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Possibilidade ou não da regra de incidência da impenhorabilidade em cadernetas de poupança com valores depositados acima de 40 salários mínimos

O objetivo desse breve artigo é fazer uma análise, com base na jurisprudência, sobre a questão da possibilidade ou não da regra de incidência da impenhorabilidade em cadernetas de poupança com valores depositados acima de 40 salários mínimos.

30/3/2010


Possibilidade ou não da regra de incidência da impenhorabilidade em cadernetas de poupança com valores depositados acima de 40 salários mínimos

Alexandre Pontieri*

1. Introdução

O objetivo desse breve artigo é fazer uma análise, com base na jurisprudência, sobre a questão da possibilidade ou não da regra de incidência da impenhorabilidade em cadernetas de poupança com valores depositados acima de 40 salários mínimos.

2. O artigo 649, X, do CPC

Inicialmente cabe destacar o artigo 649, X, CPC (clique aqui) que assim dispõe:

"Art. 649. São absolutamente impenhoráveis:

(...)

X – até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, a quantia depositada em caderneta de poupança. (com redação dada pela lei 11.382, de 6 de dezembro de 2006) (Grifos nossos)

Da doutrina mais moderna dos professores Theotonio Negrão e José Roberto F. Gouvêa se extrai:

"Entendendo que o limite de 40 salários mínimos não pode ser flexibilizado, na medida em que "a quantia disposta na lei já revela que este é o mínimo valor que deva ser garantido ao devedor para a preservação de sua dignidade". RT 871/273 (Código de Processo Civil e legislação processual em vigor / Theotonio Negrão e José Roberto F. Gouvêa; com a colaboração de Luis Guilherme Aidar Bondioli – 41. ed. – São Paulo: Saraiva, p. 874.)

"Em face de nos autos ter sido demonstrado, pelo extrato de conta, que o devedor não utiliza sua conta-poupança como conta-corrente, descabida a penhora sobre todo o valor ali depositado, sendo necessária a observância do estatuído no art. 649, inciso X, do CPC” (Bol. AASP 2.609: TJDF, AI 2008.00.2.001441-1). (CPC e legislação processual em vigor / Theotonio Negrão e José Roberto F. Gouvêa; com a colaboração de Luis Guilherme Aidar Bondioli – 41. ed. – São Paulo: Saraiva, p. 874.)

3. Posicionamento dos tribunais sobre o artigo 649, X, do CPC

A posição nos Tribunais, principalmente no Egrégio STJ, é firme em seguir o que está disciplinado no artigo 649, X, do CPC, ou seja, o entendimento é no sentido da impenhorabilidade de quantias depositadas em caderneta de poupança até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, conforme se vê da decisão abaixo:

EXECUÇÃO FISCAL – DEPÓSITO EM POUPANÇA INFERIOR A 40 SALÁRIOS MÍNIMOS – IMPENHORABILIDADE – APLICAÇÃO DO ARTIGO 649, INCISO X, DO CPC.

O entendimento do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que são absolutamente impenhoráveis quantias depositadas em caderneta de poupança até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, nos termos do artigo 649, inciso X, do CPC.

Agravo regimental improvido.

(AgRg no AgRg no REsp 1096337/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/08/2009, DJe 31/08/2009) (Grifos nossos)

No mesmo sentido:

PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 458 E 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. EXECUÇÃO FISCAL. CONVÊNIO BACEN-JUD. PENHORA. DEPÓSITOS BANCÁRIOS. LEI Nº 11.382/06.

1. Inexiste ofensa aos arts. 458 e 535 do CPC quando o Tribunal analisa, ainda que implicitamente, a tese sobre a qual gravitam os dispositivos legais tidos por violados de modo integral, suficiente e adequado.

2. Esta Corte admite a expedição de ofício ao Bacen para se obter informações sobre a existência de ativos financeiros do devedor, desde que o exeqüente comprove ter exaurido todos os meios de levantamento de dados na via extrajudicial.

