Os seres humanos são surpreendentes!
Pedro Luís de Campos Vergueiro*
Mas, no rumo contrário desses protestos, a OAB/SP, a AASP e o IASP - siglas das entidades que congregam os militantes da advocacia - encamparam a idéia inicial de extinção da Carteira e, depois, para colocá-la "em extinção". Encamparam, portanto, a proposta original e contribuíram com seus préstimos para compor a emenda aglutinadora que criou a figura esdrúxula de declarar "em extinção" a Carteira. Além disso, é fato que representantes das referidas entidades se fizeram presentes nos dias em que a propositura governamental foi submetida à apreciação(?) e votação dos deputados estaduais. Estavam presentes também militantes da ADDPA e outros advogados.
O projeto consubstanciado na emenda aglutinativa - o projeto governamental com um apanhado das emendas apresentadas - foi aprovado pelos deputados presentes, à exceção dos representantes do PSOL. Afinal, nos bastidores governamentais e legislativos esse já era um projeto assumido. Assim, a aprovação de todos os termos e dispositivos da emenda contou com os aplausos dos representantes das referidas entidades da advocacia, em especial, destaque-se, com os do Presidente da OAB/SP, Dr. Luiz Flávio Borges d'Urso. Aprovada, a Emenda Aglutinativa Substitutiva 60 converteu-se na Lei Estadual 13.549/09. E incansavelmente os aplausos dessas entidades persistiram, e parece que ainda persistem, para a posterior atuação do gestor da Carteira.
Não obstante já vigente a lei 13.549/09, os advogados inscritos na Carteira e os aposentados, todos os que não requereram resgate, mantiveram a rotina de luta para preservar e resguardar seus inequívocos direitos adquiridos de conformidade com a lei anterior. Afinal, os já aposentados - e pensionistas - sofreram uma capitis diminutio; os contribuintes, uma meta praticamente inatingível.
Essa luta resultou no ajuizamento, com o apoio do Partido Socialismo e Liberdade – PSOL, da ADIn 4291 (clique aqui). Deste processo já constam as informações do Governo do Estado de São Paulo e da Assembléia Legislativa, bem como os Pareceres da AGU e do MPF. Ou seja, já está em termos de ser colocado em pauta para julgamento.
Sem esmorecer, os advogados interessados e a ADDPA insistiram em buscar o apoio do Conselho Federal da OAB. Este apoio lhes foi dado recentemente e a postulação resultou na determinação para o ajuizamento de uma ação direta de inconstitucionalidade. E a providência foi levada a termo e constitui a ADIn 4429 (clique aqui).
Ressalte-se, exemplificando, que as duas ADIns visam a declaração de inconstitucionalidade do disposto no parágrafo 2º do artigo 2º da referida lei. Os objetivos desse parágrafo é "coisa" que nunca antes neste país constou de qualquer diploma legal e são os seguintes:
"Em nenhuma hipótese o Estado, incluindo as entidades da administração indireta, responde, direta ou indiretamente, pelo pagamento dos benefícios já concedidos ou que venham a ser concedidos no âmbito da Carteira dos Advogados, nem tampouco por qualquer indenização a seus participantes ou insuficiência patrimonial passada, presente ou futura" (parágrafo 2º do artigo 2º da lei 13.549/09).
Esse dispositivo assenta, pois, que o Estado de São Paulo (apesar de ser o criador e o arrecadador das contribuições e o administrador do dinheiro da Carteira por meio de sua autarquia IPESP, a qual é ainda a entidade pagadora das aposentadorias e pensões) não se responsabilizará por tudo quanto tenha sido feito com o dinheiro da Carteira, tanto no tocante à arrecadação das contribuições, como quanto à regularidade das despesas, do repasse da arrecadação pela fazenda estadual e por todos e quaisquer atos de gestão da carteira. Corolariamente infere-se que também não se responsabilizará pela má gestão do dinheiro arrecadado dos contribuintes da Carteira. Enfim, é a declaração de irresponsabilidade total e absoluta, "passada, presente ou futura".
Pois bem.
O Jornal do Advogado, em sua edição nº 351 de junho/2010, surpreende a classe com reportagem encimada pela manchete seguinte: "IPESP: OAB/SP pede e Conselho Federal propõe ADIN".
