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Pílulas sobre a magistratura e o Instituto da Arbitragem

O lamento do Coelho Branco decorre do receio de que a Rainha de Copas mande executá-lo em virtude da sua lerdeza no cumprimento das tarefas a ele confiadas.

20/4/2005

Ai minhas orelhas e meus bigodes, como está ficando tarde”. (O Coelho Branco em “Alice no país das maravilhas”, de Lewis Carrol).


Pílulas sobre a magistratura e o Instituto da Arbitragem


Francisco de Assis Chagas de Mello e Silva*

O lamento do Coelho Branco decorre do receio de que a Rainha de Copas mande executá-lo em virtude da sua lerdeza no cumprimento das tarefas a ele confiadas.

Também o Poder Judiciário deve temer, menos pelos seus bigodes, menos por suas orelhas, mais por sua consciência.

Logo após vestir a toga, o feitiço se instala. Transforma-se o juiz em um aristocrata. Títulos da nobreza republicana lhe são outorgados pelos súditos: ministros, desembargadores, magistrados, não importa, são todos excelências. A sabedoria, demonstrada em rigorosos concursos, eleva e deslumbra.

Aliás, penso que reside no Judiciário a maior concentração de desperdício de talento e erudição do país. O conhecimento jurídico rejeita limites. Os magistrados são capazes de dissertar horas a fio sobre os temas mais complexos, alinhando doutrinas dos autores mais distintos, vivos ou mortos, em número incontável de idiomas, vivos ou mortos.

Portanto, daí decorre a qualidade dos despachos, das sentenças, dos acórdãos. Todavia, em lamentável contrapartida, não há fartura na distribuição de justiça aos mais carentes. Muito pelo contrário, só os abençoados pela fortuna alcançam esse privilégio. A prestação jurisdicional apenas abrange um quarto da população. Isto é, a grande maioria dos brasileiros ignora direitos, benefícios, sequer uma brisa de justiça.

Se por ela não clama, apesar de sedenta e faminta, é porque um Brasil cruel não se dignou a apresentá-los. Sabe da sua existência, de ouvir falar, mas não ousa se aproximar do Olimpo aonde habitam os poderosos representantes daquela divindade criada para e pelas aparências.

Mas é possível atribuir aos juízes a responsabilidade por tantas tristezas? A resposta foi dada pelo Desembargador José Renato Nalini, na sua obra “Ética Geral e Profissional”:

o juiz não é responsável por toda injustiça. Mas é responsável pela remoção da injustiça. Não a removerá sozinho. Mas lhe é dado posicionar-se na direção correta. Devem (as Escolas de Magistratura) investir na reciclagem ética, pois é de coragem moral que os operadores jurídicos necessitam. A reengenharia ética poderia contribuir para que o juiz se aproximasse do ideal do juiz justo. Muito mais do que do juiz legalista , ou do juiz jurisprudencial, ou do juiz doutrinador.

O destino do juiz no milênio próximo é liberar-se dos contornos de um agente estatal escravizado à letra da lei, para imbuir-se da consciência de seu papel social. Um solucionador de conflitos, um harmonizador da sociedade, um pacificador. A trabalhar com categorias abertas, mais próximo à equidade do que à legalidade, mais sensível ao sofrimento das partes, apto a ouvi-las e a encaminhar o drama para uma resposta consensual. Enfim, um agente desperto para o valor solidariedade, a utilizar-se do processo como instrumento de realização da dignidade humana e não como rito perpetuador de injustiças.

O pluralismo e a tolerância permitirão a convivência de inúmeros paradigmas de juiz ideal. O núcleo comum que deve uni-los é a preocupação com a efetiva realização de justiça. E ela só se fará de forma completa se instaurada uma ordem social justa.”