3. No caso concreto, a decisão indeferitória da medida executiva requerida ocorreu depois do advento da Lei 11.382/06, a qual alterou o CPC para: a) incluir os depósitos e aplicações em instituições financeiras como bens preferenciais na ordem de penhora, equiparando-os a dinheiro em espécie (art. 655, I) e; b) permitir a realização da constrição por meio eletrônico (art. 655-A). Aplicação do novel artigo 655 do CPC. Precedentes de ambas as Turmas da Primeira Seção.

4. Todavia, deve ser observada a relação dos bens absolutamente impenhoráveis, previstos no art. 649 do CPC, especialmente, "os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social" (inciso VIII), bem como a quantia depositada em caderneta de poupança até o limite de quarenta (40) salários mínimos (X).

5. Recurso especial provido.

(REsp 1088237/MT, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 3.3.2009, DJe 25.3.2009.) (Grifos nossos)

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. CONVÊNIO BACEN-JUD. PENHORA. DEPÓSITOS BANCÁRIOS. LEI 11.382/06.

1. Esta Corte admite a expedição de ofício ao Bacen para se obter informações sobre a existência de ativos financeiros do devedor, desde que o exequente comprove ter exaurido todos os meios de levantamento de dados na via extrajudicial.

2. No caso concreto, a decisão indeferitória da medida executiva requerida ocorreu depois do advento da Lei 11.382/06, a qual alterou o Código de Processo Civil para: a) incluir os depósitos e aplicações em instituições financeiras como bens preferenciais na ordem de penhora, equiparando-os a dinheiro em espécie (art. 655, I) e; b) permitir a realização da constrição por meio eletrônico (art. 655-A). Aplicação do novel artigo 655 do CPC. Precedentes de ambas as Turmas da Primeira Seção.

3. Existe, assim, a necessidade de observância da relação dos bens absolutamente impenhoráveis, previstos no art. 649 do CPC, especialmente, "os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social" (inciso VIII), bem como a quantia depositada em caderneta de poupança até o limite de quarenta (40) salários mínimos (X).

4. Agravo regimental provido.

(AgRg no REsp 1077240/BA, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 19.2.2009, DJe 27.3.2009) (Grifos nossos)

E mais:

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. CONVÊNIO BACEN-JUD. PENHORA. DEPÓSITOS BANCÁRIOS. LEI Nº 11.382/06.

1. Esta Corte admite a expedição de ofício ao Bacen para se obter informações sobre a existência de ativos financeiros do devedor, desde que o exeqüente comprove ter exaurido todos os meios de levantamento de dados na via extrajudicial.

2. No caso concreto, a decisão indeferitória da medida executiva requerida ocorreu depois do advento da Lei 11.382/06, a qual alterou o CPC para: a) incluir os depósitos e aplicações em instituições financeiras como bens preferenciais na ordem de penhora, equiparando-os a dinheiro em espécie (art. 655, I) e; b) permitir a realização da constrição por meio eletrônico (art. 655-A). Desse modo, o recurso especial deve ser analisado à luz do novel regime normativo. Precedentes de ambas as Turmas da Primeira Seção.

3. De qualquer modo, há a necessidade de observância da relação dos bens absolutamente impenhoráveis, previstos no art. 649 do CPC, especialmente, "os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social" (inciso VIII), bem como a quantia depositada em caderneta de poupança até o limite de quarenta (40) salários mínimos (X).

4. Recurso especial provido.

(REsp1070308/RS, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 18.9.2008, DJe 21.10.2008) (Grifos nossos)

E o mesmo STJ analisando a questão da impenhorabilidade de poupança vinculada diretamente à aquisição do bem de família:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA. POUPANÇA VINCULADA DIRETAMENTE À AQUISIÇÃO DO BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE.

1. O Tribunal de origem indeferiu a penhora de dinheiro aplicado em poupança, por verificar a sua vinculação ao financiamento para aquisição de imóvel caracterizado como bem de família.

2. Embora o dinheiro aplicado em poupança não seja considerado bem absolutamente impenhorável – ressalvada a hipótese do art. 649, X, do CPC –, a circunstância apurada no caso concreto recomenda a extensão do benefício da impenhorabilidade, uma vez que a constrição do recurso financeiro implicará quebra do contrato, autorizando, na forma do Decreto-Lei 70/1966, a retomada da única moradia familiar.

