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A divisão de riscos nas Parcerias Público-Privadas (PPPs): um novo paradigma na construção civil

A divisão de riscos entre os setores público e privado nos contratos para a construção de obras públicas sempre foi motivo de preocupação para as empresas e consórcios interessados.

10/3/2005


A divisão de riscos nas Parcerias Público-Privadas (PPPs): um novo paradigma na construção civil brasileira?

Júlio César Bueno*

Victor Madeira Filho*

A divisão de riscos entre os setores público e privado nos contratos para a construção de obras públicas sempre foi motivo de preocupação para as empresas e consórcios interessados. Tal preocupação não é injustificada, pois muitas vezes a concentração de riscos contratuais no setor privado – seja pela legislação que regula a matéria, seja em razão das cláusulas contratuais aplicáveis – pode até inviabilizar o negócio como um todo.

Os riscos envolvidos são diversos e importantes. Por exemplo, a necessidade de alterações e adaptações no projeto original pela sua desconformidade com elementos exigidos por lei ou pela sua desatualização, em razão de atraso no projeto; ou ainda a demora na desapropriação de imóveis que serão afetados pela construção e dos recursos financeiros previstos pela Administração Pública para a implementação do projeto. Assim, temos riscos pré-operacionais (riscos de projeto e de construção, capacidade técnica continuada); riscos políticos (sazonalidade eleitoral, mudança de orientação governamental); riscos regulatórios (mudanças na regulamentação); riscos de mercado (demanda e oferta); riscos de crédito; riscos cambiais; e riscos trabalhistas, dentre outros.

Como já mencionado, alémda existência desses riscos, a legislação e as cláusulas que regem tais contratos, de modo geral, atribuem a responsabilidade pelos referidos riscos quase que exclusivamente ao setor privado. No caso das licitações para a construção de obras públicas regidas pela Lei nº 8.666/93 (“Lei das Licitações”), por exemplo, o setor privado, além de responder pelos riscos inerentes à implementação do projeto (construção e entrega da obra contratada), também é incumbido de responder por todos os danos causados à administração pública ou a terceiros, por culpa ou dolo na execução do contrato.

Já nos contratos de concessão comuns de obras públicas regidos pela Lei n.º 8.987/95 (“Lei das Concessões”), o particular concessionário responde por todos os riscos inerentes à implementação do projeto. Quanto aos riscos denominados extraordinários (riscos políticos, regulatórios, de mercado, cambiais, entre outros), em tese devem ser assumidos pelo poder público cedente, em vista do dever de manutenção do equilíbrio econômico entre os contratantes inerente a tais contratos. Todavia, o que se vê na prática é que, em grande parte dos casos, o setor privado acaba arcando também com os riscos extraordinários, em vista das cláusulas contratuais que são praticamente impostas pelo setor público contratante.

Neste cenário, a criação das Parcerias Público Privadas (“PPPs”) representa inovação. A sua principal proposta é a de tentar suprir a necessidade de desenvolvimento econômico do país através de investimentos do setor privado em estruturas para a prestação do serviço público. Para tanto, as PPPs inovam na questão da distribuição de riscos entre os contratantes, criando o conceito do risco compartilhado entre os setores público e privado para essa nova espécie de contratos.

Na Lei das PPPs – Lei 11.079/04 – os artigos que regulam a divisão de riscos entre entes públicos e privados correspondem aos artigos 4º, inciso VI1 e 5º, inciso III2. Nota-se, pelo exame de tais dispositivos, que as PPPs tentam reduzir o risco que o setor privado incorreria em uma concessão tradicional ou em uma licitação, por meio do estabelecimento de diretrizes impondo a efetiva divisão de riscos em tais negócios.

Tal inovação, sem dúvida alguma, tende a criar um ambiente mais seguro para intensificar a participação do setor privado em tais contratos, ao minimizar os impactos dos diversos riscos a eles inerentes. Todavia, para que efetivamente se alcance o objetivo almejado pela inovação introduzida pelas PPPs, é importante que haja normas regulamentando tal assunto de forma mais objetiva, bem como que as cláusulas contratuais sejam claras quanto à atribuição de cada risco específico à determinada parte.

Assim, o primeiro passo já foi dado para que se forme um novo modelo na construção civil brasileira, mais especificamente, na construção de obras públicas. A partir de agora, o sucesso dessa formação de um novo paradigma dependerá da pressão que as empresas da área da construção deverão exercer perante governo para que regulamentem de forma objetiva tal assunto e da negociação dos contratos com setor público, exigindo cláusulas claras e específicas a esse respeito.
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1Art. 4º - Na contratação de parceria público-privada serão observadas as seguintes diretrizes:

(...)
VI – repartição objetiva de riscos entre as partes.

2Art. 5º - As cláusulas dos contratos de parceria público-privada atenderão ao disposto no art. 23 da Lei nº 8.987, de 1995, no que couber, devendo também prever:

(...)

III - a repartição de riscos entre as partes, inclusive os referentes a caso fortuito, força maior, fato do príncipe e80 área econômica extraordinária;
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Advogados do escritório Pinheiro Neto Advogados

* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

© 2005. Direitos Autorais reservados a PINHEIRO NETO ADVOGADOS










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