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Breves considerações sobre consórcio

Quando duas ou mais pessoas se obrigam mutuamente em direitos e deveres temos um contrato. Para que haja contrato é preciso a existência de três características:

27/4/2010


Breves considerações sobre consórcio

André Gonçalves de Arruda*

1.1. Do Consórcio

Quando duas ou mais pessoas se obrigam mutuamente em direitos e deveres temos um contrato. Para que haja contrato é preciso a existência de três características:

a) objeto lícito;

b) pessoas capazes;

c) forma não prescrita em lei;

Por objeto lícito se entenda aquilo que a lei permite, ou antes, aquilo que não proíbe.

Por pessoas capazes entendemos aquelas que tenham personalidade reconhecida por lei (pessoas físicas ou jurídicas), com capacidade para assumir obrigações. Menores não podem contratar por si próprios, precisam de alguém que os assista, por exemplo.

Forma não prescrita em lei significa dizer que alguns contratos têm formalidades que a lei obriga, como, por exemplo, a alienação de carros (DUT - Recibo), a compra e venda de imóveis (escritura) ou o contrato de trabalho (na Carteira de Trabalho).

Assim, os contratos são acordos de vontades entre duas (ou mais) pessoas, capazes de exprimir livremente esse acordo. Quando esse contrato resulta em certas características, ganhando unicidade e se exprimindo de forma orgânica, temos uma sociedade. As sociedades, em princípio, quando obedecem às obrigações de formalização e registro, têm personalidade jurídica e podem ser sujeito de direitos e obrigações.

Entre o contrato que não é ainda sociedade e a sociedade constituída, contudo, temos um tipo de acordo híbrido. Esse acordo é o consórcio.

O consórcio é regulamentado pela lei 6.404/76, a lei das sociedades por ações (LSA - clique aqui). Cumpre salientar que a lei 6.404/76, apesar de elaborada para regular as sociedades por ações, em vários de seus pontos normatiza a vida de vários outros tipos societários. Logo, pode ser cabível achar normas societárias nessa lei que atinjam a todas as sociedades em vigor no Brasil.

Dispõe o artigo 278 da lei 6.404/76:

Art. 278. As companhias e quaisquer outras sociedades, sob o mesmo controle ou não, podem constituir consórcio para executar determinado empreendimento, observado o disposto neste Capítulo.

Ao conferir a redação do artigo 278 fica claro que o consórcio pode se aplicar a todos os tipos societários, inclusive sociedades civis, mas somente pode ser composto por sociedades, não por pessoas naturais ou outro tipo de organização que não seja sociedade. Naturalmente que se entende associação como sociedade, já que a lei não distingue entre os dois tipos.

1.2. Consórcio e Sociedade

As diferenças começam no próprio conceito: o consórcio é feito por quem quer juntar esforços coletivos, mas não quer virar sócio.

Já os efeitos legais também são distintos. Se nas sociedades o grupo ganha uma nova identidade, no consórcio isso não ocorre. O parágrafo primeiro do artigo 278 da lei 6.404 deixa isso bem claro:

§ 1º O consórcio não tem personalidade jurídica e as consorciadas somente se obrigam nas condições previstas no respectivo contrato, respondendo cada uma por suas obrigações, sem presunção de solidariedade. (grifos nossos)

Como se trata de um instituto jurídico que se posiciona entre a sociedade e o contrato (que não é de sociedade), insta ressaltar o que faz com que uma sociedade exista. Veja o que dizem os artigos 981 do Novo Código Civil (clique aqui) e 305 (Código Comercial - clique aqui):

Novo Código Civil

Art. 981 - Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividades econômicas e a partilha, entre si, dos resultados.

Parágrafo único. A atividade pode restringir-se à realização de um ou mais negócios determinados.

Código Comercial

Art. 305 - Presume-se que existe ou existiu sociedade, sempre que alguém exercita atos próprios de sociedade, e que regularmente se não costumam praticar sem a qualidade social.

1.3. Consórcio informal

Quase todas as características levantadas nos artigos 981 e 305 acima citados, também ocorrem no consórcio. O artigo 305 do Código Comercial, na verdade, estipula que as sociedades podem existir mesmo que não registradas. O resultado, contudo, da falta de registro é a responsabilidade solidária entre os sócios. Assim, sabendo-se que no consórcio não há intenção de criar uma sociedade, para que não se confunda com uma é necessário e fundamental o registro.