3. Recurso Especial não provido.

(REsp 707623/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 16.4.2009, DJe 24.9.2009) (Grifos nossos)

Vale destacar a regra do limite de 40 (quarenta) salários mínimos da quantia depositada em caderneta de poupança.

4. Possibilidade ou não da regra de incidência da impenhorabilidade em cadernetas de poupança com valores depositados acima de 40 salários mínimos

Porém, ainda há um ponto a questionar: e se o valor da poupança for superior a 40 (quarenta) salários mínimos, mas, alimentada por salário. Há a possibilidade da regra da incidência da impenhorabilidade?

O artigo 649, IV, CPC que dispõe:

"Art. 649. São absolutamente impenhoráveis:

(...)

IV – os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3º deste artigo; (Redação dada pela Lei 11.382, de 2006).

Para bem esclarecer essa dúvida, colacionamos as lições do Professor Demócrito Reinaldo Filho, em artigo que muito bem responde a essa questão central:

"1- O inc. IV do art. 649 do CPC, que prevê a impenhorabilidade de verbas remuneratórias e de pensionamento, não deve ser interpretado em sentido literal, sob pena de criar um alargamento impróprio da garantia processual e privilegiar de forma injustificada o devedor. Uma interpretação excessivamente abrangente em termos de restrição à penhora de bens do devedor acaba por criar proteções excessivas, diminuindo a responsabilidade pelo pagamento de dívidas e comprometendo a própria tutela jurisdicional executiva.

"2- Os valores obtidos a título de salário, vencimentos, proventos e pensões são impenhoráveis somente nos limites do eventual comprometimento da receita mensal necessária à subsistência do devedor e de sua família. Preserva-se, dessa forma, um mínimo para a sua sobrevivência, mas ao mesmo tempo entrega-se a prestação jurisdicional pleiteada pelo exeqüente. Interpretação contrária provocaria evidentes distorções e criaria indevida proteção ao executado.

"3- Se os rendimentos salariais deixam de ser utilizados e permanecem por algum tempo em conta-corrente, não sendo consumidos no mês do recebimento, ou são revertidos para aplicação financeira, ou lhes são dada qualquer outra destinação, tal circunstância é indicativa da perda da sua natureza alimentar. Não é o simples fato de o salário se encontrar depositado em conta-bancária (conta-corrente comum) que deixa de ser impenhorável. Um grande número de pessoas (empregados do setor privado e funcionários públicos) recebe salários mediante depósito em conta-corrente comum, daí porque a constrição pode alcançar os valores salariais no momento ou poucos dias após de ser creditado na conta do executado, impedindo o beneficiário de se utilizar dessa verba para o seu próprio sustento e manutenção de suas obrigações básicas. É a mudança de destinação, caracterizada pelo depósito da verba em poupança ou outra aplicação financeira, bem como a permanência do numerário sem utilização por prazo considerável que indica a perda da natureza alimentar dos rendimentos salariais.

"4- Com o veto presidencial ao parágrafo 3o. do art. 649 o Juiz permanece impossibilitado de realizar penhora de recebimentos futuros de verbas salariais. A única exceção é na execução de sentença ou decisão que condena ao pagamento de prestação alimentícia, uma vez que já existe no ordenamento jurídico regra (art. 734 do CPC) que o permite mandar descontar em folha de pagamento a importância correspondente ao título exeqüendo.

"5- Há uma necessidade de compatibilização da regra do inc. IV do art. 649 com o inc. X desse mesmo artigo, o qual somente protege da constrição judicial a quantia depositada em caderneta de poupança até o limite de 40 salários mínimos. Acima desse limite, pouco importa a origem ou natureza do restante da verba depositada, que pode ser penhorada."

*(Reinaldo Filho, Reinaldo. Da possibilidade de penhora de saldos de contas bancárias de origem salarial. Interpretação do inc. IV do art. 649 do CPC em face da alteração promovida pela Lei 11.382, de 6.12.06.)

