A necessária visão social para as mudanças climáticas: qual deve ser a atuação do jurista?
Jayme Vita Roso*
"Alegrar-se com as alegrias dos outros e sofrer com eles – essas são as melhores orientações para o homem." (Albert Einstein)
O motivo dessa imprevista guinada, quanto inusual, foi a súbita repetição no Rio de Janeiro das tragédias que vem se espalhando pelo país a fora e pelo mundo adentro: as tragédias ocorrem, dentre outros motivos, pela mudança climática.
Não assombra este escriba que o tema mudança climática esteja assumindo foros extraordinários em organizações que são o paradigma do capitalismo. Afinal, os mais renitentes defensores do "direita volver" também são seres humanos, com as mesmas virtudes e vícios de qualquer asceta monástico.
O Banco Mundial já serve de paradigma para cotejar as idéias dos retrógrados com as dos afinados à realidade que estamos vivendo. E, nela inseridos, não podemos deixar de verificar que os fenômenos que ocorrem com a mudança climática, resultando em tragédias concretas e desenhadas e antecipadas, precisam ser avaliados com a necessária dignidade, competência, discernimento, motivação e cultura para se tomarem as decisões que busquem frear os seus efeitos deletérios para o ser humano e para a Gaia.
O Banco Mundial editou um precioso livro com o título apropriado ao que se está colocando nesta tela: "Social Dimensions of Climate Change – Equity and Vulnerability in a Warming World" (The World Bank, Washington, 2010, 319 páginas).
Partindo de que é preciso entender a vulnerabilidade da mudança climática, segundo o mote deste livro, listam-se, em 6 capítulos, as diversas facetas desse intrigante problema, que chega à profundeza da psiquê contemporânea.
Se não adviessem do Banco Mundial as ideias que compõem os títulos da Parte I do livro, poder-se-ia inferir serem originárias de obras marxistas. Ei-las: "A Vulnerabilidade não Cai do Céu: em direção a uma política de múltiplas escalas em favor do pobre que sofre as consequências das mudanças climáticas" (tradução livre); "Implicações da Mudança do Clima em Conflito Armado"; "Mudança Climática e Migração: modelos emergentes no mundo em desenvolvimento"; "A Dimensão da Pobreza da Sociedade e sua Adaptação à Mudança Climática" (idem); "O Papel do Conhecimento dos Nativos na Adaptação ao Processo e Mitigação de Estratégias para a Mudança Climática na América Latina" (idem).
Procurando-se entender como intercorrentes esses ensaios, parecem resultar na percepção de que os 10 autores, que os escreveram, estão ultrapassando os limites clássicos da análise conservadora de projetos para esta entidade mundial, muito comprometida com os Estados Unidos. O subtítulo do livro, entretanto, é esclarecedor: "A Equidade frente à Vulnerabilidade no Mundo que se Aquece".
Dos ensaios, podem tirar-se algumas conclusões, após sua leitura, e que se extraem algumas conclusões, quando alcançado o sentido do seu contexto. E se busquem nas ilustrações e nas tabelas, que acompanham cada um deles as tendências do Banco Mundial para direcionar seus escassos e preciosos fundos a propósitos determinados e específicos. E, para o escriba, as ilustrações gráficas, mostrando que há uma continuidade na propensão para o desenvolvimento, sugere-se ao generoso leitor analisar o impacto climático e a consequente vulnerabilidade social. O valor científico da obra é diminuído caso o leitor não se insira nos louváveis propósitos que levam o Banco Mundial a mudar a sua faceta.
Só agora, depois de passados séculos, considera-se que o evento climático da falta de chuva produz: redução do bem estar; provoca deslocamento habitacional; perda do sustento pessoal e familiar; aumenta a fome; faz crescer a escassez absoluta de bens e gera uma perda econômica sensível, com graves reflexos na vida comunitária por longos períodos como se constata no Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Blumenau e outras tantas cidades.
