Submissão dos organismos internacionais e estados estrangeiros a legislação trabalhista brasileira em face da imunidade jurisdicional
Guido Martin*
Mais do que isso, tem o escopo de discutir a submissão de tais agentes internacionais ao ordenamento jurídico trabalhista brasileiro.
Os organismos internacionais, situados em solo brasileiro, alegam sob qualquer circunstância terem imunidade jurisdicional, evitando assim, honrarem com as dívidas trabalhistas feitas em solo brasileiro.
Mas o que vem a ser essa imunidade jurisdicional alegada?
Pode-se assegurar que a jurisdição é o poder público competente, amplo e limitado do Estado, de exercer sua autoridade e administrar sua justiça, dentro de determinada circunscrição territorial ou ainda na esfera internacional, sobre determinadas matérias do seu interesse.
O Estado exerce jurisdição exclusiva sobre o seu território, detendo uma série de competências para atuar como autoridade.
A jurisdição está relacionada com aspectos particulares da competência legal dos Estados e é comumente confundida com a soberania. Todavia, a jurisdição é apenas um dos aspectos da soberania e se manifesta através das competências legislativas, judiciárias e administrativas do Estado.
Assim, a jurisdição, em seu significado mais abrangente, seja uma das formas de manifestação do poder soberano do Estado, que age por intermédio de seus órgãos internos, através da criação, alteração e extinção de normas; da aplicação dessas normas aos fatos sociais concretos; pelo desempenho legal da coerção e do poder de polícia que detém dentro do seu território, ou ainda fora dele, conforme os limites que o direito internacional impõe, ressalvado o direito dos demais Estados.
Assim, imprescindível ressaltar que o termo jurisdição, se refere especificamente à prestação de justiça, ou o poder de estabelecer uma relação processual cognitiva, de julgar demandas judiciais, de dirimir conflitos e de dizer o direito quando houver uma divergência entre as partes.
Deste modo, a jurisdição ou tutela jurisdicional estatal consiste na atividade de determinados órgãos, "os juízes", que no exercício dos poderes conferidos pelo Estado, põem em prática em cada caso, determinados remédios previstos pela lei visando assegurar a observância do direito objetivo.
Já a imunidade de jurisdição é a isenção, privilégio ou prerrogativa legal que tem um Estado em não ser submetido às jurisdições pátrias dos seus pares, salvo em algumas determinadas situações que serão analisadas mais adiante.
Por outra perspectiva, a imunidade consiste numa reserva ou limite imposto aos Estados pelo direito internacional, ao regular exercício das suas jurisdições nacionais, quando outros Estados forem partes em procedimentos judiciais.
Em termos gerais, a imunidade de jurisdição constitui um princípio de direito internacional que exclui, em determinadas situações, a possibilidade de um Estado ficar submetido à jurisdição interna de outro Estado.
Trata-se de um princípio de caráter processual que opera como exceção, impossibilitando os tribunais estatais julgarem outros sujeitos de direito internacional e impedindo a execução das decisões no caso do processo de cognição haver prosseguido normalmente.
A razão da existência da doutrina da imunidade dos Estados está intimamente relacionada com as relações diplomáticas das diversas nações, bem como a preservação da autoridade, atividade e bens de um Estado, no território de outro Estado.
O controle de atos revestidos de soberania ou a constrição de bens de um Estado por outro, poderia ser interpretado pelo primeiro como um ato ofensivo ou até mesmo uma represália.
A doutrina da imunidade de jurisdição, em resumo, impede que soberanias estrangeiras se submetam forçosamente ao alcance jurisdicional das cortes nacionais de outras nações, com fundamento na teoria de que julgar os atos de soberanias estrangeiras poderia prejudicar as relações diplomáticas dos Estados envolvidos.
Logo, em princípio nenhum Estado pode julgar os atos de outro, por intermédio de um dos seus tribunais, sem o consentimento do último.
A compreensão do motivo deste regime é em razão do fato de que o simples protesto e condenação de um Estado por parte de outro pode perturbar as suas relações diplomáticas.
Igualmente, um ato coercitivo objetivando executar uma sentença, tal como a penhora de bens pertencentes ao segundo por parte de um tribunal do primeiro, poderia constituir no mínimo uma represália.
Contudo, verifica-se claramente que a alegada imunidade jurisdicional apenas tem aplicabilidade aos atos de império e não aos atos de mera gestão.
A diferença existe no fato de que nos atos de império a administração prática usando da sua supremacia sobre o administrado e nos atos de mera de gestão a administração pratica sem valer-se da sua supremacia, sendo praticados unicamente atos de direito privado.
Para melhor especificar, segundo Hely Lopes Meirelles, os atos de império são aqueles praticados pela Administração com supremacia sobre as demais partes envolvidas, sendo que no caso dos atos de gestão a Administração está no mesmo patamar das outras partes.
