Ministros não são juízes
Antonio Pessoa Cardoso*
O STF, órgão superior do Judiciário brasileiro, é composto "de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada", art. 101 da Constituição (clique aqui). Para a nomeação se efetivar, a indicação do Presidente da República deve ser submetida à aprovação da maioria absoluta do Senado Federal.
Credita-se a Ruy Barbosa essa iniciativa originada na Constituição de 1891 (clique aqui) que previa a composição do STF de "quinze juízes", art. 55, nomeados pelo Presidente da República, "sujeitando a nomeação à aprovação do Senado".
A Constituição de 1934 (clique aqui) diminuiu o número de ocupantes da Corte Suprema para onze ministros, apesar de prevê a possibilidade de proposta da Corte Suprema poder elevar para até dezesseis membros, art. 73. Para ser ministro passa a ser necessário o alistamento como eleitor.
A Constituição ditatorial de 1937 (clique aqui) impede a diminuição do número de ministros, mas mantém a possibilidade de elevação, nos mesmos termos da Constituição de 1934. A aprovação da escolha já não é do Senado, mas do Conselho Federal, o alistamento já não constitui requisito e a idade máxima é diminuída para 58 anos, art. 98.
A Constituição de 1946 (clique aqui) mantém os termos da Constituição de 1934, sem o requisito de alistamento e da idade máxima, art. 99. A Constituição de 1967 (clique aqui) aumenta o número para dezesseis Ministros, art. 113; a de 1969 diminui para onze, art. 118.
Nesse período, o meio utilizado para fazer funcionar o Tribunal, sofreu alguns arranhões: o ministro Hermínio do Espírito Santo exerceu o cargo por 13 anos, 1911/1924; entre 1940/1946, o Decreto-Lei 2.770 conferiu ao Presidente da República competência para nomear, por tempo indeterminado, o presidente e o Vice-Presidente da Corte; o ministro Eduardo Espínola permaneceu na presidência do STF por cinco anos, entre 1940 e 1945; mais recentemente, em 1990, Francisco Rezek deixou o STF para assumir o Ministério das Relações Exteriores, posteriormente desligou-se do cargo político, e, em 1992, foi nomeado novamente para a Corte.
Registre-se, como anormalidade, também o fato, de três ministros serem afastados compulsoriamente pelo governo militar, em 1969: Evandro Lins e Silva, Hermes Lima e Victor Nunes Leal. O motivo é que concederam habeas corpus a presos políticos sem culpa formada.
O sistema oferece liberdade ao Presidente da República para fazer indicações não condizentes com o preparo jurídico e moral de um integrante da Corte. Foi o que ocorreu, por exemplo, em 1893, Floriano Peixoto, que não nutria muita simpatia pelo STF, indicou como ministro um médico, Cândido Barata Ribeiro, que, empossado, permaneceu no cargo por quase um ano, novembro/1893 a setembro/1894, quando o Senado Federal acatou parecer do Senador João Barbalho e rejeitou a indicação, sob o fundamento de que somente juristas deveriam integrar a Corte. Floriano Peixoto apontou mais dois nomes de fora das esferas do Judiciário, os generais Inocêncio Galvão de Queirós e Raimundo Ewerton Quadros, também rejeitados pelo Senado Federal.
A PEC 434/09 (clique aqui), de iniciativa da Associação dos Magistrados Brasileiros, aparece em boa hora e propõe a criação de regras objetivas para a escolha dos ministros. Aumenta a idade de 35 para 45 anos, exige um mínimo de 20 anos de atividade jurídica, e determina que um terço das vagas sejam reservadas para magistrados, diferentemente do que ocorre atualmente, quando se oferece ao Presidente da República inteira opção para nomear quem quiser, observados apenas os requisitos de ser brasileiro, contar com mais de 35 e menos de 65 anos, ter os direitos políticos e possuir notável saber jurídico e reputação ilibada. O item relativo ao saber jurídico contém imensa subjetividade, interpretação pessoal, para possibilitar a composição de juízes no STF. Por outro lado, sabe-se que o Senado Federal sempre ratifica a indicação do Executivo.