Quando temos um consórcio informal, por ocorrerem as características descritas nos artigos 981 e 305, teremos, provavelmente, uma sociedade informal. Nas sociedades formais, que são regidas por documentos escritos e previstos em lei, a responsabilidade dos sócios é distinta da responsabilidade da sociedade. Nas informais, a responsabilidade dos sócios é solidária e ilimitada em respeito às responsabilidades da sociedade.

Veja o que a doutrina e a jurisprudência afirmam sobre o assunto.

Rubens Requião, cita distinção defendida por Waldemar Ferreira, "pela qual os sócios às vezes deixam de reduzir a escrito seu ajuste, e "a sociedade assim constituída, vive, funciona e prospera". Mas vive de fato. Como sociedade de fato se considera"; e, "outras vezes, ela se organiza por escrito. Articulam-se os dispositivos da lei social. O contrato, porém, não se arquiva no Registro do Comércio. A sociedade é, por isso, irregular". ("Curso de Direito Comercial", Editora Saraiva, vol. 1º/286). É ainda o insigne comercialista que, em outra de obra, completa: "Tanto uma como outra, essas sociedades não possuem personalidade jurídica. Os sócios são, por isso, individualmente responsáveis e solidários, pelas obrigações sociais" ("Curso de Direito Falimentar", Editora Saraiva, vol. 1º/52).

Realmente, o que torna irregular a sociedade é a ausência de registro de seus atos constitutivos, em razão do que não adquire ela personalidade jurídica. Consequentemente, os sócios se tornam responsáveis e solidários pelas obrigações sociais.

Enfim, se há mera sociedade de fato, simples "nome", por trás existem os sócios, com responsabilidade ilimitada, mormente em se tratando de pedido de indenização decorrente de ilícito penal e civil.

Aplica-se nesses casos o conceito do artigo 264 e 265 do Novel Código Civil:

"Art. 264 – Há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda."

"Art. 265 – A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes."

Logo, para se ter um consórcio ou uma sociedade é bastante aconselhável que se faça da forma como a lei indica, com todos os registros.

1.4. Formação de Consórcio

Está previsto no artigo 278 da Lei de Sociedades Anônimas. Trata-se de uma "comunhão de interesses e atividades que atende a específicos objetivos empresariais, que se originam nas sociedades consorciadas e delas se destacam". O consórcio é formado para acumular meios para a consecução de um fim comum (consórcio operacional), ou para somar recursos para contratarem com terceiros a execução de determinados serviços, obras, ou concessões (consórcio instrumental).

O consórcio decorre de um contrato firmado entre duas ou mais sociedades com atividades em comum e complementares, que objetivam juntar esforços para a realização de determinado empreendimento.

O consórcio de que trata a lei societária tem caráter mercantil. Pode, inclusive, objetivar a distribuição de lucros, ainda que não possua capital próprio. Nesse sentido, o consórcio não tem como finalidade constituir uma nova pessoa jurídica. A sua duração tende a ser sempre curta, determinada, coincidente sempre com o término de sua finalidade específica. A personalidade jurídica das contraentes jamais se confunde com o consórcio, pois o fim daquelas é muito mais abrangente e que possuem tempo de duração longo ou indeterminado.

Formam os consórcios, centros autônomos de relações jurídicas entre as consorciadas, tendo cada uma delas função diversa e identificada quanto aos meios, recursos e aptidões.

Também característica do consórcio é a sua autonomia administrativa. O seu poder de agir se faz em nome das sociedades que o compõem. A sua autonomia se caracteriza pelo instrumento de mandato, decorrente do próprio contrato. Ocorre o mandato para que o consórcio possa exercer a sua capacidade negocial junto a terceiros.

A função do consórcio é permitir a colaboração empresarial em determinadas atividades sem que as consorciadas percam a sua personalidade jurídica ou assumam legalmente solidariedade pelas suas obrigações referentes ao consórcio. Sendo assim, o instituo do consórcio dá condições para que as consorciadas, em determinadas tarefas, participem apenas somando recursos técnicos e/ou financeiros, apenas temporariamente.

Nos consórcios instrumentais, ou seja, aqueles destinados a permitir a celebração de contratos com terceiros, o Poder Público geralmente determina que as sociedades consorciadas atribuam a uma delas o poder de liderança. Nesse caso, a direção, a representação e a administração do consórcio recairão sobre a escolhida, ficando esta responsável pelas demais consorciadas, perante terceiros e perante a própria contratante pelas responsabilidades assumidas pelo consórcio.

Uma das diferenças fundamentais entre consórcio e grupos de sociedades é que aquele é celebrado visando à consecução de um determinado empreendimento ou a contratação com terceiro. Já no grupo de sociedade os objetivos empresariais são amplos e duradouros. Daí poder ser a convenção por tempo indeterminado. Já no consórcio, o prazo será limitado pelo termo, ou pelo término do empreendimento ou da celebração do contrato com o terceiro.

