Tribunal Federal, em diversas decisões, as quais inclusive responsáveis pela origem de algumas de suas súmulas (70, 323 e 547), repudiaria a adoção de meios coercitivos para o pagamento de tributos. Também o Superior Tribunal de Justiça, em situação próxima, já afastou pedidos da Fazenda Pública para declarar a falência de empresas com débitos fiscais, entendendo o aludido tribunal que débitos tributários devem ser cobrados na forma da lei especifica.
Sem embargo, o devido processo legal para a cobrança de créditos tributários é o procedimento previsto na lei 6.830/80 (Lei de Execuções Fiscais), não se admitindo a proibição, para a empresa, de distribuição de lucros e bonificações a seus diretores, acionistas, cotistas e demais membros de órgãos dirigentes, fiscais ou consultivos.
O núcleo da celeuma parece residir na polêmica definição de “débitos não-garantidos”. Hodiernamente, é muito comum que a Receita Federal perpetre cobranças realmente indevidas, seja porque o tributo foi pago, seja porque a extinção do crédito tributário se deu através de compensação não reconhecida pelo seu “sistema”.
Nesse diapasão, nota-se que a distribuição de dividendos poderá ser obstada em decorrência de pendências que, de fato, não existem, sendo fruto apenas da irracionalidade do sistema burocrático.
Noutro extremo, e de forma a se proteger de eventuais cobranças improcedentes, acreditamos que as empresas devem passar a confeccionar um dossiê acerca de todas as pendências, judiciais e administrativas, envolvendo a cobrança de tributos, pois somente assim será possível minimizar eventuais riscos de autuação.
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- Clique aqui e leia na íntegra a Lei nº 11.051
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*Artigo publicado na Gazeta Mercantil
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