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Breves comentários sobre os aspectos atuais da responsabilidade civil sob o prisma da jurisprudência pátria

Fonte do direito obrigacional, a responsabilidade civil é o instituto que impõe o dever de indenizar em razão da ocorrência de determinado ato ilícito. Nesse sentido, é farta a notícia sobre o crescimento da distribuição de demandas com o cunho reparatório.

14/9/2010


Breves comentários sobre os aspectos atuais da responsabilidade civil sob o prisma da jurisprudência pátria

Luiz Fernando do Vale de Almeida Guilherme*

André Fernando Reusing Namorato**

Fonte do direito obrigacional, a responsabilidade civil é o instituto que impõe o dever de indenizar em razão da ocorrência de determinado ato ilícito1. Nesse sentido, é farta a notícia sobre o crescimento da distribuição de demandas com o cunho reparatório2.

Se a característica clássica do tema é verificar a culpa do agente causador do dano, acrescente-se que com a evolução das relações pessoais e comerciais, importante inovação se verificou no atual Diploma Civil, nisto deduzida a disposição legal sobre a teoria do risco3. Sobre o assunto, explica Claudio Luiz Bueno de Godoy:

"Por ele se altera o modelo subjetivo levado aos Códigos do século XIX, em que o centro da responsabilidade civil sempre foi, quase que exclusivamente, a culpa, tudo a fim de atender a reclamo de uma sociedade mais industrial e tecnológica, pródiga na facilitação da ocorrência de acidentes (fala-se na era dos acidentes ou na civilização dos acidentes) e, assim, na indução a uma desigualdade das relações que dificultava a prova da culpa pela vítima." 4

Logo, a intitulada teoria se baseia na responsabilidade civil objetiva, em que não se faz necessária a prova de culpa do agente causador do dano, mas meramente a demonstração de que sua atividade demonstre risco por sua natureza, ou por força de lei. Maria Helena Diniz, acerca da nova disposição legislativa, afirma: "consagrada está a responsabilidade civil objetiva que impõe o ressarcimento de prejuízo, independentemente de culpa, nos casos previstos legalmente, ou quando a atividade do lesante importar, por sua natureza, potencial risco aos direitos de outrem."5

Contudo, o que em um primeiro momento parece simples, diante da análise do caso concreto se torna bastante tormentoso. Com efeito, a caracterização do risco em dada atividade por vezes se confunde até mesmo quando do julgamento pelos tribunais pátrios. Como exemplo, note-se o caso abaixo transcrito, em que corretamente caracterizada a responsabilidade objetiva do Estado em razão do suicídio de um preso sob sua custódia6, no decorrer do voto se inclina à analisar a culpa in vigilando da Administração:

"Com efeito, a responsabilidade das pessoas jurídicas de direito público que compõem a Administração Pública direta e indireta é, incontestavelmente, objetiva, vez que fundada na teoria do risco administrativo.
(...)
Nesse passo, em se tratando de responsabilidade objetiva, a identificação do dever de indenizar prescinde da aferição de culpa na ação ou omissão do agente estatal ou na prestação do serviço pelo ente de direito público, bastando a comprovação da existência do dano e do nexo causal entre este e a atividade estatal.
(...)
Na hipótese, não há dúvida que a obrigação do Estado em indenizar decorre da culpa in vigilando, ou melhor, da falha de atenção ou cautela em relação ao presidiário sob o cuidado dos agentes carcerários."7

Feitas algumas considerações sobre a complexidade do instituto, também há de se observar certas características sobre a indenização moral. Desta feita, ensina Sergio Cavalieri Filho que:

"Hoje o dano moral não mais se restringe à dor, tristeza e sofrimento, estendendo a sua tutela a todos os bens personalíssimos – os complexos de ordem ética –, razão pela qual revela-se mais apropriado chama-lo de dano imaterial ou não patrimonial, como ocorre no Direito Português. Em razão dessa natureza imaterial, o dano moral é insusceptível de avaliação pecuniária, podendo apenas ser compensado com a obrigação pecuniária imposta ao causador do dano, sendo esta mais uma satisfação do que uma indenização."8

Sobre a dificuldade na avaliação pecuniária correspondente ao dano9, note-se que o dever de indenizar não visa o enriquecimento da vítima, mas sobretudo pretende amenizar a dor, que além de substancial, deve refletir efeitos por toda ou grande parte da vida. Nas palavras do Ministro Menezes Direito, "quanto ao dano moral não há que se falar em prova, deve-se, sim, comprovar o fato que gerou a dor, o sofrimento, sentimentos íntimos que o ensejam."10

Desta forma, grande cuidado se deve empregar na análise dos casos concretos que envolvem o pleito da indenização moral, uma vez que expostas as feridas mais íntimas da pessoa, normalmente relativas à aparência, honra objetiva, entre outras.

