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O papa e os ateus

Noticia-se que o Cardeal Carlo Maria Martini é um dos mais cotados para substituir o Papa João Paulo II. Trata-se do bispo emérito de Milão e um dos mais prestigiados intelectuais da Europa moderna.

19/4/2005

O papa e os ateus


Sérgio Roxo da Fonseca*

Noticia-se que o Cardeal Carlo Maria Martini é um dos mais cotados para substituir o Papa João Paulo II. Trata-se do bispo emérito de Milão e um dos mais prestigiados intelectuais da Europa moderna.

No passado, dizia-se que, muito embora o Cardeal Martini tivesse o perfil do papa ideal para o século XXI, não seria eleito face à sua idade e porque portador do Mal de Parkinson. O fato de, mesmo assim, o seu nome retornar às manchetes autoriza pensar que a importância da sua pessoa não foi diminuída nem pela idade e nem pela eventual debilidade de sua saúde.

Muito recentemente teve um livro publicado no Brasil. “Em que crêem os que não crêem?” teve como co-autor o professor Umberto Eco. Trata-se da reunião de artigos que os dois publicaram em uma revista italiana. Umberto Eco fez às vezes do ateu dialogando com um crédulo.

O livro tem ponto de contato com a obra “Being good” de Simon Blackburn, leitura indicada para os cursos de extensão universitária em Harvard.

As duas obras buscam resposta a uma pergunta que vara os séculos, qual seja, se é possível ou não existir uma ética ou uma moral sem Deus. No primeiro capítulo do “Being good” indaga-se: se Deus morrer, é possível a convivência ética entre os homens?

Para o Papa João Paulo II não pode existir uma ética sem Deus. Nos seus últimos dias, publicou o livro “Memória e identidade” no qual ataca o Iluminismo, condenando a democracia gerada pela Revolução Francesa, pregando um retorno às balizas de duzentos anos atrás.

Tanto João Paulo II como o Cardeal Carlo Maria Martini mantiveram-se nos limites da ortodoxia cristã e católica. Divergem num ponto. O falecido papa sustentou a incompossibilidade de uma ética sem Deus, negando validade a um direito e a uma moral sem radicação divina. O Cardeal Carlo Maria Martini aceita a possibilidade de uma ética, de uma moral e de um direito laicos, sem raízes religiosas, sem justificação divina.

Para que seja possível conferir o altíssimo grau do diálogo mantido entre o Cardeal Carlo Maria Martini com Umberto Eco basta ler as frases iniciais do livro.

Umberto Eco chama o cardeal pelo seu nome, pedindo para não ser considerado desrespeitoso. Argumenta “se tivesse que me dirigir a Santo Agostinho não o chamaria de “Senhor Bispo de Hipona”, pois outros depois dele também foram bispos daquela cidade, mas de “Agostinho de Tagasta”.

O Cardeal Carlo Maria Martini responde: “estou perfeitamente de acordo com o fato de o senhor se dirigir a mim usando o nome com que fui registrado e, portanto, faço o mesmo. O Evangelho não é muito benevolente com as titulagens (“mas vós, não sejais chamados rabi e não chameis a ninguém na terra de pai, tampouco sejais chamados “mestres”, Mateus 23:8-10). Estou de acordo também em “olhar um pouco mais longe neste primeiro diálogo”.

Estes três pequenos livros “Em que crêem os que não crêem?”, “Memória e identidade” e “Being good” demonstram que o seu tamanho diminuto não consegue ocultar a altura gigantesca de seus autores.
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*Advogado, professor da UNESP e Procurador de Justiça de São Paulo, aposentado






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