A anistia e o STF
Jorge Rubem Folena de Oliveira*
Muitos desses brasileiros tiveram que se esconder para não morrer, outros precisaram ir para o exterior, abandonando suas famílias, amigos, trabalhos e estudos.
Os ocupantes do poder propuseram, em 1979, a "anistia, ampla, geral e irrestrita", para que os trabalhadores perseguidos, aqui ou no exterior, pudessem retomar suas vidas no país.
Ora, qualquer documento nestas bases é nulo de pleno direito. Isto é regra jurídica elementar, seja na ordem constitucional outorgada durante o regime militar, seja também na atual, promulgada em 1988 (clique aqui), assim como em qualquer outro país. A coação contaminou a referida lei. Contudo, não a tornou legitima para o "perdão" ou "esquecimento" geral das atrocidades do passado.
Vale lembrar que a ditadura permaneceu firme até 1985, ou seja, depois de sancionada a lei de anistia vários atos bárbaros foram praticados contra instituições e trabalhadores brasileiros, como os atentados à Ordem dos Advogados do Brasil em agosto de 1980, ao Jornal Tribuna da Imprensa em março de 1981 e ao Riocentro, nas comemorações do dia do trabalhador em 1981.
Desta forma, é impossível numa análise razoável acreditar que Constituição em vigor tenha permitido a manutenção de uma lei, fruto da coação, para perdoar quem tenha praticado atos de violência contra instituições e brasileiros, sob a proteção do Poder Público então vigente.
O atual presidente do STF, no julgamento da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 153, manifestou que "a lei de anistia é fruto de um acordo de quem tinha legitimidade social e política para, naquele momento histórico, celebrá-lo." (Notícias STF, de 29/04/10).
Porém, o ministro Peluso esqueceu que os supostos legitimados para celebrar o dito acordo conquistaram o poder do Estado pela força e não pela vontade popular, que é princípio fundamental da Constituição do Brasil (art. 1º, § único).
Saliente-se ainda que os atos praticados durante regime de exceção são ilegítimos e nulos. Assim, quem os praticou não pode se socorrer da regra jurídica da prescrição, por se tratarem de usurpadores do poder político institucional.
O ato nulo nunca se convalida, sendo que na hipótese prevalece o sentido inverso, qual seja: os efeitos da violência e agressão (atos irregulares) não podem ser varridos para baixo do manto da prescrição, uma vez que se perpetuam pelo tempo até serem julgados de acordo com as regras jurídicas democráticas, que deixaram de vigorar no regime de exceção.
Com efeito, quem estava à frente do Estado jamais poderia praticar qualquer delito, ainda mais contra os direitos humanos, um dos pilares do pensamento contemporâneo.
Portanto, não se está diante de uma questão de revanchismo ou perseguição a qualquer pessoa, mas da busca da verdade histórica para se manter íntegra a memória nacional e assegurar o direito natural dos violentados e suas famílias de saber quem foram os mandantes e executores, assim como exigiu Antígona para garantir o enterro digno de seu irmão.
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*Sócio do escritório e Folena, Jordão e Barbosa Advogados & Consultores. Presidente da Comissão Permanente de Direito Constitucional do IAB - Instituto dos Advogados Brasileiros
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