A PEC da AMB veda a escolha de quem, nos últimos três anos, tenha exercido cargo eletivo, de ministro de Estado, secretário estadual, Procurador Geral da República, cargo de confiança no Executivo, Legislativo e Judiciário no âmbito federal, estadual e municipal. Impedidos também os filiados a partidos políticos nos últimos três anos. E mais: os ministros do STF farão a indicação de seis nomes, o Presidente da República aponta um desses nomes para o Senado ratificar através de 3/5 dos votos e não mais somente a maioria simples.
Esta liberdade conferida ao Presidente da República tem causado desequilíbrio na composição dos membros da Corte. O critério político tem prevalecido sobre os outros requisitos exigidos para a indicação. Atualmente, o STF conta com apenas um membro originado da classe dos magistrados, compondo assim, na sua absoluta maioria de advogados e membros do Ministério Público. Os magistrados de carreira já não são escolhidos, porque a lei oferece ao Executivo ampla opção para a indicação. Apenas o atual Presidente da Corte, ministro Cezar Peluso, provém da classe dos magistrados.
No governo Lula foram indicados sete ministros: Joaquim Barbosa, nomeado em 2003, originado do Ministério Público, do centro-oeste; Cezar Peluso, da magistratura paulista, nomeado em 2003; um professor da USP, Eros Grau, oriundo da advocacia, nomeado em 2004; Carlos Ayres Brito, da advocacia e candidato a deputado federal pelo PT, nomeado em 2003; Ricardo Lewandowski, da classe dos advogados de São Paulo, nomeado em 2006; Carmen Lúcia, advogada em Montes Claros, MG, nomeada em 2006; José Antonio Dias Toffoli, com apenas 42 anos de idade, advogado do PT, posteriormente chefe da Advocacia Geral da União, nomeado em 2009, tornou-se o último ministro empossado, 162º ministro do STF, o 8º nomeado pelo Presidente Lula, o terceiro paulista na composição atual, juntamente com Celso de Mello e Cezar Peluso. Aliás, a imprensa noticia que José Antonio Dias Toffoli em duas tentativas para ser juiz foi reprovado.
Como se vê, Lula indicou e nomeou apenas um ministro advindo da magistratura dentre os sete ministros escolhidos.
Somente quatro ministros não foram nomeados pela atual presidente: Celso de Mello, do Ministério Público de São Paulo, indicado em 1989 pelo Presidente José Sarney; Marco Aurélio Melo, empossado em 1990, do Ministério Público, nomeado pelo Presidente Fernando Collor; Gilmar Mendes, do Ministério Público, chefe da Advocacia Geral da União, nomeado em 2002, pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso e Ellen Gracie, do Ministério Público, do Rio Grande do Sul, nomeada em 2000, pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso.
Algo semelhante, em desprestígio para a magistratura, acontece no STJ, composto por 33 ministros, oriundos um terço dos TRFs, um terço dos TJs e um terço da classe dos advogados, membros do MP Federal, Estadual e do Distrito Federal.
Na prática, há desequilíbrio na divisão legal, porque integrantes do quinto, que são os membros da advocacia e do Ministério Público, com maior capacidade de articulação política, conseguem sempre ser os escolhidos para assentarem ao Tribunal. Atualmente, o STJ conta com menos cinco juízes de carreira, porque ocupadas pela classe dos advogados e procuradores, que só deveria ter onze membros.
A AMB questiona, por meio da ADIn 4078 (clique aqui), ajuizada em maio de 2008, dispositivo da lei 7.746/89 (clique aqui), responsável pela distorção.
A Suprema Corte americana é composta de nove ministros com garantias constitucionais de vitaliciedade, sem compulsória aos 70 anos, como se adota no Brasil. Os ministros da Corte são indicados pelo Presidente da República e submetidos à efetiva aprovação do Senado Federal. O Presidente da Suprema Corte, que se torna vitalício na chefia, diferentemente do Brasil, é de livre escolha do Chefe do Executivo. Nos Estados Unidos não há enumeração das condições a serem preenchidas pelos candidatos à Corte maior, mas o Brasil não tem condições estruturais para ter um STF com as mesmas exigências e formatação da Suprema Corte.
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*Desembargador do TJ/BA