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Polícia Federal e as ciências policiais

No período de 6 a 9/7/10 foi realizado o I Seminário Internacional sobre Ciências Policiais e Política Criminal, no Centro de Convenções Ulisses Guimarães, em Brasília, com a participação de delegados federais e civis, policiais federais, advogados, promotores, juízes, estudantes etc.

20/8/2010


Polícia Federal e as ciências policiais

Célio Jacinto dos Santos*

Emerson Silva Barbosa*

No período de 6 a 9/7/10 foi realizado o I Seminário Internacional sobre Ciências Policiais e Política Criminal, no Centro de Convenções Ulisses Guimarães, em Brasília, com a participação de delegados federais e civis, policiais federais, advogados, promotores, juízes, estudantes etc.

O evento foi uma realização da Academia Nacional de Polícia, por intermédio da Coordenação de Altos Estudos em Segurança Pública, em parceria com o Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna, de Portugal, e contou com o valioso fomento e apoio da Fundação Polícia Federal de Ensino e Pesquisa, que propiciou a vinda de palestrantes e ofereceu suporte ao evento.

As atividades do I Seminário Internacional sobre Ciências Policiais e Política Criminal, constituem os primeiros passos de longo caminho que será percorrido para se conseguir consolidar a ideia de uma Ciência Policial no Brasil, com campo de projeção próprio, mas com perspectivas diferentes, porém convergentes no sentido da importância de ter, por um lado, o ente Polícia como objeto de uma ciência e, por outro, uma Polícia que fomente a dialética, o diálogo que lhe permita figurar no centro do processo de construção de realidade democrática e justa.

Os debatedores/palestrantes apresentaram diversas abordagens sobre os temas colocados para debates.

O Prof. Miguel Padilla, proclamou que os policiais são cidadãos eleitos para servir como guardiães da paz e para proteção de seus cidadãos, também incumbidos de construir uma ciência policial com a nobre missão de cultivar os conhecimentos necessários para se lograr a boa convivência, que é o seu fim último.

Vimos, ainda, que esta nova ciência policial, como bem ressaltou o Prof. Jairo Alvarez, é multidisciplinar por natureza, com pluralidade metodológica, embora seja possível, conforme a função de polícia a ser exercida, identificar a preponderância de um ramo do saber que informa seu trabalho.

De maneira semelhante Manuel Valente pontuou que a Ciência Policial emergente encontra seus paradigmas em um pensar em passos controláveis e cognitivos, na formulação de inferências e conclusões justificadas, sendo interdisciplinar e intersubjetiva, centrando no estudo da atividade da polícia, seguindo os valores da polícia e do ser humano, pautado na lógica normativa e de Direitos Humanos, ou seja, a segurança e por via de consequência a ciência policial, deve ser centrada no ser humano, conforme premissa apontada por Guilherme Werner.

Ao se falar de Polícia Judiciária inserida num Estado de direito sustentado sobre bases políticas democráticas, é preciso ressaltar a preponderância do Direito, do Jurídico, na atuação da polícia, como bem fizeram os professores José Pedro Zaccarioto e Maurício Zanóide Moraes, e nesse compasso lembramos o pontuado pela profa. Nieves que o núcleo central do estudo da polícia é o conhecimento do crime, do delito que é um fenômeno complexo e que se modifica muito, cuja coordenação dos trabalhos investigativos recai sob a responsabilidade de um técnico científico formado nas ciências jurídicas para preservação de um procedimento garante dos direitos fundamentais, conforme destacado também por Jésus Trindade Barreto.

A polícia judiciária exerce função jurídica que é a persecução penal. Sua atuação é pautada por regras de direito processual penal e, por isso, os meios e os fins dessa polícia não podem se afastar critérios de juridicidade e dos parâmetros intransponíveis dos direitos e garantias fundamentais.

A polícia judiciária compõe o sistema integral de persecução penal e em razão disso, como bem acentua Ferrajoli, a autoridade de polícia judiciária deveria gozar das mesmas prerrogativas e garantias de que dispõe o magistrado, conforme defendido por Wladimir Reale.

Como bem ressaltado pelos debatedores na oficina "Os desafios e perspectivas a investigação criminal no Brasil", um passo decisivo para se chegar a esse objetivo é brindar essa mesma polícia de uma lei orgânica, que lhe proporcione identidade, que bem contextualize o papel da autoridade e da instituição no cenário jurídico-penal, seus mecanismos de controle internos e externos.

Se a década de 90 foi do MP e a atual da polícia judiciária, como proclamado pelo Prof. Rogério Bastos Arantes, aqui considerada em sua atuação operacional, a próxima década poderá continuar a ser a década da policia judiciária, mas cuja atividade deve ser calcada numa ciência policial e doutrina policial consentâneas a sua precípua função institucional.

Somente assim a polícia poderá de fato equilibrar-se entre discurso de efetividade e eficiência e aquele garantista e protetor dos direitos fundamentais, como valores tão caros à sociedade.

A professora Anabela Miranda Rodrigues, em brilhante conferência sobre "A política criminal no Estado de Direito do Século XXI", vê a necessidade de orientação para o futuro, onde os tradicionais meios de resolução de crimes devem ser substituídos por outras capazes de enfrentar a criminalidade que se apresenta, lançando então a indagação: como a política criminal pode se preservar para não perder o rosto humano, na era do pragmatismo e do eficientismo?

A crise de legitimidade do sistema penal e a atuação da policiai foi o tema abordado em palestra pelo desembargador Paulo Rangel, quando sintetizou que nosso sistema é ineficaz, e apontou a educação como meio reformador do indivíduo e da sociedade.

Paralelamente a esse importante seminário a Academia Nacional de Polícia, estruturou dois outros pilares na construção da ciência policial no Brasil, o Curso de Especialização em Ciência Policial e Investigação Criminal e a Revista Brasileira de Ciências Policiais, que foi lançada durante o evento, também com apoio da Fundação Polícia Federal de Ensino e Pesquisa.

Desse modo, a Polícia Federal pretende, por meio de sua instituição de ensino, constituir-se num centro de discussões das ciências policiais no Brasil, com portas abertas as demais instituições policiais e justiça do país ou do exterior, às universidades e pesquisadores e todos aqueles que se interessem pelo tema, ou seja, empreender uma pesquisa adensada, como lembrou o prof. Rogério Arantes, o que constitui enorme desafio, pois como alertou o prof. Alexandre Bernardino, ainda estamos presos ao estudo da ciência dogmática e encontramos dificuldades para desenvolver os Estudos sobre as Ciências Policiais.

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*Delegados de Polícia Federal, Coordenador e substituto da Coordenação de Altos Estudos em Segurança da Academia Nacional de Polícia, Polícia Federal. Doutorandos em Direito Penal pela Universidade de Buenos Aires



 

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