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Considerações e parecer sobre dispositivos da lei de taxas judiciárias

Com o advento da Lei n° 11.608, de 29 de dezembro de 2003, foram estabelecidos novos valores e percentuais a título de Taxas Judiciárias no Estado de São Paulo.

15/3/2005


Considerações e parecer sobre dispositivos da lei de taxas judiciárias do Estado de São Paulo (Lei n° 11.608, de 29.12.2003)

Marcelo Knopfelmacher*

I - Linhas Introdutórias

Com o advento da Lei n° 11.608, de 29 de dezembro de 2003, foram estabelecidos novos valores e percentuais a título de Taxas Judiciárias no Estado de São Paulo.

Referida Lei estabelece o fato gerador da Taxa Judiciária e a sua ocorrência quando “da prestação de serviços públicos de natureza forense, devida pelas partes ao Estado, nas ações de conhecimento, na execução, nas ações cautelares, nos procedimentos de jurisdição voluntária e nos recursos”, nos termos do seu artigo 1°.

Ainda nos termos da referida Lei, são estabelecidos os atos abrangidos pela Taxa Judiciária, dentre os quais incluem-se “todos os atos processuais, inclusive os relativos aos serviços de distribuidor, contador, partidor, de hastas públicas, da Secretaria dos Tribunais, bem como as despesas com registros, intimações e publicações na Imprensa Oficial, nos termos do seu artigo 2°, caput.

De acordo com os incisos I a X do supra mencionado artigo 2° da Lei n° 11.608/2003, não se incluem na taxa judiciária: as publicações de editais, as despesas com o porte de remessa e retorno dos autos, no caso de recurso, as despesas postais com citações e intimações, a comissão dos leiloeiros e assemelhados, a expedição de certidão, cartas de sentença, de arrematação, de adjudicação ou de remição, e a reprodução de peças do processo, a remuneração do perito, assistente técnico, avaliador, depositário, tradutor, intérprete e administrador, a indenização de viagem e diária de testemunha, as consultas de diligências dos Oficiais de Justiça, salvo em relação a determinados mandados e, por fim, todas as demais despesas que não correspondam aos serviços relacionados no caput do artigo 2°.

Ocorre que, ao definir os valores mínimo e máximo a serem suportados pelas partes, a Lei em questão os fixou da seguinte forma:

Art. 4° - O recolhimento da taxa judiciária será feito da seguinte forma:

I – 1% (um por cento) sobre o valor da causa no momento da distribuição ou, na falta desta, antes do despacho inicial; essa mesma regra se aplica às hipóteses de reconvenção e de oposição;

II – 2% (dois por cento sobre o valor da causa), nos termos do artigo 511 do Código de Processo Civil, como preparo da apelação e do recurso adesivo, ou, nos processos de competência originária do Tribunal, como preparo dos embargos infringentes;

III – 1 % (um por cento) ao ser satisfeita a execução.

§ 1° - Os valores mínimo e máximo a recolher-se, em cada uma das hipóteses previstas nos incisos anteriores, equivalerão a 5 (cinco) e a 3000 (três mil) UFESPs – Unidades Fiscais do Estado de São Paulo, respectivamente, segundo o valor de cada UFESP vigente no primeiro dia do mês em que deva ser feito o recolhimento.”1 (destacou-se)

Como se verifica da parte do dispositivo legal supra transcrito, pretende-se exigir, a título de Taxa Judiciária, valores calculados sobre o valor da causa (1% na distribuição; e, cumulativamente, 2%, na hipótese de recurso), que variam entre 5 e 3000 UFESPs.

O valor máximo, de 3000 UFESPs (atualmente correspondendo a R$ 37.470,00, ou seja, a 144,11 salários mínimos!!!), para a distribuição de uma ação judicial, ou para a interposição de um recurso, nos parece pouco razoável e até mesmo destituído de causa, diante das disposições constitucionais que consagram o direito fundamental de amplo e irrestrito acesso à Justiça.

É o que se passa a expor, após a análise da natureza jurídica e fundamento constitucional da Taxa Judiciária, visando uma reflexão profunda e crítica sobre o dispositivo da Lei em comento.

II - Taxa Judiciária: Sua Natureza Jurídica e as Disposições do Artigo 145, II da Constituição

Como é de conhecimento, as Taxas, inclusive a Judiciária, têm natureza tributária, encontrando-se abrangidas pela espécie dos tributos ditos vinculados.