Há poucos anos, a magistratura brasileira, ou parte dela, pensou seriamente em adotar a alternativa da greve para conseguir melhores salários. Se porventura prevalecesse a intenção em apreço, até com a ampliação do movimento, e todos os Tribunais do país aderissem à paralisação, por muitos dias, meses, anos, 20 anos, entristece dizer que, ao final de qualquer dos períodos citados, o Brasil não seria menos injusto do que é. Presumindo, ainda no terreno do imaginário, que o Governo resolvesse resistir à reivindicação dos juízes e os processos, presentes e futuros, fossem submetidos a leigos, mas homens de bem e razoavelmente sensatos. Não duvido, mesmo assim, que o desfecho de tais demandas, em 90% (noventa por cento) dos casos, resultaria satisfatório e em velocidade de Coelho Branco.

Os restantes 10% (dez por cento), que correspondem às questões de intransponível complexidade e necessitam de profundo conhecimento teórico, receberiam, para socorro, o alento recentemente criado: o Instituto da Arbitragem.

O desabafo, adiante transcrito, é do Prof. João Baptista Herkenhoff, na sua obra “Ética, Educação e Cidadania”:

Não podemos ter, no Terceiro Mundo, uma Universidade desligada de seu compromisso social, omissa em face de seu papel de transformação da realidade. Não se pode admitir um ensino jurídico passivo, caudatário de concepções dogmáticas ultrapassadas, legitimador de exclusões, quando a realidade reclama uma nova visão do jurídico, uma nova visão do jurista.

Dentro desse mesmo imperativo ético, coloca-se a Ciência do Direito, que não pode ser uma ciência do formal, subordinada ao tecnicismo. A técnica é meio para atingir um fim, e altamente apreciável como salvaguarda de valores jurídicos. Mas a técnica não é um fim, é apenas caminho para alcançar a substância do Direito.”

A Reforma do Judiciário aprovada pelo Legislativo é mera panacéia para as questões substantivas que afligem as relações daquele Poder com a sociedade.

A primeira delas, a meu ver, se constitui na ausência da verdadeira vocação para o exercício da magistratura. As pessoas que elegem esta carreira devem ter em mente que a prática da atividade judicante consiste em um ato de renúncia `a plenitude das satisfações elementares dos homens comuns. Não se prega aqui as abstinências próprias do sacerdócio, mas a compreensão consciente do homem público que exerce funções sujeitas, inclusive, ao sacrifício pessoal em benefício do seu semelhante.

A par disso, os magistrados devem submeter-se aos preceitos da Ética os quais precederão em importância a todas as demais normas do Direito vigente.

A segunda compreende a impossibilidade de acesso ao Poder Judiciário das pessoas simples. Neste caso, se faz necessária a mobilização de toda a sociedade, de todos os Institutos, de todas as ONGS , de todo o Poder Público.

A terceira, finalmente, é configurada pelo anacronismo dos ritos processuais. As injustiças são praticadas em nome da Lei. Os Códigos de Processo fazem mal à Justiça. Se não é possível queimá-los, talvez se possa reduzi-los para as suas reais e necessárias proporções. Isto é, mitigá-los, sem piedade, e atribuir-lhes a insignificante importância de inevitáveis e enfadonhos caminhos para alcançar a substância do Direito, como ensina o Prof. Herkenhoff.

Neste último aspecto, há que se cuidar da sorrateira ameaça, consubstanciada pelo preciosismo dos doutos, conquanto de boa-fé, que está presente e à espreita para mais um avanço e em cima de uma nova presa. Refiro-me à sedutora sanha dos processualistas sobre o Instituto da Arbitragem. O fundamento primordial desta última é a faculdade que se dá aos contratantes de verem solucionados com rapidez os seus conflitos, mediante a simplificação das regras processuais e com árbitros da sua confiança, familiarizados com as questões em debate.

O dispositivo legal de maior relevância é aquele que admite a livre escolha pelas partes das regras de direito que serão aplicadas na arbitragem.

O sonho de Justiça e a sua realização não se dissipam por força da singeleza das normas processuais. A pressa continuará amiga da imperfeição, mas a Democracia é feita dessa argamassa e a Justiça lhe faz companhia.
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*Advogado do escritório Candido de Oliveira Advogados









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