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Responsabilidade civil e a dengue

O presente artigo, tem o escopo de alertar a população (sobre seus direitos), bem como, os administradores públicos (sobre seus deveres) em relação a responsabilização civil nos casos que tem envolvido o surto de dengue.

24/5/2010


Responsabilidade civil e a dengue

Rodrigo Vallejo Marsaioli*

O presente artigo, tem o escopo de alertar a população (sobre seus direitos), bem como, os administradores públicos (sobre seus deveres) em relação a responsabilização civil nos casos que tem envolvido o surto de dengue.

A motivação para tal exposição, se deu – acima de tudo – pelas matérias vinculadas no Jornal A Tribuna, de 4/5/10 e 5/5/10, sobretudo no que diz respeito a morte de uma jornalista, em decorrência de uma dengue hemorrágica e o respectivo atendimento empregado.

Neste particular, ressalta-se que, apesar do fato acima ter ocorrido em Santos/SP, este problema tem assolado toda a Baixada Santista e demais localidades deste Brasil. Bem, vamos aos argumentos.

Omissão do Poder Público na prevenção do surto de dengue

O início do aspecto omissivo do Poder Público tem início no "Contrato Social", escrito por Rosseau (onde se estabelece um acordo entre indivíduos para se criar uma Sociedade, e só então um Estado, isto é, o Contrato é um Pacto de associação, não de submissão). Como assim (?), um leitor mais atento poderia questionar. Explico:

O povo, através do voto, confere legitimidade e autonomia para que seus representantes, in casu, o Poder Executivo, para que possa mediante a receita obtida com os tributos executar seu plano de governo, que – fatalmente – dentre seus objetivos estão a Saúde (ainda mais quando: tutelado pela Lei de Responsabilidades Fiscais, e, fiscalizado pelo Tribunal de Contas e Ministério Público).

Assim, dentre das responsabilidades dos órgãos público de saúde, encontra-se o dever do evitar este tipo de surto.

Colocado, desta forma, a omissão (acima citada), inicia-se no fato quando o cidadão contrai dengue, posto que, denota-se que o serviço público de saúde, em caráter preventivo, não foi eficiente e (nem mesmo) eficaz o suficiente para evitar a crise epidêmica de dengue em toda sua localidade.

A mídia escrita e televisa, há tempos, já vem noticiando sobre o surto de dengue que tem ocorrido, e, isto é relevante, pois retira o caráter da imprevisibilidade que fatalmente o Poder Público poderia suscitar.

As notícias na mídia e as experiências apontadas pelos profissionais da área (médicos plantonista e infectologistas) deixam clara a existência de falha do serviço a ensejar a responsabilização do Ente Público, na medida em que seus agentes se omitiram, por vezes, na solicitação de exames laboratoriais que poderiam ter levado ao diagnóstico da dengue hemorrágica que venha a causar a morte da vítima, bem como, na tomada de medidas efetivas para contenção e para debelar do surto de dengue que nos assola.

É incontestável que os Municípios da Baixada Santista, encontram-se assolados por epidemia de dengue, consoante se infere dos recortes das notícias vinculadas tanto nas mídias: escritas, eletrônica, faladas e televisas. Em razão da aludida epidemia, os Departamentos de Vigilância Epidemiológica da Secretarias Municipais de Saúde (ou a ela equivalente) tem expedido circulares e orientações, exortando a realização de exames que permitissem a identificação da doença e regular tratamento.

Portanto, a evolução anual não deixa margem de dúvida quanto à inércia e omissão, que no campo jurídico, diz-se: negligência, imprudência e imperícia.

Falha no atendimento médico/hospitalar/ambulatorial

Superado o foco em relação a omissão (falha no serviço disponível) preventiva do poder Público (em evitar e controlar o surto epidemiológico), passemos a examinar o aspecto clínico/hospitalar/ambulatorial que tem sido empregado à população em relação a esta doença.

Por vezes, os cidadãos têm chego aos hospitais e postos de saúde com quadro de febre, congestão nasal, dor no corpo e de garganta, etc. E, também por vezes, tão-somente, tem-lhes sido prescrito com antibióticos e/ou antitérmicos, liberando-se, em seguida, o cidadão, sem determinar a realização de qualquer exame, não obstante os sintomas apresentados pelos mesmos, o qual assemelham-se aos verificados em pessoas acometidas de dengue em seu estado mais grave.

Desta feita, outra conclusão não de pode extrair, senão a de concluir pela negligência dos agentes do Poder Público na prestação de um adequado tratamento de saúde à vítima diante da doença recorrente na região, pois as queixas apresentadas, de maneira geral, indicam um quadro compatível com um quadro viral, não podendo ser descartado a dengue.

De mais a mais, o diagnóstico das doenças infecciosas às vezes confunde-se, pois tem uma mesma apresentação clínica. Porém, pela existência de uma epidemia de "dengue" na região, emerge – naquele momento - um alerta para todo profissional de saúde, para um diagnóstico mais preciso. Isto porque, se, caso haja um diagnóstico correto de doente, desde a primeira vez em que esteve no Hospital/Posto de Saúde, o progresso do dengue poderá ser evitado ou, ao menos, retardado.

Assim, devem os funcionários na assistência médica e hospitalar, utilizar-se de meio hábil a formular diagnóstico correto e evitar o progresso da doença, com a determinação imediata dos exames médicos necessários, principalmente por estar a localidade, neste momento, atingida por epidemia de dengue.

Vale ressaltar, a inércia e o descumprimento dos protocolos médicos acima, independentemente das instâncias civil e criminal, o próprio Poder Público pode determinar a abertura de procedimento administrativo para apuração do ocorrido (a negligência, a imperícia e a imprudência de seus prepostos).

Teoria da perda de uma chance

Por fim, ainda de forma incipiente, começam a surgir casos de indenização pela perda de uma chance, teoria francesa segundo a qual o médico – pelo erro no diagnóstico - responde por inviabilizar a cura de uma doença.

É o caso, por exemplo, do não diagnóstico de dengue de fácil constatação e que só vem a ser descoberto muito tempo depois, quando as chances de cura já quase se esvaíram. A este respeito, são (já) numerosos os precedentes jurisprudenciais: TJ/SP, 06ª Câmara de Direito Privado; Apelação com Revisão nº 312.080-4/0-SP; Rel. Des. Magno Araújo; julgado em 02/09/04; vu; BAASP, 2.398/966-e, de 20/12/04; TJ/MG, 17ª Câmara Cível, Processo nº 2.0000.00.503605-7/002, Rel. Desª. Márcia de Paoli Balbino; RT 533/85.

Além disso, sabe-se que a responsabilidade da pessoa jurídica de direito público, quando omissiva, se caracteriza sob duas espécies, a saber, omissão genérica e específica. Ou seja, a responsabilidade estatal se apresenta com feição objetiva, bastando, somente, a prova do fato, do dano e do nexo de causalidade para que o dever de responsabilidade do ente público exsurja. É o que se verifica, nestes casos, uma vez que a inércia administrativa constitui causa direta (e imediata) do não impedimento do dano. A este respeito, confira-se: JTJ 204/89; RT 671/158.

Firme nestes argumentos, e, respeitando as opiniões em contrário, SMJ, entendo que presentes os pressupostos da responsabilidade objetiva do Estado, ou seja, a omissão dos médicos do Município, o dano (morte/lesão – parcial ou permanente - da vítima) e o nexo causal entre eles, resta evidenciado o dever de indenizar.

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*Sócio do escritório Marsaioli & Marsaioli Advogados Associados





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