Sua vinculação (ou seja, o produto da sua arrecadação), nos termos do texto constitucional, tem por fundamento de validade o custeio (i) do exercício do poder de polícia (que não é o caso da Taxa Judiciária); ou (ii) dos serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição (caso da Taxa Judiciária). É o que dispõe textualmente o artigo 145, II, da Constituição, nos seguintes termos:

“Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

(...)

II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição;

(...)”.

Como se verifica do dispositivo constitucional supra transcrito, a Taxa Judiciária decorre da utilização, efetiva ou potencial, pelo jurisdicionado-contribuinte, daqueles serviços públicos específicos e divisíveis (taxativamente referidos no caput do artigo 2° da Lei de que se cuida; e exaustivamente pormenorizadas as hipóteses de serviços não abrangidos, de acordo com os incisos I a X do mesmo artigo 2°) a ele – jurisdicionado-contribuinte – prestados, ou postos à sua disposição.

Diante dessa natureza jurídica e fundamento constitucional, já é possível averiguar que uma Taxa Judiciária, calculada sobre o valor da causa, contendo como limite máximo para seu recolhimento o valor de R$ 37.470,00, está em desacordo com as disposições do Texto Maior, que autorizam a sua própria instituição.

Com efeito, se a Taxa Judiciária tem sua razão de ser condicionada à prestação de serviço público, específico e divisível, prestado ao jurisdicionado-contribuinte, ou posto à sua disposição, serviço esse que contempla as atividades de “distribuidor, contador, partidor, de hastas públicas, da Secretaria dos Tribunais, bem como as despesas com registros, intimações e publicações na Imprensa Oficial”, como admitir que o custo desse serviço possa atingir, individualmente por processo, o valor de R$ 37.470,00 (trinta e sete mil, quatrocentos e setenta reais)?

Não parece razoável, data venia, admitir que o custo de um processo judicial, em razão das atividades de “distribuidor, contador, partidor, de hastas públicas, da Secretaria dos Tribunais, bem como as despesas com registros, intimações e publicações na Imprensa Oficial” possa atingir o valor de R$ 37.470,00 (ou seja, a 144,11 salários mínimos).

Registre-se que quando se diz o custo de um processo – individualmente considerado – é exatamente esse o limite objetivo que, validamente, deve ser de fato levado em consideração, para apuração do custo do serviço público.

Isto porque, nos termos do artigo 145, II, da Constituição, conforme já visto, a Taxa Judiciária tem por fundamento (vale dizer, a sua própria razão de ser) o serviço decorrente da efetiva ou potencial utilização pelo jurisidicionado-contribuinte, o que pressupõe necessariamente o custo – ainda que potencial – de cada processo judicial, individualmente considerado.

Daí porque, não sendo razoável o limite máximo a ser recolhido a título de Taxa Judiciária, autorizado pela Lei em questão, é que se impõe, efetivamente, uma reflexão crítica sobre a sua validade, perante as disposições constitucionais.

III - Taxa Judiciária: Apontamentos sobre sua Destinação

Observe-se, ainda, que a confirmar o real descompasso e desproporcionalidade do limite máximo de que se cuida, a própria Lei n° 11.608/2003, em seu artigo 9°, denuncia que os valores arrecadados a título da Taxa Judiciária em questão integrarão fundos especiais destinados à expansão, aperfeiçoamento e modernização do Poder Judiciário do Estado, nos seguintes termos:

“Artigo 9º - Do montante da taxa judiciária arrecadada, 10 % (dez por cento) serão destinados ao custeio das diligências dos Oficiais de Justiça indicadas no inciso IX do parágrafo único do artigo 2º desta lei, e 21% (vinte e um por cento), ao Fundo Especial de Despesa do Tribunal de Justiça instituído pela Lei nº 8.876, de 2 de setembro de 1994, e 9% (nove por cento) distribuídos, em partes iguais, aos Fundos Especiais de Despesas do Primeiro Tribunal de Alçada Civil, do Segundo Tribunal de Alçada Civil e do Tribunal de Alçada Criminal, instituídos pela Lei nº 9.653, de 14 de maio de 1997, para expansão, aperfeiçoamento e modernização do Poder Judiciário do Estado.”