De outra banda, os múltiplos fatores causais da mudança climática conduzem à pobreza por meio da exploração dos pobres, do difícil acesso aos recursos para subsistência e a exclusão política. Para isso, os poderosos fazem os mercados flutuarem, criam uma política instável, propiciam mudanças ou variações ambientais, mantém uma infra-estrutura inadequada, escoram um sistema de seguridade social deficiente e induzem que há falta de planejamento: esses últimos fatores é que devem levar a uma reflexiva análise da vulnerabilidade social diante de múltiplos fatores causais e que afinal resultam na dramática perda de possibilidade dos seres humanos se sustentarem.
Já foi alertado pelo escriba que as mudanças climáticas, nos próximos 10 anos, vão gerar a migração de pelo menos 40 milhões de pessoas (Mercado Comum, nº 203, p. 73). Também estamos constatando na África que a frequência e a contundência de conflitos armados tem como causas os desastres ecológicos resultando na falta de distribuição de bens, nas abissais diferenças de classe e na perda da dignidade das pessoas.
O Banco Mundial, no mesmo livro, aborda na Parte II: "Justiça Social e Ação Climática", em mais de 100 páginas, acompanhadas de gráficos e tabelas.
Que temas foram cuidados, que ideias foram levantadas e trazidas à discussão e que proposições foram feitas? Os técnicos do Banco Mundial, com visão humana, ao escreverem a obra, se comoveram com o que diariamente constatam. Como mudança radical, propõem que as instituições locais de cada país procurem se adaptar à mudança climática; escrutinam os efeitos da mudança climática para sociedades agrárias em terras áridas e futuros caminhos a serem perseguidos; delineiam a busca de uma adaptação, para os pobres, dos efeitos da mudança climática nos centros urbanos em países de baixa e média renda; fazem aguda observação dos povos através das árvores que mantém plantadas nos seus territórios e os efeitos do gás carbônico sobre o meio ambiente, tentando mitigar e adaptar a mudança climática sem debilitar ou diminuir os direitos humanos e o sustento de vida das pessoas. Esse desiderato é perseguido com tenacidade, comprovado na dissertação constante na Parte II do livro.
Diante dessa publicação do Banco Mundial, que integra a série de outros títulos conhecidos como "Novas Fronteiras da Política Social", é possível fazer-se, como Joan Robinson fizera, a partir dos anos 50, a análise do papel das ideologias na formação dos problemas econômicos e a crítica dos caractéres apologéticos do capitalismo, ínsitos na ortodoxia econômica clássica.
Pois bem, por isso, o Banco Mundial criou o que foi denominado de Estratégia do Desenvolvimento Social para a qual são convocadas as entidades que tenham participação na vida comum e as que se dedicam às políticas em defesa das minorias e das mulheres, que combatem a corrupção, que desenvolvem e implementam políticas para construir a coesão social em cidades, regiões e países e, com isso, incitar a decisiva participação dos cidadãos em todos os aspectos do desenvolvimento. Suportam essa estratégia três pilares:
"1 - Promover o desenvolvimento equitativo e transparente das instituições, boa governança, reduzir a corrupção e incitar a participação vibrante de sociedades comunitárias.
2 – Promover meios de apoio aos governos de sorte que respondam de maneira adequada as necessidades e as prioridades dos mais pobres, vulneráveis e/ou marginalizados, através de ativas políticas de inclusão social.
3 – Reduzir o risco de conflitos e auxiliar os países que se envolveram em conflitos a reconstruir a sua coesão social como restaurar as suas vidas e implementar o seu crescimento".
O que vale é a lição, extraída desse livro, de que a mudança climática se trata de um problema que deve ser enfrentado pela Comunidade Internacional.
Trata-se de um desafio para a redução da pobreza, assim como aceitar o crescimento, com seu necessário debate para o meio ambiente global, uma vez que são todos importantes.
Sendo esse o pensamento que direciona as políticas do Banco Mundial, não há dúvida de que o jurista brasileiro, se engajado e atento ao que lhe determinam os preceitos deontológicos da profissão, não deixe também de se alinhar na luta que vai afrontar poderosos interesses incrustados no subconsciente dos que ainda perfilam o capitalismo ortodoxo ou mesmo do liberal, ambos sem freios, uma vez que a realidade tem mostrado a crueza e a dor que causam a milhões de pessoas pelo mundo afora.
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*Advogado e fundador do site Auditoria Jurídica
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