A Portaria PGFN 180/10 e a responsabilização por créditos previdenciários
Carlos Marcelo Gouveia*
Essa regra foi utilizada ao longo dos anos pelo Fisco para o fim de atribuir responsabilidade aos sócios, sejam administradores ou não, de sociedades limitadas pelo recolhimento das contribuições previdenciárias devidas pela empresa, sem a comprovação de ato ilícito de gestão que justificasse a responsabilização tributária. Na prática o que ocorria era a responsabilização do sócio sem poderes de gestão, inclusive na hipótese do mero inadimplemento tributário por parte da empresa.
O art. 13 da lei 8.620/93, no entanto, ia de encontro aos mandamentos que disciplinam o tema no âmbito do CTN (clique aqui), notadamente o artigo 135, III, desse Diploma Legal, o qual admite a responsabilização tributária apenas dos "diretores, gerentes e representantes de pessoas jurídicas de direito privado" e nas hipóteses comprovadas de "atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos".
Da clareza da prescrição complementar tributária depreende-se que o pressuposto à responsabilização pessoal por crédito tributário exigível de pessoa jurídica de direito privado é a prática de ato por seu administrador que extrapole os limites legais e societários do qual resulte a obrigação fiscal. Não há espaço para a atribuição da responsabilidade tributária ao sócio da sociedade empresária sem poderes de gestão e tampouco sem qualquer comprovação sobre a existência do ato ilícito intencionalmente praticado (dolo).1
Nesse embate destaca-se que a integração normativa inerente à higidez do ordenamento jurídico exige submeter a previsão de lei ordinária aos preceitos norteadores traçados pela lei complementar de caráter geral, a qual, em sede tributária, corresponde ao CTN, a teor do art. 146, III, da Constituição Federal.2
Com essas considerações os contribuintes conseguiram combater com êxito a pretensão fazendária perante o Poder Judiciário, de forma a sedimentar a jurisprudência no sentido de que o art. 13 da lei 8.620/93 deve ser aplicado em consonância com os ditames do art. 135, III, do CTN, o que impôs ao Fisco a necessidade de prévia demonstração da atuação do sócio na gestão da sociedade com a prática de atos com excesso de poderes, infração de lei ou ao contrato social para que fosse viável a responsabilização por créditos previdenciários da sociedade empresária.3
Nesse cenário é que adveio a revogação expressa do art. 13 da lei 8.620/93 pela MP 449/08 (clique aqui), posteriormente convertida na lei 11.941/09 (clique aqui), a qual, apesar de não constar na correspondente exposição de motivos, por certo decorreu da sua patente inconstitucionalidade.
Ainda que a revogação não produza efeitos pretéritos, ao menos espelhou a sensibilidade do Poder Executivo, ratificada pelo Poder Legislativo, de que se tratava de norma estranha ao ordenamento jurídico, validando a argumentação desenvolvida ao longo do tempo pelos contribuintes e, sobretudo, gerando um sentimento de segurança contra possíveis abusos do Fisco no que tange à cobrança de créditos de pessoa física excluída do campo de sujeitos passíveis de arcarem com a responsabilidade por contribuições previdenciárias.
Eis que surge, então, a Portaria 180, editada pela Procuradoria da Fazenda Nacional em 25 de fevereiro de 2010 (clique aqui), a qual traz previsão no sentido de responsabilizar o sócio de pessoa jurídica constituída sob a forma de responsabilidade limitada por créditos previdenciários desta, gerados em momento anterior à edição da MP 449, independentemente da comprovação de atuação na gestão da empresa com excesso de poderes, infração à lei ou ao contrato social.
A despeito das demais normas veiculadas pela Portaria PGFN 180/10 que podem ter utilidade benéfica, com essa específica disposição a Procuradoria da Fazenda Nacional ignora – ou se sobrepõe, fazendo crer que seus poderes são ilimitados –, a patente inconstitucionalidade do já revogado art. 13 da lei 8.620/93, impondo ônus e preocupações aos contribuintes sócios de sociedades limitadas em momento no qual a questão parecia devidamente solucionada.
Aos prejudicados resta a tutela do Poder Judiciário para que seja reafirmada em cada caso concreto a impossibilidade de responsabilização tributária sem comprovação da adoção de ato ilícito de gestão pelo contribuinte, restabelecendo a tão desejada segurança jurídica.
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1 A necessidade de comprovação do dolo para a responsabilização do administrador de sociedade limitada foi ratificada ainda pelos arts. 1.016 e 1.053 do Novo Código Civil.
2 A Súmula Vinculante 8 do Supremo Tribunal Federal ratifica a sobreposição do Código Tributário Nacional sobre leis ordinárias no que tange a normas gerais em matéria tributária.
3 Nesse sentido: REsp 717.717 / SP, Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, publicado em 08.05.2006.
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*Advogado do escritório Mesquita Neto Advogados
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