É que, não obstante o nobre propósito de se constituir fundos especiais para expandir, aperfeiçoar e modernizar o Poder Judiciário Paulista, tais fundos não deveriam, teoricamente, ser custeados por taxas – e sim por impostos – exatamente em razão do que autoriza, e ao mesmo tempo delimita, o artigo 145, II da Constituição.

Em outras palavras: não há fundamento jurídico constitucional que autorize a instituição de taxas que, aberta e escancaradamente, irão custear fundos voltados à modernização e aperfeiçoamento do Poder Judiciário.

Com efeito, admitir essa destinação – ainda que louvável – às Taxas Judiciárias é admitir que a sua arrecadação e cobrança será superavitária, ou seja, em montante superior ao serviço público prestado – ou posto à disposição – do jurisdicionado-contribuinte.

Não fossem suficientes as disposições do artigo 145, II da Constituição para estabelecer limites objetivos à instituição de Taxas Judiciárias, o artigo 99 da Constituição, autoriza conclusão absolutamente similar.

Isto porque, ao dispor sobre a autonomia administrativa e financeira do Poder Judiciário, a Constituição da República estabelece que “Os tribunais elaborarão suas propostas orçamentárias dentro dos limites estipulados conjuntamente com os demais Poderes na lei de diretrizes orçamentárias.” (artigo 99, parágrafo 1°, da Constituição Federal).

É dizer, para efeito de se modernizar e expandir o Poder Judiciário, no contexto da sua autonomia administrativa e financeira, o instrumento constitucionalmente adequado é a Lei de Diretrizes Orçamentárias, e não a Lei de Taxas Judiciárias.

Por mais essa evidente razão é que nos parece desproporcional, considerando as próprias disposições da Lei em questão (notadamente o seu artigo 9°), o limite máximo para recolhimento da Taxa Judiciária de que se trata.

Mas não é só.

IV - Taxa Judiciária: Limite Máximo que Inviabiliza o Acesso à Justiça e Produz Tributação com Efeito de Confisco

O acesso – amplo e irrestrito – à Justiça é direito fundamental, e vem consagrado no inciso XXXV do artigo 5° da Constituição, segundo o qual “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.”

Nos termos desse dispositivo, que prestigia em sede de cláusula pétrea a inafastabilidade do controle jurisdicional, verifica-se, pela sua própria literalidade, que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

No caso das presentes Considerações, é evidente que o limite máximo a ser suportado a título de Taxa Judiciária é providência legislativa que colide com o supra referido princípio constitucional, uma vez que faz excluir, por vias transversas, do controle jurisdicional, lesão ou ameaça a direito.

Com efeito, se o custo para se acessar o Judiciário pode vir a corresponder a R$ 37.470,00 (trinta e sete mil, quatrocentos e setenta reais), como pretender admitir que essa condição (o recolhimento dessa Taxa) não está a impedir a eficácia do princípio constitucional de amplo e irrestrito acesso à Justiça.

A Taxa em questão, dada a própria desproporcionalidade e irrazoabilidade do seu limite máximo, viola, na perspectiva dinâmica da sua aplicação, o disposto no artigo 5°, XXXV, da Constituição Federal.

E nem se alegue que, por ser aferida mediante aplicação proporcional sobre o valor da causa, a Taxa em questão seria, por assim dizer, proporcional e razoável.

Não. Essa é, data venia, uma premissa falsa, que implica uma conclusão igualmente falsa.

Isto porque, admitir a proporcionalidade da cobrança da taxa em questão implica também admitir – necessariamente – que todos os jurisdicionados-contribuintes tenham causas compatíveis com sua capacidade contributiva.

Como se vê, a premissa é absolutamente falsa, por duas razões: (a) nem sempre os jurisdicionados-contribuintes se vêem envolvidos em causas compatíveis com sua capacidade contributiva (como é o caso, por exemplo, de imposições fiscais, surgidas de interpretação distorcida da legislação tributária, mediante a imposição de pesadas multas e juros, as quais – não raro – vêm a ser anuladas pelo Judiciário; ou ainda, nos casos em que a Administração Tributária, para efeito de evitar a decadência de seus tributos, promove a inscrição em dívida ativa e promove o conseqüente processo de execução fiscal, mesmo quando o suposto débito já se encontra devidamente pago); e (b) a imposição de Taxas, dada a sua própria natureza e fundamento constitucional, deve estar circunscrita ao efetivo ou potencial serviço público posto à disposição do tomador, o que necessariamente invalida a sua cobrança proporcional ao valor da causa, especialmente diante de um limite máximo tão lasso e elevado.

