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Impossibilidade Jurídica de anulação de decisão de mérito favorável ao contribuinte

O presente trabalho objetiva demonstrar as ilegalidades e incompatibilidades processuais dos enunciados prescritivos presentes no parecer do procurador-geral da Fazenda Nacional n.º 1.087/04, e na Portaria n.º 820/04, que trazem em seus anseios jurídicos a submissão de decisões dos Conselhos de Contribuintes e da Câmara Superior de Recursos Fiscais à apreciação do Poder Judiciário.

29/3/2005


Impossibilidade Jurídica de anulação de decisão de mérito favorável ao contribuinte proferida pelos tribunais administrativos

Rafael Correia Fuso*

O presente trabalho objetiva demonstrar as ilegalidades e incompatibilidades processuais dos enunciados prescritivos presentes no parecer do procurador-geral da Fazenda Nacional n.º 1.087/04, e na Portaria n.º 820/04, que trazem em seus anseios jurídicos a submissão de decisões dos Conselhos de Contribuintes e da Câmara Superior de Recursos Fiscais à apreciação do Poder Judiciário.

No parecer do procurador-geral da Fazenda Nacional algumas manifestações infelizes foram inseridas no contexto da análise jurídica, considerando que “o Conselho de Contribuintes, desde sua origem, tem certo viés pró-contribuinte”, haja vista que a primeira decisão proferida por esse Tribunal relevou multa imposta aos recorrentes.

Trata-se de uma opinião um tanto discriminatória e sem fundamento, haja vista que cerca de 50% das decisões proferidas pelo Conselho de Contribuintes apontam para o favorecimento do fisco federal, ou seja, acabam mantendo os lançamentos e as decisões de não homologações de compensações tributárias. Portanto, o viés, se existir como absurdo jurídico, deve no mínimo ser considerado para ambos os lados.

O fundamento constitucional utilizado pela procuradoria para desconstituir as decisões do Conselho de Contribuintes junto ao Poder Judiciário está encravado no conhecido jargão jurídico “o princípio da inafastabilidade da jurisdição” (artigo 5º, inciso XXXV, da Carta Política de 1988).

É notório que tal princípio deve ser aplicado, mas não isoladamente servindo de fundamento jurídico para se sobrepor a outras regras jurídicas existentes no subsistema tributário brasileiro.

Esqueceu-se ou preferiu não mencionar a procuradoria em seu estudo que o Código Tributário Nacional prevê em seu artigo 156, IX, a extinção do crédito tributário quando for proferida “decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória”.

Isso porque ao analisarmos de uma forma completa o subsistema jurídico tributário constatamos que a norma geral (Código Tributário Nacional), recepcionado pela Carta Magna de 1988 como Lei Complementar, prevê uma limitação ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, não pelo seu aspecto de hierarquia normativa, mas sim pelo fato da própria Constituição Federal ter delegado à norma geral o tratamento de assuntos como “crédito” tributário, nos termos do artigo 146, III, “b”.

Portanto, o artigo 156, IX, do CTN faz aquilo que a Carta Magna lhe outorgou, tratando da extinção do crédito tributário, o que impossibilita qualquer manifestação no sentido da existência de insubordinação dessa regra ao texto constitucional.

Esqueceu-se também o procurador-geral em seu parecer que o processo tributário está atrelado ao subsistema jurídico processual civil, que traz em seu artigo 267, inciso VI, a extinção do processo, sem julgamento do mérito “quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade de partes e o interesse processual”.

Evidente é a falta de interesse de agir da Fazenda Nacional quando existe a extinção do crédito tributário nos termos trazidos pelo Código Tributário Nacional. Isso porque nenhum interesse se sustentaria se há crédito e obrigação já extintos pela decisão favorável e irreformável no plano administrativo.

Como forma ainda se demonstrar as incompatibilidades das recomendações feitas pelo procurador-geral da Fazenda Nacional quanto às possibilidades de ajuizamento de ação de conhecimento e mandado de segurança pelos membros representantes da União Federal no plano tributário, constatamos verdadeira confusão jurídica no plano da representação processual.

Tal confusão se dá diante do fato da submissão e pertinencialidade do Conselho de Contribuintes e da Câmara Superior de Recursos Fiscais ao Ministério da Fazenda, sendo verdadeiros órgãos do ente político “União Federal”, que expede ato administrativo em nome dessa pessoa política.

Com isso, em caso de ajuizamento de mandado de segurança, constata-se que, ao aplicarmos as recomendações da procuradoria quanto ao meio judicial a ser adotado, a autoridade coatora, em tese, deverá ser o Presidente (ou Relator) do Conselho de Contribuintes ou da Câmara Superior de Recursos Fiscais, haja vista serem esses os representantes do órgão federal que decidiu de forma favorável ao contribuinte conjuntamente com outros julgadores em sua composição colegiada.

Portanto, num segundo momento, quando não mais se faz necessário os atos da autoridade coatora no remédio constitucional, a própria procuradoria da Fazenda Nacional estaria assumindo a representação processual em nome do Conselho de Contribuintes, e do outro lado se comportando como impetrante do mandado de segurança.

Tal sistemática em comento trata-se de um absurdo jurídico passivo de afastabilidade pelo Poder Judiciário, haja vista a ilegitimidade de parte, nos termos do artigo 267, VI, do CPC, diante da confusão processual.

Por fim, diante de todas as ilegalidades e absurdo jurídicos trazidos no parecer da procuradoria da Fazenda Nacional, sem se ater ao disposto no Código Tributário Nacional e verificar as incompatibilidades das recomendações junto ao subsistema processual civil, foi expedida a Portaria n.º 820/04, que trouxe verdadeiros enunciados violadores da segurança jurídica, tamanha a subjetividade e abstração dos enunciados inseridos no artigo 2º, que inclui qualquer tipo de matéria temática tributária e fundamentos múltiplos quanto ao conceito de grave lesão ao patrimônio público.

O pior de tudo, para encerrar esse discurso, está na retroatividade da Portaria n.º 820/04 a fatos pretéritos, qual seja nos últimos 5 anos, estendendo tamanha abuso de direito às decisões favoráveis proferidas e encerradas há tempos, em total desrespeito ao princípio da irretroatividade das leis.

Assim, chamamos a atenção dos leitores e juristas que se depararam com tamanha falta de critério daqueles que se julgam representantes jurídicos da União, para o fato (registro) do massacre jurídico existente em face dos contribuintes, que se dá através de Pareceres, Portarias, Medidas Provisórias etc. pelo Governo Federal.

O objetivo da União Federal com a edição dessas inaceitáveis legislações tem um único motivo, extirpar do sistema jurídico o direito do contribuinte ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa, em total desrespeito ao princípio da moralidade administrativa e da legalidade, quando desrespeitam as decisões dos julgadores dos Conselhos de Contribuintes e da Câmara Superior de Recursos Fiscais.

Maiores estudos são recomendados ao procurador-geral quando for trazer ao mundo do Direito enunciados prescritivos inaplicáveis, que certamente farão parte da História Jurídica com a resposta a ser dada pelo Poder Judiciário em face de tais recomendações ilegítimas.
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*Advogado do escritório Neumann, Salusse e Marangoni Advogados









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