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Retrocesso Penal

A política pública de penas alternativas no Brasil, desde 2000, ganhou força com o surgimento de um programa nacional específico voltado para a difusão de sua aplicação, valendo-se, para tanto, de recursos oriundos do Fundo Penitenciário Nacional.

17/6/2010


Retrocesso Penal

Herbert Carneiro*

A política pública de penas alternativas no Brasil, desde 2000, ganhou força com o surgimento de um programa nacional específico voltado para a difusão de sua aplicação, valendo-se, para tanto, de recursos oriundos do Fundo Penitenciário Nacional. Em 2002, no Ministério da Justiça, foi criada a CONAPA - Comissão Nacional de Apoio às Penas e Medidas Alternativas, com o propósito de produzir e difundir conhecimento acerca da sua execução; identificação, avaliação e fomento de boas práticas na área das alternativas penais.

Não bastasse isso, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça, em 2007, baixou a Resolução nº 5, que tem por objetivo assegurar, quando da elaboração do orçamento anual do Departamento Penitenciário Nacional, verba no mínimo igual à relativa ao custo total de construção de uma unidade prisional federal (de vinte e cinco milhões de reais mais ou menos), para os programas direcionados ao apoio, fomento e fiscalização das penas e medidas alternativas. Todo esse esforço institucional é refletido no expressivo número de cidadãos que cumprem penas alternativas no Brasil atualmente, 600.000 aproximadamente, o que vale dizer que elas já se tornaram uma realidade na cultura jurídica nacional.

Em Minas Gerais, a realidade das alternativas penais é concretizada, com bons resultados, através das Ceapas - Centrais de Apoio e Acompanhamento às Penas e Medidas Alternativas, que trabalham com uma metodologia qualificada de acolhimento, encaminhamento e acompanhamento dos indivíduos que cumprem penas alternativas; buscam resgatar o caráter ressocializador da pena, através da criação, implantação e execução de projetos que trabalham a promoção da cidadania, visando a diminuição da reincidência criminal. Somente em 2009, mais de 10.000 cidadãos foram encaminhados para cumprimento de penas alternativas, com índices de menos de 10% de descumprimento, o que revela o sucesso dessa política pública em nosso Estado.

Ainda no cenário nacional, merece destaque a ação do CNJ, que, especificamente sobre as penas e medidas alternativas, fez editar a Resolução nº 101, de 25/1/10, da qual consta, para os Tribunais do país, entre outras recomendações, a criação de varas especializadas em execução de penas e medidas alternativas; de centrais de acompanhamento e núcleos de monitoramento vinculados aos juízos competentes para as alternativas penais; de um modelo descentralizado de monitoramento psicosocial, feito por equipe multidisciplinar; e de um cadastro único de penas e medidas alternativas, sob a supervisão das corregedorias dos tribunais.

Na contramão de toda essa histórica trajetória de sucesso das penas e medidas alternativas no Brasil, o Congresso Nacional aprovou recentemente o PL 273, de 2009, que trata da possibilidade de utilização de equipamento de monitoração eletrônica de apenados, e, absurdamente, em seu artigo 146 B, inciso III, diz que o juiz pode definir o uso desse equipamento inclusive em cidadãos apenados com pena restritiva de direito que estabeleça limitação de horários ou da frequência a determinados lugares. Neste particular, é preciso estar atento, pois, tal previsão – se concretizada – colocará por terra toda política pública desenvolvida em prol das penas alternativas, especialmente se considerarmos que a fiscalização do cumprimento desta modalidade de penas tem por fundamento maior o pacto de confiança firmado entre o cidadão apenado, a ser humanamente monitorado, os operadores do direito e a sociedade civil, cada um na seara de sua responsabilidade.

Destarte, imperiosa manifestação, de caráter nacional, a fim de sensibilizar o senhor Presidente da República, para vetar o referido Projeto de lei, especialmente na parte que diz respeito à previsão de monitoramento eletrônico para apenados sujeitos às penas restritivas de direito, porque, neste caso, o apenado é o primeiro a ser conscientizado, por equipe interdisciplinar, sobre a necessidade de cumprir a pena imposta e, mais ainda, da oportunidade humanizada que tem de fazê-lo sem experimentar as mazelas do cárcere. A partir daí, o próprio apenado, os operadores do direito e a sociedade civil, imbuídos do propósito ressocializador da pena alternativa, passam a ser garantidores de seu efetivo cumprimento, fazendo valer apenas seu monitoramento humanizado, sem necessidade do patrulhamento eletrônico.

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*Desembargador do TJ/MG, vice-presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e vice-presidente administrativo da Amagis.

 





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