Nesse exato sentido é a magistral lição do eminente Advogado, integrante do MDA, Dr. FABIO BRUN GOLDSCHMIDT, analisando a questão sob a perspectiva do Princípio do Não-Confisco no Direito Tributário, cuja monografia sobre o tema foi encaminhada, a pedido do Departamento de Direito Econômico e Financeiro da Faculdade de Direito da USP, para o Ministério da Educação e Cultura, como uma das melhores dissertações do Programa de Pós-graduação daquela Faculdade:

“Diante desses pressupostos, convém ressaltar a ofensa ao art. 150, IV (que veda a tributação com efeito de confisco), que ocorre nas circunstâncias em que se cobra taxa, sem que seja possível determinar, autonomamente, os alcançados e beneficiados pela prestação do serviço público. Se a taxa é contraprestação pelo serviço prestado, há que ser possível a aferição do vulto do serviço pelo contribuinte, para que se saiba o que (que vantagem lhe foi diretamente outorgada) está sendo objeto de retribuição pelo tributo em questão. Sem isso, fica impossibilitado o controle da medida da remuneração, que poderá tornar-se desproporcional à atuação ensejadora da cobrança. O efeito de confisco verifica-se, assim, pela ausência de parâmetros mensuradores, que colocam em risco a necessária relação de equivalência taxa/serviço.” in O Princípio do Não-Confisco no Direito Tributário, editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 257.

Verifica-se, assim, que no caso do limite máximo da Taxa Judiciária em questão, são flagrantes as incompatibilidades em face do Texto Constitucional, seja por violação ao artigo 5°, XXXV, que consagra o amplo e irrestrito acesso à Justiça, seja por violação ao artigo 150, IV, que veda a tributação com efeito de confisco.

V - A Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

É significativa a jurisprudência do STF, sobre a aplicação do Princípio da Razoabilidade e Proporcionalidade (consagrado pelo devido processo legal na sua concepção substantiva, plasmado no inciso LIV do artigo 5º, LIV, da Carta da República) à atividade legislativa.

Com efeito, nos autos da clássica ADIN nº 1.158-8, o Plenário do STF, acolhendo o voto do relator, o Min. CELSO DE MELLO, reconheceu que: a norma legal, que concede a servidor inativo gratificação de férias correspondente a um terço do valor da remuneração mensal, ofende o critério da razoabilidade que atua, enquanto projeção concretizadora da cláusula do ‘substantive due process of law’, como insuperável limitação ao poder normativo do Estado.” (grifos do original).

Destaca-se a seguinte passagem de seu voto:

“Todos sabemos que a cláusula do devido processo legal – objeto de expressa proclamação pelo art. 5º, LIV, da Constituição – deve ser entendida, na abrangência de sua noção conceitual, não só sob o aspecto meramente formal, que impõe restrições de caráter ritual à atuação do Poder Público, mas, sobretudo, em sua dimensão material, que atua como decisivo obstáculo à edição de atos legislativos de conteúdo arbitrário ou irrazoável.

A essência do ‘substantive due process of law’ reside na necessidade de proteger os direitos e as liberdades das pessoas contra qualquer modalidade de legislação que se revele opressiva ou, como no caso, destituída do necessário coeficiente de razoabilidade.

Isso significa, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio de poder ao plano das atividades legislativas do Estado, que este não dispõe de competência para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando, com o seu comportamento institucional, situações normativas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem o desempenho da função estatal.” (destacou-se)

A observância aos Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade é compulsória no exercício da atividade legislativa, resulta do devido processo legal substantivo que veda a imposição de exigências e/ou restrições abusivas ou desarrazoadas, tal como no caso do limite máximo da Taxa Judiciária em questão, no que diz respeito à sua manifesta transgressão ao Texto Constitucional, sob diversos enfoques.

Especificamente sobre a necessidade de limites objetivos na instituição de Taxas Judiciárias, a jurisprudência da Suprema Corte é extremamente rica e peremptória.