Os atos de império visam à consecução de finalidades primárias do Estado e, consequentemente, os direitos da Administração a eles relacionados são absolutamente indisponíveis.
Os direitos da Administração decorrentes ou relacionados a atos de gestão, por sua vez, são relativamente indisponíveis e, portanto, podem se tornar disponíveis via autorização legal.
Diante disso, verifica-se claramente que os empregados contratados por organizações internacionais sediadas no Brasil se submetem às leis brasileiras e os contratantes devem respeitar os direitos trabalhistas previstos na CLT (clique aqui).
O objetivo do Estados estrangeiros e dos Organismos internacionais de invocar a imunidade jurisdicional para os atos de mera gestão nada mais é do que solicitar a permissão do judiciário para ignorar o ordenamento legal trabalhista vigente, em detrimento dos trabalhadores, que pleiteiam direitos legítimos.
A submissão do Estado estrangeiro e conseqüentemente dos demais entes de Direito Público ao poder judiciário trabalhista é evidente, ante o teor do artigo 114, da CF/88 (clique aqui), que torna competente a Justiça do Trabalho para dirimir questões atinentes da relação de trabalho e de emprego, tratando-se de entes de Direito Público externo.
Diante disso, evidente que as imunidades de jurisdição e execução não têm aplicabilidade, já que não são aplicáveis em caso de descumprimento as leis trabalhistas brasileiras.
Ementa: IMUNIDADE JURISDIÇÃO. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. MATÉRIA TRABALHISTA. A evolução do direito das gentes, originada pela dinâmica do relacionamento dos Estados soberanos, ensejou a gênese de novas concepções sobre a imunidade absoluta, que não mais prevalece para toda sorte e natureza de atos jurídicos. A prática consuetudinária, pilar do Direito Internacional Público desde a convenção Européia de 1972 vem revelando que os atos de gestão são tuteláveis pela justiça da nação que são praticados. A convenção de Viena, por sua vez, assegura a imunidade aos agentes diplomáticos, e não pessoas jurídicas de direito público externo. Em se tratando de litígio de natureza trabalhista, não há de se falar em imunidade, pelo que é sujeita a organização internacional à jurisdição brasileira. Origem: BJ-JUN 94 - RO 5213-97 – 10ª REGIÃO JULGADO EM 21/07/1998 - PUBLICAÇÃO: DJ DE 31/07/98, SEÇÃO III, PAG. 18 REL. JUIZ JOÃO AMILCAR PAVAN TURMA: 1ª
No mesmo sentido:
"Não há como se falar em imunidade de jurisdição quando tais entes praticam meros atos de gestão, como a contratação de empregados. A imunidade de jurisdição não subsiste mais no panorama internacional, tampouco na jurisprudência de nossas Cortes Trabalhistas, pois se deve levar em conta a natureza do ato motivador da instauração do litígio" (Min. Rel. Aloysio Corrêa da Veiga, AIRR-738.594/2001.6).
No STF a questão foi pacificada em 30 de abril de 2002, quando os Ministros da 2ª turma proferiram decisão, nos autos do Agravo Regimental em Recurso Extraordinário 222.3684/PE, acompanhando por unanimidade, o relatório do Ministro Celso de Melo.
Nos termos dessa decisão as pessoas jurídicas de Direito Público externo estão sujeitas à jurisdição Brasileira em causas trabalhistas, e assim aos Juízes e Tribunais Trabalhistas.
Ademais, unicamente com o escopo de demonstrar a inviabilidade da aplicação da imunidade, verifica-se que esta não se limita unicamente aos organismos internacionais, como já mencionado, mas estende-se aos Estados estrangeiros.
Ementa: IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO. RECLAMAÇÃO TRABALHISTA. ESTADO ESTRANGEIRO. Com o advento da Carta Política de mil novecentos e oitenta e oito, ficou reconhecida a submissão do Estado Estrangeiro à autoridade judiciária Trabalhista. O artigo 114, da Constituição da República prevê a competência da Justiça do Trabalho para conciliar e julgar as controvérsias decorrentes de dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores abrangidos os “entes de direito público externo”. Revista conhecida e provida. Rel. MIN: 107 MINISTRO ALMIR PAZZIANOTTO PINTO Origem: Dia da decisão: 23/02/1995 TRIBUNAL: TST ACÓRDÃO N.º 887 DESCISÃO 23-02-95 PROC: RR N.º 106450 ANO: 1994-TURMA: 04 REGIÃO: 10 UF: DF Tipo do processo: RECURSO DE REVISTA Fonte (Publicação) DJ DATA: 31-03-1995 PG: 08026.
Assim, conclui-se que se tratando de litígio de natureza trabalhista, não há de se falar em imunidade de jurisdição ou de execução, pelo que estão sujeitos os organismos e Estados internacionais à jurisdição brasileira.
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*Advogado do escritório Fenyo e Cunha Sociedade de Advogados
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