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Inconfidência Mineira

Neste mês em que se homenageiam os heróis da Inconfidência Mineira, mais especificamente o Tiradentes, é interessante lembrar alguns fatos ocorridos na ocasião e que, apesar de estarem documentados no processo que levou à condenação dos inconfidentes, apagaram-se da história.

28/4/2005

Inconfidência Mineira


Zanon de Paula Barros*

Neste mês em que se homenageiam os heróis da Inconfidência Mineira, mais especificamente o Tiradentes, é interessante lembrar alguns fatos ocorridos na ocasião e que, apesar de estarem documentados no processo que levou à condenação dos inconfidentes, apagaram-se da história.

São fatos intrigantes que demonstram a possibilidade de a Inconfidência Mineira ter-se extravasado para a Capitania do Rio de Janeiro ou mesmo ter nascido lá. Entretanto, por que razão, quando se fala na Inconfidência, nada se diz do Rio?

Examinando-se o processo, João Dias da Mota, Capitão do Regimento de Cavalaria Auxiliar da Vila de São José (hoje Tiradentes – MG) inquirido pelo Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, relata que encontrara com o Alferes Joaquim José da Silva Xavier – o Tiradentes – que lhe havia dito:

“Vossa Mercê não sabe o que vai? Pois está para haver um levante tanto nesta Capitania, como nas do Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Pará e Mato Grosso, etc. E já temos a nosso favor França e Inglaterra, que há de mandar naus.

O que ouvindo ele testemunha, absorto do que escutava, lhe perguntou: “Pois quem tem Vossa Mercê para esse levante?” Ao que respondeu o mesmo Alferes: “Temos pessoa muito grande.”

Também na inquirição ao Coronel da Cavalaria Auxiliar de São João del Rei, Francisco Antonio de Oliveira Lopes, este, respondendo às perguntas sobre a sedição, respondeu:

“Que a tropa paga estava já falada pelo dito Alf. Tiradentes, o qual tinha vindo do Rio de Janeiro mandado por certos comissários a ver se cá se queriam unir”.

Em nova inquirição, em 23.07.1789, na cadeia da Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, Oliveira Lopes respondeu que:

“o Vigário (Carlos Correia de Toledo) foi quem lhe contou a ele, Respondente, que – em uma das ditas palestras em casa do Ten. Cel. Francisco de Paula (Freire de Andrada) – se manifestou que o dito Alferes vinha apalpar os de Minas, a ver se queriam se unir aos do Rio que estavam prontos. E foi nessa mesma conferência que se deliberou sobre a primazia que, nesta ação, se resolviam a ter os de Minas. Mas se não lhe contou nem quais eram os confederados do Rio de Janeiro, nem quais diligências se tinham ali praticado.

Em novo depoimento, em 08.07.1789, Oliveira Lopes relata conversa que tivera com seu primo Domingos Vidal Barbosa;

E perguntando-lhe ele Testemunha o que era, lhe tornou o dito seu primo: - “que andando nos estudos em Montpellier, conhecera dois sujeitos que se diziam enviados. Um deles, filho do Rio de Janeiro, ao pé da Lapa. E que estes foram mandados por certos comissários daquela cidade a tratar com o embaixador da América Inglesa um levante na dita cidade do Rio. E que falando com o referido embaixador, este lhe respondera que ele escrevia à sua nação a este respeito ...”

Tal encontro realmente existiu e o enviado do Rio de Janeiro era José Joaquim da Maia, estudante de medicina que, em Montpellier contatou o embaixador Thomas Jefferson. Este, em relatório ao Secretário de Estado dos Estados Unidos, John Jay escreveu:

“O meu informante é natural do Rio de Janeiro, a presente Metrópole, onde ele mora e que conta 50.000 habitantes. Ele conhece bem São Salvador, a antiga capital, assim como as minas de ouro que se acham no centro do país. Todas essas partes são favoráveis à revolução, e como formam o corpo da nação, as demais partes hão de acompanhá-las.”

Não há nos autos qualquer referência a contatos de José Joaquim da Maia com autoridades francesas mas não é razoável supor-se que, estando ele na França com a intenção de buscar apoios para um levante, como o fez com Thomas Jefferson, não o tentasse também com os franceses.

Por outro lado, no Rio e em seu entorno passaram-se alguns fatos no mínimo intrigantes

O Tiradentes, indo ao Rio, pelo que disse, tratar de uma licença, percebeu que estava sendo seguido. Auxiliado por Inácia Gertrudes de Almeida (tia do inconfidente mineiro Alvarenga Peixoto), consegue uma casa para esconder-se. Recebe aí duas pistolas, de Francisco Xavier Machado e um bacamarte, de Matias Sanches Brandão. Manoel José de Miranda, morador do Engenho de Mato Grosso, em Nova Iguaçu, lhe entrega uma carta endereçada ao Mestre-de-Campo Inácio de Andrade Soutomaior Rendon. Este, nascido em Nova Iguaçu, onde era senhor de vastas terras e dos Engenhos Santo Antônio e Mato Grosso, deveria providenciar para que o Tiradentes fosse encaminhado para Minas Gerais sem passar pela estrada principal que se achava vigiada.

Estando escondido na Rua dos Latoeiros (hoje Gonçalves Dias), no Rio, Tiradentes solicita ao padre Inácio Nogueira Lima (também nascido em Nova Iguaçu e sobrinho de D. Inácia Gertrudes de Almeida), informações sobre o andamento da revolução. O padre procurou, então, o Coronel Silvério dos Reis, sem saber que este já havia feito a delação ao Vice-Rei, causando, com isto, involuntariamente, a prisão do Tiradentes.