Com efeito, nos autos da ADIN (MC) nº 1.772/MG (julgada em 15.4.1998; DJ de 8.9.2000), assim decidiu o Plenário do STF, na Relatoria do eminente Min. CARLOS VELLOSO:

EMENTA: - CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. TAXA JUDICIÁRIA e CUSTAS: NATUREZA JURÍDICA. TAXA JUDICIÁRIA E CUSTAS: ESTADO DE MINAS GERAIS. Lei Mineira nº 6.763, de 1975, art. 104, §§ 1º e 2º, com a redação do art,. 1º da Lei Mineira nº 12.729, de 30.12.97. Tabela "J" referida no art. 104 da Lei Mineira nº 6.763/75, com a alteração da Lei Mineira nº 12.729/97. Tabelas de custas anexas à Lei Mineira nº 12.732, de 1997, que altera a Lei Mineira nº 12.427, de 1996. I. - Taxa judiciária e custas: são espécies tributárias, classificando-se como taxas, resultando da prestação de serviço público específico e divisível e que têm como base de cálculo o valor da atividade estatal referida diretamente ao contribuinte, pelo que deve ser proporcional ao custo da atividade do Estado a que está vinculada, devendo ter um limite, sob pena de inviabilizar o acesso de muitos à Justiça. Rep. 1.077-RJ, Moreira Alves, RTJ 112/34; ADIn 1.378-ES, Celso de Mello, "DJ" de 30.5.97; ADIn 948- GO, Rezek, Plen., 9.11.95. II. - Taxa judiciária do Estado de Minas Gerais: Lei Mineira nº 6.763, de 26.12.75, art. 104, § 1º e 2º, com a redação do art. 1º da Lei Mineira nº 12.729, de 30.12.97, e Tabela "J" referida no citado art. 104: argüição de inconstitucionalidade com pedido de suspensão cautelar. III. - Custas: Tabelas anexas à Lei Mineira 12.732, de 1997, que altera a Lei Mineira nº 12.427, de 27.12.96, que dispõe sobre as custas devidas ao Estado no âmbito da Justiça Estadual: argüição de inconstitucionalidade: itens I e II, Tabelas "A" e "B" e "C" e "D". IV. - Necessidade da existência de limite que estabeleça a equivalência entre o valor da taxa e o custo real dos serviços, ou do proveito do contribuinte. Valores excessivos: possibilidade de inviabilização do acesso de muitos à Justiça, com ofensa ao princípio da inafastabilidade do controle judicial de lesão ou ameaça a direito: C.F., art. 5º, XXXV. V. - Cautelar deferida.” (destacou-se, votação unânime)

Ou seja, para o Plenário do STF, a Taxa Judiciária que não estabelece limite por meio do qual seja viabilizada relação de equivalência entre o valor da taxa e o custo real dos serviços, ou do proveito do contribuinte, é flagrantemente inconstitucional.

A mesma orientação foi novamente adotada quando do julgamento da ADIN (MC) nº 1.926 (julgada em 19.4.1999; DJ de 10.9.1999), relatada pelo eminente Min. SEPÚLVEDA PERTENCE. A decisão ficou assim ementada:

“EMENTA: I. Taxa Judiciária: sua legitimidade constitucional, admitindo-se que tome por base de cálculo o valor da causa ou da condenação, o que não basta para subtrair-lhe a natureza de taxa e convertê-la em imposto: precedentes (ADIn 948-GO, 9.11.95, Rezek; ADIn MC 1.772-MG, 15.4.98, Velloso). II. Legítimas em princípio a taxa judiciária e as custas ad valorem afrontam, contudo, a garantia constitucional de acesso à jurisdição (CF, art. 5º, XXXV) se a alíquota excessiva ou a omissão de um limite absoluto as tornam desproporcionadas ao custo do serviço que remuneraram: precedentes (Rp 1.077-RJ, 28.3.84, Moreira, RTJ 112/34; Rp 1.074- , 15.8.84, Falcão, RTJ 112/499; ADIn 948-GO, 9.11.95, Rezek; ADIn MC 1.378-5, 30.11.95, Celso, DJ 30.5.97; ADIn MC 1.651-PB, Sanches, DJ 11.9.98; ADIn MC 1.772-MG, 15.4.98, Velloso).

(...)” (destacou-se; votação unânime)

Tanto isso é verdade que, recentemente, foi editada, pela Suprema Corte, a Súmula 667, cujo enunciado prescreve:

Viola a garantia constitucional de acesso à jurisdição a taxa judiciária calculada sem limite sobre o valor da causa.” (DJ de 9.10.2003)

A posição do STF deveria funcionar como um limite à atuação da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, que, ao arrepio do entendimento sumulado da Suprema Corte, passou longe desse limite, ao estabelecer – de maneira até irônica – a trava máxima em R$ 37.470,00 (trinta e sete mil, quatrocentos e setenta reais) para pagamento da Taxa Judiciária.

