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Voto obrigatório

Em ano eleitoral, é comum que revolvam debates a respeito da obrigatoriedade do voto. E não é difícil que fiquemos reféns ora de um posicionamento, ora de outro, porque os argumentos tanto para a obrigatoriedade quanto para a facultatividade são igualmente robustos.

30/6/2010


Voto obrigatório

Andressa Paula Senna*

Em ano eleitoral, é comum que revolvam todos aqueles debates e abordagens a respeito da obrigatoriedade do voto. E não é difícil que fiquemos reféns ora de um posicionamento, ora de outro, porque os argumentos tanto para a obrigatoriedade quanto para a facultatividade são, na maioria das vezes, igualmente robustos.

Em linhas bastante gerais, os que sustentam a obrigatoriedade prestigiam a opção do Legislador Constituinte de assegurar que todos os cidadãos exerçam a soberania popular, e tornem efetiva a democracia representativa, já que, segundo a CF/88 (clique aqui), "todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos" (art. 1º, parágrafo único, CF/88).

Em contrapartida, outros costumam entender que a imposição do voto inviabiliza a consolidação do Estado Democrático de Direito, porque o cidadão, sem qualquer margem de liberdade e sob pena de sanção, é forçado a comparecer às urnas e exercer o seu direito de sufrágio, ainda que seja para anular o seu voto.

Para contextualizar, o voto obrigatório foi implantado no Brasil com o Código Eleitoral de 1932 e introduzido no ordenamento jurídico como norma constitucional em 1934, tendo sido mantido na Constituição em vigor, promulgada em 1988. Isso significa afirmar que o Brasil adota o sistema de voto obrigatório há exatos 78 anos.

É certo que, na prática, obrigar o voto pode elevar o eleitorado e garantir que todos os estratos da sociedade integrem o processo de eleição de seus representantes políticos. Ricos, pobres e classe média, indistintamente, vão às urnas eleitorais e perante elas são equiparados, pois o voto tem valor igual para todos os cidadãos.

A questão é saber se isso legitima a Democracia que aguardamos do sistema eleitoral. Comparecer forçosamente às urnas e exercer "formalmente" o voto representa, de fato, a Democracia que a população brasileira aguarda no início do século XXI – é dizer, 76 anos após a Constituição de 1934 (clique aqui)? Ao que parece, a resposta é não.

O processo de democratização do Estado brasileiro, na atual conjuntura, depende menos do comparecimento compulsório à votação que da oferta de efetivas possibilidades e condições a todos os cidadãos para que possam entender os processos de formação das decisões políticas, compreender em que medida a divergência de opiniões dos candidatos lhes afeta, para que sejam capazes de produzir inputs na democracia participativa, de aprender a realizar a análise crítica das políticas de governo, e assim sucessivamente.

Oferecer a igualdade de oportunidade para que todos participem da eleição dos representantes políticos tem a sua inegável importância histórica, mas hoje em dia já não é mais suficiente. O mero comparecimento de todos os eleitores, independentemente de suas vidas sociais, econômicas e culturais, ao processo de votação não significa que estamos, desde a Constituição de 1934, em processo contínuo de democratização do país.

É salutar, ainda que romântica, a ideia de que uma torrente de cidadãos, de forma igualitária, vai às urnas para eleger os seus governantes em época de eleição. Contudo, num contexto em que se fala tanto de cidadania, essa ideia pode ser fortemente prejudicada se apenas uma parcela do universo de eleitores é preparada para formar a vontade política, estimular o comprometimento partidário dos políticos e o real interesse dos candidatos ao governo pelo seu eleitorado.

Tornar o voto um direito-dever que deve necessariamente ser exercido pelos eleitores já nos fez evoluir bastante no passado, porém, hoje, mais relevante que isso é tornar o povo brasileiro capaz de mobilizar e influenciar o discurso dos políticos, de mudar a ética e o comportamento dos administradores públicos, é transformar um povo que recebeu uma educação ruim e precária em pessoas com engajamento e capacidade de reflexão, pensamento, expressão e manifestação, é ensinar os cidadãos a fiscalizar os governantes por eles eleitos e cobrar pelo crescimento e desenvolvimento da sociedade. E, quase despiciendo dizer, alcançada essa conscientização social, a obrigatoriedade do voto passa a ser prescindível.

É evidente que, numa sociedade em que a população reúne todas as possibilidades e condições de exercer conscientemente os seus direitos políticos, todos os cidadãos buscarão naturalmente exercer tais direitos, justamente porque querem efetivar a democracia participativa e porque conhecem a função social e as consequências de seu voto.

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*Advogada em São Paulo, formada pela PUC/CP





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