Os consórcios podem ser classificados em abertos ou fechados. Abertos são aqueles que admitem a entrada de uma nova sociedade que queira fazer parte do consórcio no decorrer do prazo de sua duração. No contrato consorcial é que devem estar claramente às hipóteses de ingresso e dos requisitos, de caráter objetivo e subjetivo, que a sociedade ingressante deverá preencher e se submeter. Inexistindo algum desses quesitos, ocorrerá o veto da entrada.

1.5. Características formais de registro e a tributação incidente

1.5.1. Personalidade jurídica

O consórcio não cria uma nova personalidade jurídica. Assim, quando alguém assina pelo consórcio o faz porque tem permissão contratual para tanto. Quando a organização atua em consórcio é responsável somente por seus atos e pelas obrigações que assumiu face aos outros consorciados.

Assim, por exemplo, se a obrigação de uma das consorciadas é captar recursos para aplicar no projeto que motivou o consórcio e, a de outra consorciada é executar o projeto, o financiador pode exigir de quem captou a aplicação dos recursos no projeto, mas não a execução dele, que somente pode ser exigida frente a quem se obrigou no consórcio a executar o projeto.

1.5.2. CNPJ

Embora não tenha personalidade jurídica, o consórcio deve ter CNPJ (cadastro nacional da pessoa jurídica), tem que ter sede e pessoa jurídica líder. O instrumento que regulamenta isso é uma orientação da Secretaria da Receita Federal (IN SRF 105/84) que diz da obrigatoriedade de inscrição no cadastro para o consórcio que pagar rendimentos sujeitos a retenção na fonte ou auferir rendimentos de suas atividades.

1.5.3. Impostos e contrato de trabalho

Como não tem personalidade jurídica, não recolhe tributos como Cofins, Pis, Imposto de Renda, ICMS, IPI ou ISS. Quem o faz são as consorciadas, na razão de suas atividades e arrecadações, quando atuam pelo consórcio. Os impostos recolhidos na fonte serão objeto de contabilidade posterior de cada organização que o compuser, na forma que estiver descrito no contrato, compensando-se o que tiver de ser compensado. Por não ter personalidade jurídica, o consórcio não fatura, não apura lucro, não contrata e, portanto, não pode ser contribuinte de impostos. Todavia, por contraditório que possa parecer, é possível que o consórcio mantenha relação de trabalho, o que obriga solidariamente aos consorciados frente ao empregado (ref. artigo 2º, e §§ da CLT - clique aqui). Os recolhimentos do INSS e do FGTS, nesses casos, obedecerá à legislação própria em vigor.

1.5.4. Contabilidade

A contabilidade do consórcio pode ser mantida em apartado, mas, ao final, vai integrar a contabilidade de cada uma das organizações consorciadas no que disser respeito à sua participação no contrato de consórcio. A falência ou insolvência de alguma das consorciadas não se estende às outras, mantendo-se o consórcio.

1.5.5. Registro do contrato de consórcio

O contrato de consórcio, para não resultar em sociedade, de fato deve ser arquivado no cartório. O cartório em questão é o registro de comércio, também conhecido como junta comercial. Isso ocorre mesmo se tratando de sociedades civis e apesar delas, independentemente da finalidade lucrativa ou não. Para o setor não é novidade, as cooperativas também são registradas no registro comercial e nem por isso são sociedades comerciais ou tem finalidade lucrativa.

"Art. 279.(...)

Parágrafo único. O contrato de consórcio e suas alterações serão arquivados no registro do comércio do lugar da sua sede, devendo a certidão do arquivamento ser publicada."

1.6. Conclusão

O consórcio é um meio de se organizar iniciativas orgânicas entre sociedades, sem que se estabeleça entre elas outro vínculo social. É especialmente adequado aos projetos, para captar e aplicar recursos sem que esses se confundam com os recursos e atividades próprias e distintas de cada organização. O incremento na capacidade negocial de quem compõe um consórcio é sempre um fator importante para a implementação de projetos frente a terceiros, deixando os componentes mais competitivos. A falta de experiência nesse caso, contudo, não deriva somente de preconceitos do terceiro setor, mas de toda sociedade brasileira. O consórcio, embora antigo, costuma ser usado somente por grandes corporações, especialmente para contratar com o poder público.

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*Sócio do escritório Sevilha, Andrade, Arruda Advogados

 

 

 

 

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