Portaria 1.510/09: a criação de dificuldades e a venda de facilidades
Jefferson Cabral Elias*
A despeito dos aspectos jurídicos da medida, o tema já foi exaustiva e adequadamente abordado por diversos colegas, que se viram diante de uma política de oportunidades que trará ainda mais custo para a mão de obra no país.
Sendo assim, o presente artigo será um breve relato sobre os desmandos da política do governo central, que, em mais um capítulo de sua saga, impõe à sociedade medida que nada mais traz que benefícios a um pequeno grupo de brasileiros – os fabricantes dos equipamentos de controle de ponto eletrônico.
Talvez por ceticismo jurídico, ou pela experiência acumulada nos últimos oito anos, posso afirmar que a novidade da Portaria 1.510/09 nada agrega ao patrimônio do trabalhador, ao contrário do que será verificado em relação às poucas empresas fabricantes dos equipamentos exigidos pela norma ministerial, que já experimentam bons resultados.
Qualquer semelhança com a obrigatoriedade de aquisição de cadeiras de bebês para uso em automóveis – que curiosamente não são exigidas em veículos de transporte escolar – e de tomadas e plugs com padrão exclusivo para o Brasil, será mera coincidência.
Alguém dirá que, mesmo com propósito duvidoso, tais normas incrementam a produção industrial e, por consequência, aumentam os índices de emprego. Exatamente; os empresários chineses já estão preparados para despejarem no Brasil toneladas de equipamentos fabricados ao custo de mão de obra quase escrava.
Voltando à Portaria 1.510/09, na última semana o Ministério do Trabalho e Emprego publicou uma compilação de esclarecimentos sobre o tema, no afã de responder aos milhares de questionamentos formulados por empresários, sindicatos e trabalhadores. Vã tentativa, no entanto.
Isto, porque deixou transparecer que a exigência da Portaria 1.510/09 não aumenta a segurança jurídica das relações entre trabalhadores e empregadores. Acompanhe-se.
O novo sistema de controle de jornada, inviolável, somente será adotado pelos empresários que pretendem manter o sistema eletrônico de ponto em seus estabelecimentos, sendo permitido o retorno aos antigos sistemas – manual e mecânico.
De acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego, geralmente as grandes empresas – com capacidade financeira suficiente – é que manterão os sistemas eletrônicos de controle e, portanto, estão aptas a adquirirem os novos equipamentos ao custo médio de R$2.850,00, de modo que a nova regra não atingiria as pequenas empresas, que enfrentariam dificuldades consideráveis por conta da nova despesa.
O que não se comentou, todavia, foi que a rigidez do controle de ponto prevista para o sistema eletrônico é inversamente proporcional àquela presente nos formatos mecânico e manual.
Logo, nenhuma preocupação com a garantia da idoneidade das informações e da forma de anotação da jornada nos dois sistemas alternativos foi demonstrada, mas apenas se os equipamentos especificados poderão ou não ser mantidos.
Sobre os comprovantes das anotações, que serão impressos a cada marcação de entrada e saída – no mínimo quatro, por dia de trabalho -, os esclarecimentos do governo são de que a sustentabilidade está assegurada, porquanto o papel para tais impressões é extraído de madeira de reflorestamento, cuja produção fomentará mais empregos no setor da economia dedicado à atividade.
Não bastasse a evidência de que mais um setor da economia será contemplado diretamente com a medida ministerial, a obrigação de impressão do comprovante de anotação da jornada é justificada como sendo a garantia do trabalhador de que seus horários foram corretamente anotados,e de que eventuais horas extras serão adequadamente pagas.
Um equipamento inviolável, certificado pelo próprio Ministério do Trabalho e Emprego, como pode ensejar dúvidas acerca da regularidade da marcação do ponto pelo trabalhador? Se o trabalhador anotou a jornada, está anotada, e considerando que nenhuma modificação pelo empregador é possível, de nada servem os comprovantes.
Além disso, é pouco crível que a maioria dos trabalhadores do país armazenará os comprovantes de todas as suas anotações ao longo do contrato de trabalho, até porque não têm tal obrigação.
Em uma Reclamação Trabalhista, por exemplo, a redundância de informações – comprovantes de marcação juntados pelo trabalhador e o extrato de anotações do relógio de ponto eletrônico trazido pelo empregador – poderá confundir o juiz e até mesmo prejudicar o trabalhador que estiver pugnando pelo pagamento de horas extras.
Em resumo, mais uma vez não ficaram demonstradas as efetivas vantagens advindas da vigência da Portaria 1.510/09.
Finalmente, sobre as recentes notícias de que foi prorrogado o prazo para aplicação de multas em razão da inobservância da Portaria 1.510/09, é obrigação informar que nenhuma novidade ou prorrogação foi autorizada, eis que se está a falar da dupla visita, instituto previsto na legislação trabalhista – artigos 627 a 628, da CLT (clique aqui) – e de cumprimento obrigatório pelos Auditores Fiscais do Trabalho, de acordo com o artigo 23, do Regulamento de Inspeção do Trabalho, editado em 1965.
Segundo o critério da dupla visita, cumpre ao Auditor Fiscal do Trabalho, inicialmente, apenas notificar a empresa em situação irregular acerca das providencias necessárias para atender à legislação e, no prazo fixado na referida notificação, retornar à empresa a fim de verificar o atendimento das exigências legais, no caso, do registrador de ponto.
Na hipótese de ser constatado que a empresa não regularizou a situação em relação ao controle de jornada, o Auditor Fiscal do Trabalho lavrará um auto de infração, que culminará com a aplicação de multa e apreensão do aparelho, se estiver em desacordo com a Portaria 1.510/09.
As visitas de fiscalização posteriores a noventa dias contados da vigência da Portaria 1.510/09 não observarão o critério da dupla visita e ensejarão autuação imediata.
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*Advogado do escritório De Vivo, Whitaker, Castro e Gonçalves Advogados
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