Também sobre a destinação dos valores arrecadados com a Taxa Judiciária, a jurisprudência do STF é firme em reconhecer a sua inconstitucionalidade, quando existe vinculação do produto da sua arrecadação a Órgão ou Fundo. É o que se verifica do seguinte julgado, nos autos da ADIN (MC) nº 1.889/AM (DJ de 14.11.2002), relatada pelo eminente Min. NELSON JOBIM, nos seguinte termos:

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI 2.429/96 COM AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELA LEI 2.477/97 DO ESTADO DO AMAZONAS. CUSTAS JUDICIAIS. CRIAÇÃO DO FUNDO DE REAPARELHAMENTO DO PODER JUDICIÁRIO - FUNREJ.

É assente a jurisprudência deste Tribunal quanto a inconstitucionalidade da vinculação de emolumentos a entidade com personalidade jurídica de direito privado ou a determinado Órgão ou Fundo; do cálculo das custas com base no valor dos bens imóveis envolvidos no litígio; e quanto a inexistência de teto para cobrança de taxas cujo valor tem por base o proveito auferido pelo contribuinte, sobre as quais incide alíquota variável.

Precedentes.

A competência para definir o valor das custas de interposição de recurso extraordinário é deste tribunal. entrada em vigor da lei não pode ser confundida com sua eficácia. liminar parcialmente deferida.” (destacou-se; votação unânime)

Verifica-se, assim, que a jurisprudência do STF (inclusive sumulada, nos termos do Enunciado 667) é pacífica em reconhecer a inconstitucionalidade de Taxas Judiciárias (i) cujo limite transborde a relação de equivalência entre o valor da taxa e o custo real dos serviços, ou do proveito do jurisdicionado-contribuinte; e (ii) que estabeleça vinculação do produto da sua arrecadação a Órgãos ou Fundos, como é o caso da Taxa Judiciária instituída pela Lei Estadual (SP) nº 11.608/2003.

VI - Conclusões

Diante das considerações supra, conclui-se que:

(A) A Lei Estadual (SP) nº 11.608/2003, na parte em que estabeleceu o limite máximo de R$ 37.470,00 (trinta e sete mil, quatrocentos e setenta reais), correspondendo a aproximadamente 144 (cento e quarenta e quatro) salários mínimos para recolhimento da Taxa Judiciária, é flagrantemente inconstitucional, por violar a Garantia Fundamental de Acesso à Justiça (artigo 5º, XXXV da Carta da República); por violar o Princípio da Razoabilidade e da Proporcionalidade (artigo 5º, LIV da Carta da República); por violar o dispositivo constitucional que atribui competência tributária impositiva para as taxas decorrentes da prestação de serviço público (artigo 145, II da Carta da República), ao estabelecer desequilíbrio na necessária relação de equivalência entre o valor da taxa e o custo real dos serviços, ou do proveito do jurisdicionado-contribuinte; e por violar o Princípio que impede a Tributação com Efeito de Confisco (artigo 150, IV da Carta da República).

(B) A jurisprudência do Plenário da Suprema Corte (inclusive sumulada, nos termos do Enunciado 667) é pacífica em reconhecer a inconstitucionalidade de Taxas Judiciárias (i) cujo limite transborde a relação de equivalência entre o valor da taxa e o custo real dos serviços, ou do proveito do jurisdicionado-contribuinte; e (ii) que estabeleça vinculação do produto da sua arrecadação a Órgãos ou Fundos, como é o caso da Taxa Judiciária instituída pela Lei Estadual (SP) nº 11.608/2003.
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1Para as ações penais, que não estão sendo objeto das presentes Considerações, a referida Lei estabelece valores distintos, calculados em número de UFESPs (100 UFESPs, de um modo geral), nos termos do parágrafo 9° do referido artigo 4° da Lei n° 11.608/2003. Para os agravos de instrumento, nos termos do parágrafo 5° do referido artigo 4° da Lei n° 11.608/2003, a Taxa Judiciária é calculada em 10 UFESPs.

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*Advogado tributarista e membro da Comissão de Assuntos Tributários do Movimento de Defesa da Advocacia - MDA








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