Disponível no site Jus Vigilantibus em clique aqui:

E decisão do STJ sobre o tema:

"Esta Corte já decidiu diversas vezes ser "indevida penhora de percentual de depósitos em conta-corrente, onde depositados os proventos da aposentadoria de servidor público federal", por ser "uma das garantias asseguradas pelo art. 649, IV, do CPC" (AgRg no REsp 969.549/DF, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 19.11.2007). Todavia, há na espécie peculiaridade que torna inaplicável tal entendimento.

Como bem salientado pelo Juiz de primeiro grau de jurisdição, no particular "o próprio executado reconhece que mantinha a quantia bloqueada como uma espécie de reserva, do que se infere que não depende da mesma para sobreviver" (fls. 171) (grifei).

Nesse aspecto, Araken de Assis anota que a impenhorabilidade de vencimentos deve ficar restrita "àquela quantia necessária para sua [do devedor] subsistência até o próximo encaixe" (Manual da Execução. São Paulo: RT, 2004, 9ª ed., p. 215).

Com efeito, tendo o salário entrado na esfera de disponibilidade do recorrente sem que tenha sido consumido integralmente para o suprimento de necessidades básicas, vindo a compor o que ele próprio denomina de "reserva disponível", a verba perde seu caráter alimentar, tornando-se penhorável.

O acolhimento da tese do recorrente viabilizaria, no extremo, a esdrúxula situação de que qualquer trabalhador contraia empréstimos para cobrir seus gastos mensais, indo inclusive além do suprimento de necessidades básicas, de modo a economizar integralmente seu salário, o qual não poderia jamais ser penhorado. Considerando que, de regra, cada um paga suas dívidas justamente com o fruto do próprio trabalho, no extremo estar-se-ia autorizando a maioria das pessoas a simplesmente não quitar suas obrigações.

Aliás, ao que tudo indica a intenção do recorrente é essa mesmo, pois ele próprio reconhece que "passou a ser uma pessoa econômica e manter em sua conta um saldo pomposo, para não se submeter a juros exorbitantes, não saber o dia de amanhã e ter adquirido o entendimento de que sempre deve ter à disposição uma quantia razoável para suprir qualquer necessidade emergencial" (fls. 08). Em outras palavras, o recorrente vem economizando seu salário em detrimento da dívida contraída frente ao banco recorrido.

Evidentemente, não é este o espírito norteador do art. 649, IV, do CPC, que estabelece a impenhorabilidade de vencimentos somente para garantir ao trabalhador meios de subsistência.

Foi justamente este o raciocínio desenvolvido pelo relator, ao consignar que "se o impetrante se utilizou da conta para manutenção de saldo 'pomposo', fazendo economia às custas dos credores, há, inegavelmente, desvirtuamento da natureza alimentar das verbas recebidas a título de salários. Tal verba passa a ter o caráter de poupança e/ou investimento, não mais destinada à subsistência do impetrante, o que a mens legis visa a proteger" (fls. 215/216)."

(Recurso em Mandado de Segurança 25.397/DF – 2007/0238865-6; Relatora: Ministra Nancy Andrighi, de 14/10/2008)

5. Conclusão

Diante do tema em debate, qual seja, analisar de forma breve a questão da possibilidade ou não da regra de incidência da impenhorabilidade em cadernetas de poupança com valores depositados acima de 40 salários mínimos, podemos concluir que:

Conforme análise da legislação processual civil e da jurisprudência, com especial destaque para o entendimento do STJ chega-se à conclusão que as poupanças bancárias até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos da quantia depositada são impenhoráveis.

Já em relação ao valor excedente dos 40 (quarenta) salários mínimos da poupança poderá haver a penhora, desde que seja feita a verificação do comprometimento da receita mensal necessária à subsistência do devedor e de sua família, sempre com proporcionalidade e razoabilidade e a observância aos preceitos constitucionais da dignidade e respeito à pessoa humana.

Caso haja desvio da natureza alimentar do salário, passando este a ter caráter de poupança e não mais de subsistência, será possível a penhora do excedente, observando-se para isso cada caso isoladamente.

Estas as breves considerações.

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*Advogado em São Paulo





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