As sociedades Anônimas emprestam conceitos ao novo Código Civil
Nadine S.M. Baleeiro Teixeira
Maurício Antonio Ungari da Costa*
Desde o último dia 11 de janeiro, o habitat jurídico brasileiro onde estão inseridas as inúmeras sociedades brasileiras, constituídas em sua maioria na forma de sociedades por quotas de responsabilidade limitada, passa por um forte questionamento causado pela entrada em vigor da Lei 10.406 (o novo Código Civil). Muitas das inovações trazidas pelo novo Código Civil às sociedades já faziam parte do conjunto de normas aplicáveis às sociedades anônimas, de capital aberto ou fechado.
Em substituição aos dezenove artigos do Decreto 3.708/19, até então aplicáveis às sociedades por quotas de responsabilidade limitada, o novo Código traz 34 artigos diretamente relacionados a este tipo de sociedade, dispondo sobre a responsabilidade dos sócios, a formação do capital social, representação e administração da empresa, com a possibilidade de criação de conselho fiscal, as formas de deliberação dos sócios e a relação entre os mesmos.
A representação das sociedades, embora não fosse proibida a delegação de funções de administração a um terceiro que não fosse sócio, agora depende da aprovação de pelo menos 2/3 do capital social totalmente integralizado ou da totalidade dos sócios, caso estes ainda não tenham integralizado todo o capital social. Para os quotistas majoritários, esse critério de aprovação poderá trazer dificuldades de relacionamento com seus sócios minoritários detentores de mais de um 1/3 do capital social. Portanto, as regras para eleição dos representantes legais da sociedade deverão estar bem definidas no Contrato Social ou em Acordo de Quotistas, de forma a evitar disputas futuras entre os quotistas.
Outra novidade trazida pelo novo Código Civil é a possibilidade de instituição do Conselho Fiscal nas sociedades limitadas. Instituído por analogia à Lei das Sociedades por Ações, compete ao Conselho Fiscal, além daquelas atribuições que poderão ser dadas pelo contrato social, o exame dos livros da sociedade, devendo denunciar os erros e fraudes encontradas, convocar assembléia dos sócios sempre que existam motivos graves e urgentes para tanto, e emitir pareceres sobre os negócios e as operações da sociedade.
O novo texto legal sobre as sociedades por quotas de responsabilidade limitada muito se assemelha à legislação aplicável às companhias no que se refere à deliberação dos sócios, às formalidades para convocação, instalação e direção das assembléias, conforme dispõem os artigos 1071 a 1080 do novo Código Civil. Desta forma, embora não precisem prever expressamente em seus contratos sociais, as sociedades limitadas deverão se adaptar à nova forma de deliberação pelos seus sócios.
As sociedades com mais de dez quotistas deverão sempre deliberar em assembléia devidamente convocada e instalada. Esta convocação deverá ser publicada por três vezes, com antecedência mínima de oito dias da realização da assembléia, ficando dispensada a convocação caso esteja presente a totalidade dos sócios.
Para a instalação das assembléias em primeira chamada será necessária a presença de 3/4 do capital social e em segunda chamada com qualquer número. Porém, as decisões deverão respeitar os quoruns mínimos trazidos pelo artigo 1076 do novo Código Civil, ou seja, será necessária a aprovação de 75% do capital social para a modificação do contrato social, fusão, incorporação ou dissolução da sociedade. Pelo mesmo artigo, será necessária a aprovação da maioria do capital social para a nomeação, destituição e definição da remuneração dos administradores. Assim, uma assembléia de quotistas instalada em segunda convocação com um número de participantes que seja inferior aos mínimos mencionados acima não poderá deliberar sobre essas matérias, entre outras. Vale ressaltar que as deliberações que infringirem a lei tornam ilimitada a responsabilidade daqueles que a aprovarem.
Outro instituto muito semelhante à legislação aplicável às companhias e que agora deverá ser adotado pelas limitadas refere-se à obrigação de se realizar uma “assembléia geral ordinária” onde serão tomadas as contas dos administradores, aprovados o balanço patrimonial e as demonstrações financeiras, além da designação dos administradores.
Não obstante a aplicação direta de conceitos pertinentes às sociedades anônimas, o novo Código Civil manteve o princípio da responsabilidade solidária, segundo o qual todos os sócios respondem solidariamente pela integralização do capital social (Art. 1.052) Já nas sociedades anônimas, a responsabilidade dos acionistas mantém-se limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas.
Por que, então, não optar definitivamente pela sociedade anônima? Surgem dúvidas, portanto, em relação às verdadeiras oportunidades de uma sociedade limitada, frente aos vários encargos agora criados pela nova legislação.
Nesse sentido, mencionamos outros dispositivos do novo Código Civil cujos efeitos devem ser objeto de forte reflexão por parte dos sócios de sociedades limitadas: do artigo 1057 depreendemos que a transferência de quotas, parcial ou total, entre os sócios dependerá de previsão contratual expressa neste sentido, em virtude do aumento do poder político do quotista adquirente em relação aos quotistas remanescentes. Pelo mesmo artigo, um sócio poderá transferir suas quotas a um terceiro interessado, em não havendo oposição de 25% do capital social. Desta forma, caso não haja vedação contratual, um quotista com menos de 1/4 do capital social não poderá evitar a cessão das quotas dos demais a um terceiro interessado, estranho à sociedade.
O artigo 2.031 do novo Código Civil prevê o prazo de um ano para adaptação das associações, fundações, sociedades e empresários às disposições trazidas pelo novo texto legal. Até lá, as sociedades terão que se adaptar às novas regras, inclusive no que tange a formação do capital social e a administração. Embora a nova legislação ainda provoque discussões e dúvidas entre as partes diretamente interessadas e envolvidas, as mudanças deverão ser absorvidas e acatadas por todos até o fim deste ano. Até lá, os responsáveis pelo cumprimento dos novos dispositivos – como os órgãos responsáveis pelo registro dos novos contratos sociais – deverão ser provocados para a manifestação de seu entendimento sobre as questões mais polêmicas.
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* Sócia e advogado do escritório Demarest e Almeida Advogados
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