Preso, o Alferes de início tudo negou sobre o movimento sedicioso. Entretanto, confrontado com os depoimentos já tomados das testemunhas e acareado com elas, sua memória foi-se aos poucos aclarando e as confissões se sucederam. É verdade, porém, que em todos os seus depoimentos – diferentemente de vários outros inconfidentes – assumiu toda a culpa, sem denunciar quem quer que fosse.

Na inquirição, tomada na fortaleza da Ilha das Cobras, em 22.05.1789, reconhece que sua mala já estava na casa do Mestre-de-campo Inácio de Andrade Soutomaior, em Nova Iguaçu.

“E sendo mais instado, que tanto fazia conta de fugir, que logo que saiu de casa tirou dela em uma mala os trastes do seu uso, como ele Respondente não negaria.”

“Respondeu, que era verdade ter tirado a mala com os trastes do seu uso na mesma noite em que se tinha retirado de casa, que foi a seis do presente mês, e que a dita mala a pusera na casa do Mestre-de-Campo Inácio de Andrade, entregue ao Capitão Manuel Joaquim Fortes.

Na inquirição a Manuel José de Miranda, em 29.05.1789, este confirma que o Tiradentes pretendia que o guiassem até Marapicu, em Nova Iguaçu, “onde mora o dito Mestre-de-Campo”. E perguntado “que dizia o dito alferes do governo de Minas ou qual era a razão, que dava para afirmar que vexava os povos, como também, que razão tinha para falar do governo do Ilmo. e Exmo. Vice-rei?”

“Respondeu, que o dito alferes não deu razão particular; porque o Ilmo., e Exmo. Visconde vexasse os povos, nem também a deu por que se pudesse falar mal do governo do Ilmo., e Exmo., Vice-rei nem ele Respondente lha perguntou, e só dizia que por assim ter falado de um, e outro se queria retirar desta cidade, e estar uns dias em Marapicu.”

Também na inquirição ao Capitão Rego Fortes, 28.05.1789:

“E sendo-lhe perguntado para que o dito alferes procurava a carta de proteção, e se lha tinham dado tanto ele como o dito Manuel José.”

“Respondeu que a procurava para que o referido Mestre-de-Campo o favorecesse, e lhe mandasse ensinar o caminho para as Minas, para onde ele se pretendia retirar por aquele sítio, e com efeito tanto ele Respondente como o dito Manuel José lhas deram.

Ainda no acórdão de 18 de abril de 1792, os juízes citam expressamente o nome do Mestre de Campo:

“E sendo o vice-rei do Estado já a este tempo informado dos abomináveis projetos do réu, mandou vigiar-lhe os passos, e averiguar as casas onde entrava de que tendo ele alguma notícia ou aviso, dispôs a sua fugida pelo sertão para a Capitania de Minas, sem dúvida para ainda executar os seus malévolos intentos se pudesse, ocultando-se para este fim em casa do réu Domingos Fernandes, onde foi preso, achando-se-lhes as cartas dos réus Manuel José de Miranda e Manuel Joaquim de Sá Pinto do Rego Fortes, para a Mestre-de-Campo Inácio de Andrade o auxiliar na fugida.

Da mesma forma que todos os suspeitos de Minas Gerais, no Rio também foram presos todos os que colaboraram com Tiradentes, como Manuel José de Miranda e o Capitão Rego Fortes; D. Inácia Gertrudes de Almeida e seu sobrinho o Padre Inácio Nogueira Lima; Domingos Fernandes, etc. Diferentemente, porém, dos mineiros que foram todos condenados, todos os fluminenses foram absolvidos, (com exceção de Salvador do Amaral Gurgel, que, embora nascido em Parati, vivia em Minas), tendo os juízes considerado que foram enganados pelo Tiradentes.

E o Mestre-de-Campo Inácio de Andrade Souto Maior, tantas vezes citado nos depoimentos e em cuja casa, em Nova Iguaçu, já estava a mala do Tiradentes para quando este, sob sua proteção, fosse encaminhado para a Capitania de Minas? O referido Mestre-de-campo, além de não ter sido preso, não foi em nada incomodado. Não foi chamado nem para depor como simples testemunha.

E quem era ele? Inácio de Andrade Soutomaior Rendon, grande senhor rural, era irmão do também iguaçuano Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinho, Conde de Arganil, bispo e reitor da Universidade de Coimbra e deputado do Santo Ofício (a Santa Inquisição) em Portugal. Seu outro irmão, também iguaçuano de Marapicu, João Pereira Ramos de Azeredo Coutinho, era deputado à Real Mesa Censória, desembargador da Casa de Suplicação de Lisboa e procurador da Santa Igreja de Lisboa. Seu filho, o iguaçuano Manuel Inácio de Andrade Soutomaior, Marquês de Itanhaém, veio a ser tutor de D. Pedro II e suas irmãs, substituindo José Bonifácio. Ele próprio veio a ser, após tudo isto, promovido, falecendo como Brigadeiro Reformado dos Reais Exércitos, sendo sepultado na igreja de Nossa Senhora da Conceição de Marapicu, ainda existente, em Nova Iguaçu. A igreja de N. Srª de Guadalupe, construída por ele em suas terras em 1750 e onde foi batizado o futuro Marquês de Itanhaém, foi restaurada há pouco tempo mas já se haviam perdido (com certeza obra dos ladrões de antigüidades) o altar barroco e o belo frontão de mármore.

Esse breve passeio pelos autos da Inconfidência nos faz lembrar a frase, atribuída ao bispo fluminense, D. José Joaquim da Cunha Azeredo Coutinho no século XIX: As leis são como teias de aranha, que servem para pegar insetos mas que se rompem à pressão de qualquer corpo mais pesado.
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* Advogado do escritório Leite, Tosto e Barros - Advogados Associados









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