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Direito Administrativo e Direito Privado. Estado, Hermes e Leviatã

O Estado é um empreendimento complexo desde suas fundações, representadas pelas constituições. Cada um de seus andares tem arranjo próprio, simbolizado pelas diversas instituições, como judiciário, legislativo e executivo.

29/6/2010


Direito Administrativo e Direito Privado: Estado, Hermes e Leviatã

Kleber Luiz Zanchim*

O Estado é um empreendimento complexo desde suas fundações, representadas pelas constituições. Cada um de seus andares tem arranjo próprio, simbolizado pelas diversas instituições, como Judiciário, legislativo e executivo. Sua estrutura, em geral, não apresenta traços uniformes e sua arquitetura é, no mínimo, de gosto discutível. Seu maior problema, porém, está no fato de não ser uma construção inerte, mas um ente com vida própria. Para domá-lo em sua juventude monstruosa de Leviatã foram criadas amarras, muitas das quais organizadas pelo Direito Administrativo. Contudo, no processo de amadurecimento que o transforma à moda de Hermes, o Estado pede menos grilhões e mais ferramentas de cooperação com a sociedade. Serve-lhe cada vez mais, então, o Direito Privado.

O Direito Administrativo teve dois efeitos aparentemente contraditórios sobre o Estado Leviatã. De um lado minou suas forças, regulando em detalhes a exploração de bens públicos, a contratação pública e os procedimentos para as decisões estatais. De outro lado, fortaleceu o monstro marinho, deixando uma brecha para o exercício do poder por meio da vaga noção de interesse público. Essa noção forneceu sustentação para providências como descumprimento de contratos ou violação de expectativas privadas por parte do Leviatã.

Ocorre que esse acréscimo de poder voltou a ser contido com o desenvolvimento da sociedade e da economia. Novos focos de pressão social e o crescimento de corporações empresariais apareceram como fatores complementares de controle do Estado. Esses fatores, aliados à internacionalização das relações econômico-sociais, iniciaram processo de reforma do Leviatã, que se viu impossibilitado de ser o único promotor do desenvolvimento.

Nesse contexto, a interação entre o público e o privado tornou-se intensa. Além dos contratos para obras e serviços, vieram as privatizações e as concessões. Foi necessário buscar cooperação entre os diversos núcleos de interesse da sociedade. Menos monstro, mais empresário, o Estado tomou a fisionomia de Hermes.

Hermes é o deus grego dos comerciantes. Porém, sempre lhe foram atribuídos inúmeros outros afazeres. Ocupava-se da paz e da guerra, dos tratados de aliança, dos esportes, das artes, das mensagens trocadas entre outras divindades etc. Com tantas atividades, era o mais ocupado entre os deuses e os homens.

A complexidade do mundo moderno demanda exatamente um Estado Hermes, multifuncional. A questão é que a organização estatal não tem a mesma astúcia do deus grego para desempenhar sozinha tantas tarefas. Além da escassez orçamentária, o Estado não dispõe de atrativos para reter os melhores talentos. Precisa da iniciativa privada e, portanto, do Direito Privado.

Para cumprir suas variadas funções, Hermes esbanjava flexibilidade e rapidez. O Estado deve seguir o mesmo caminho. Pode ganhar asas por meio de contratos que agreguem o privado na gestão da coisa pública. Para tanto, é preciso que teóricos e burocratas reconheçam a interconexão entre Direito Administrativo e Direito Privado nessas relações jurídicas, sem qualquer primazia do primeiro sobre o último. Assim como o deus do comércio, o Estado e o ordenamento que o modela devem fomentar a cooperação entre o individual e o coletivo, e não criar barreiras fundadas na vazia ideia de interesse público.

Deve ficar de fora, porém, uma faceta indesejável de Hermes que já vem sendo explorada por muitos: a de deus dos ladrões e malandros, que quando criança já havia furtado o tridente de Poseidon, as flechas e os bois de Apolo, a espada de Ares e o cinto de Afrodite. Esse aspecto do Estado Hermes vem à tona com o inchaço dos quadros públicos, fato que favorece desvios de conduta. O Estado obeso é pouco deus grego e muito monstro marinho (Leviatã), em claro sinal de retrocesso. Para governar com a suavidade da lira, instrumento musical inventado por Hermes – e depois entregue a Apolo para acalmá-lo na questão dos bois –, o Estado deve reduzir a internalização de obrigações no regime administrativo, notadamente em relação à mão–de–obra, passando a externalizá-las mais no regime privado.

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*Sócio do escritório Souza Araujo Butzer Zanchim Advogados. Professor do GVLaw

 

 

 

 

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