Para explicitar este complexo campo de atuação jurisdicional, analisa-se o seguinte julgado, em que a autora pleiteia indenização pela perda de sua perna em acidente automobilístico ocorrido enquanto caminhava pela via de passeio:

"Enfim, a vida da autora não acabou, mas se modificou. Ela pode inclusive dar uma grande virada a seu favor, se souber aproveitar o tempo para estudar mais, o que lhe será possível com a indenização que vai receber. Com mais estudo, poderá ter êxito em um concurso público para vagas reservadas para deficientes, o que lhe dará um bom salário com estabilidade e aposentadoria, fora a pensão mensal aqui recebida.
(...)
Os danos morais abrangem os danos estéticos, ao menos na generalidade dos casos. A autora não é pessoa que viva da beleza e a perda de sua perna é bem aparente nas fotos que estão nos autos, onde ela está com roupa mínima.
Porém, no dia-a-dia, as pernas das pessoas não costumam aparecer e é perfeitamente possível alguém ter uma prótese que mal seja percebida, bastando para isso o uso de calças compridas. Exemplo eloqüente disso é o cantor Roberto Carlos."11

Deixando o caso acima para reflexão, é de rigor mencionar que a supervalorização de formalismos, em verdadeiro desapego às características valorativas da norma, não deve ser o caminho mais adequado.

Com efeito, para Miguel Reale o direito exsurge de uma "realidade histórico-cultural tridimensional de natureza bilateral atributiva"12. Nesse sentido, verifica-se em sua extensão a ineficiência da compreensão do direito isoladamente enquanto fato, valor ou norma, de maneira que a correlação destes institutos faz surgir meios capazes de solucionar conflitantes interesses humanos.

Feitos estes breves comentários, conclui-se que o tema da responsabilidade civil está longe de ser um dos assuntos mais tranquilos na seara jurídica. Assentadas hipóteses de confusão conceitual, ainda mais relevante é a análise de casos concretos. Se as relações sociais são influenciadas pela formação e experiências vividas por uma dada pessoa, não há que se excepcionar também que na vida profissional o efeito seja semelhante.

Desta forma, dizer o direito de maneira distante, em situações não conhecidas intimamente, embora afaste o cunho emocional da atividade jurisdicional, também não deve tornar o caso gélido, reconhecendo direitos na proporção equivocada e incentivando a ausência de responsabilidade. O que nos gerou perplexidade!

__________

1 CC, art. 927, caput. “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.” (CC, art. 186. “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” CC, art. 187. “Também comete ato il[icito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”)

2 Crescem as ações contra advogados nos tribunais. Disponível em https://www.migalhas.com.br/mostra_noticia.aspx?cod=15356, acesso em 09.09.10, 14:51h; Cresce a onda de processos judiciais contra blogueiros. Disponível em https://www.dnt.adv.br/noticias/direito-autoral/cresce-a-onda-de-processos-judiciais-contra-blogueiros, acesso em 09.09.10, 14:54h; Processos contra erros médicos crescem no Brasil. Disponível em https://tribunadonorte.com.br/noticia/processos-contra-erros-medicos-crescem-no-brasil/93197, acesso em 09.09.10, 14:59h.

3 CC, art. 927, parágrafo único. "Haverá obrigação de indenizar, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem."

4 PELUSO, Cesar (Coord.). Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. 4. ed. Barueri: Manole, 2010, p. 918.

5 DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 626.

6 CF, art. 37, § 6º. "As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável no caso de dolo ou culpa."

7 TJSP, AC nº 990.10.205445-4, j. 18.08.10.

8 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 81.

9 CC, art. 944, caput. “A indenização mede-se pela extensão do dano.” Nesse sentido, explica Álvaro Villaça Azevedo: “isso quer dizer que, conforme seja o dano, maior, médio ou menor, deve ser a indenização. Esse o princípio tradicional, que autoriza a indenização, repondo-se o patrimônio do lesado, no estado anterior à lesão”. AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral das obrigações e responsabilidade civil. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 278.

10 STJ, AgRg no Ag nº 356.447 (RJ), j. 11.06.01.

11 TJSP, AC nº 911.174-0/0, j. 05.10.06.

12 Miguel Reale. Filosofia do Direito. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 699.

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*Sócio do escritório Almeida Guilherme Advogados Associados

**Membro do escritório Almeida Guilherme Advogados Associados



 

 



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