Golfo do México, um divisor de águas
Gilberto de Mello Kujawski*
O que vazou naqueles 90 dias não foi só petróleo, mas também e principalmente a confiança que os americanos gostam de exibir em sua performance econômica e política, ameaçada também pelo crescimento incontido da China, gastando agora mais energia do que os EUA.
Em artigo publicado no The New York Times e republicado no Estadão, o economista Peter S. Goodman, reconhece que o incidente do Golfo "enfraqueceu o arrogante sentimento de controle e comando do qual os americanos gostam de se gabar" (OESP, 21/7/10). Foi este o dano mais profundo produzido pelo vazamento. Nas palavras da psicóloga Nadine Kaslow, da Universidade Emory, "a psique nacional está muito deprimida." Caso se interrompa o vazamento, - agrega a psicóloga – a sensação que paira no ar é que outra desgraça virá em seguida.
Como se vê, insegurança coletiva para ninguém colocar defeito. O Brasil, na parte que lhe toca, a exploração do pré-sal, já põe as barbas de molho, e o ministério de Minas e Energia manifestou ao governo americano que interessa ao Brasil conhecer a fundo os resultados das investigações oficiais sobre a explosão da plataforma da BP (British Petroleum). O governo brasileiro se assusta: o jornal inglês "Financial Times" profetiza que o vazamento no poço da BP torna inviável o projeto da Petrobras sobre o Pré-Sal. Inviável, eis aí a palavra fatal com todas as letras (OESP, Economia, B7, 21/7/10).
O mundo numa encruzilhada
O acima exposto é a leitura negativa do incidente no Golfo do México. Mas, como sempre, há a leitura positiva, que a maioria dos observadores ainda se recusa a fazer. A leitura positiva do drama do vazamento, com a destruição ou comprometimento sem data para acabar do ecosistema local, é, em resumo, a seguinte: o reino do petróleo como a principal fonte energética que move o mundo, está com os dias contados. Urge, mais do que nunca, a implantação de fontes alternativas de energia. O presidente Obama, longe de se abater com o incidente do Golfo, já partiu para uma iniciativa a favor da energia limpa. Alguns observadores mais perspicazes dizem até que a meta da energia limpa constitui a causa principal do governo Obama, mostrando assim sua aguda visão de estadista.
Creio ser esta a verdadeira mensagem, o aviso crucial que se levanta daquelas ondas encardidas de petróleo, extinguindo a fauna e a flora locais no Golfo do México. Mais do que nunca temos que possuir olhos de ver e ouvidos de ouvir para percebermos que está mais do que na hora de trocar o óleo mineral pela energia do etanol, da eletricidade, do sol, do vento, e de reverter tudo o que se gastou nas armas atômicas em aplicação da energia nuclear para fins pacíficos.
O presidente Lula, em vez de ser fotografado e televisionado com as mãos sujas de petróleo, exaltando demagogicamente as expectativas sobre o pré-sal, deveria divulgar sua imagem em meio a um canavial a perder de vista. E aqui uma observação para refletir melhor: o destino dos países emergentes, como o Brasil, por exemplo, não é repetir o Primeiro Mundo, com suas qualidades e defeitos, e sim ultrapassar o Primeiro Mundo no que ele tem de negativo, danoso e perigoso para a segurança da humanidade. Tentar a simples equiparação com os países adiantados seria nos rendermos mais uma vez ao nosso complexo de vira-lata, como diria Nelson Rodrigues.
O petróleo, que nasce da decomposição de dejetos animais e vegetais pré-históricos, deve ser devolvido para onde estava, na pré-história, à paz em que repousa no fundo da terra e do mar, para que os homens também tenham paz.
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*Ex-Promotor de Justiça. Filósofo e ensaísta
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