O texto dessa mensagem, dirigido aos advogados em geral e àqueles de alguma forma relacionados com a Carteira em tela, transcreve explicação dada pelo dr. D'Urso que merece ser transcrita: "A decisão do Conselho Federal da Ordem de acatar o nosso pedido de ADIn reforça nosso trabalho em prol da preservação dos direitos dos colegas inscritos na Carteira de Previdência do Ipesp. Nesta segunda etapa da luta, vamos buscar reparar as distorções que a nova lei acarretou, especialmente no que concerne à responsabilidade do Estado por prejuízos sofridos pela Carteira" (g.n.).
Percebe-se no excerto transcrito, a surpresa inicialmente referida. Que trabalho realizado foi esse se, a rigor, extinguir ou colocar em extinção são expressões com o mesmo objetivo? Que direitos dos colegas foram preservados se muitos já estavam protestando contra as premeditadas intenções governamentais de extinguir a Carteira? Por que, então, antes de que a emenda aglutinativa fosse votada, não se cuidou de reparar as distorções existentes na proposta? Por que antes da proposta se converter em lei não se insurgiu contra a irresponsabilidade estatal?
Neste último aspecto, conforme declaração acima transcrita, o dispositivo da lei estadual que procura abstrair o Estado de qualquer responsabilidade "passada, presente ou futura" seria uma "distorção" (uma das) e, consequentemente, uma flagrante inconstitucionalidade. O que então foi feito pelas entidades da advocacia?
Esse dispositivo já constava do projeto oriundo do executivo e foi mantido na Emenda Aglutinativa. Por que foi mantido? Por que deixaram que fosse mantido? A não ser por irresponsabilidade permitiu-se sua permanência na emenda aglutinativa se este projeto que foi votado resultou de um acordo, diz-se, entre as entidades representativas da advocacia paulista e o Governo do Estado.
Que acordo foi esse que permitiu a permanência no projeto de um inusitado, e inconstitucional, dispositivo?
Se a OAB/SP pediu (!?) ao Conselho Nacional da OAB para que ingressasse com uma ADIn contra esse dispositivo, por que, então, antes, não se bateu para impedir que esse dispositivo constasse do projeto resultante do tal acordo? Por que permitiu que esse dispositivo fosse aprovado pela Assembléia Legislativa? Se consta, é porque na realidade não foi feito acordo algum, mas, simplesmente, acatou-se uma deliberação governamental; é porque aqueles que dizem ter negociado um acordo, na verdade foram displicentes e, não atuaram com zelo e dedicação na defesa de seus colegas integrantes da Carteira dos Advogados, tanto os contribuintes como os aposentados. Assim como o funcionário público está obrigado por lei a representar contra ilegalidade ou omissão, mutatis mutandi, as entidades representativas dos advogados na verdade deveriam ter cuidado para que a lei não contivesse uma inconstitucionalidade a eles prejudicial.
Ressalte-se que os advogados, segundo a lei primeva criadora da carteira, estavam obrigados a participar do plano previdenciário por ela instituído. E a situação destes, provavelmente há muito já aposentados, não foi objeto de zeloso cuidado dos seus representantes que costuraram o acordo com o Governo do Estado. Não obstante, o Conselho Nacional da OAB sensibilizou-se com as postulações dos atuantes "ipespianos" (contribuintes, aposentados e pensionistas) e seus lídimos representantes, no que se destacou a ADPPA.
E para resguardar os direitos dos ipespianos, para reverter a situação a que foram relegados os contribuintes e os aposentados da Carteira dos Advogados do IPESP e, sobretudo, por força do trabalho ingente da ADDPA, o Conselho Federal acolheu os reclamos e sua deliberação resultou no ajuizamento da ADIn 4429.
Resta destacar que o exemplo e o procedimento governamental a respeito da Carteira dos Advogados foram aproveitados e reproduzidos para colocar "em extinção" a Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado de São Paulo, cujo "em extinção" foi lamentavelmente assentado na Lei Estadual 14.016, de 2010. E esta lei também está sendo objeto de exame pelo STF na ADIn 4420.
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*Advogado e procurador do Estado de São Paulo aposentado
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