As Olimpíadas e o "Estatuto do Torcedor"
Alexandre de Castro Barros Pavoletti*
Mats Westerstahl*
Os Jogos, atualmente, são realizados de 4 em 4 anos, em uma única localidade do planeta. Para tanto, para que uma cidade possa pleitear o "status" de cidade-sede desse grande evento é necessário que apresente proposta a ser apreciada pelo Comitê Olímpico Internacional - COI. A entidade, então, quando da escolha, deverá avaliar o apoio da população civil a realização do evento; a possibilidade de repasse das instalações dos Jogos para a cidade ao término da Olimpíada; a preocupação do projeto com o meio-ambiente; a qualidade da rede de transporte, a qualidade da rede hoteleira da cidade; bem como as disponibilidades relativas ao sistema de telecomunicação entre outras temáticas.
O Brasil integra o Movimento Olímpico desde 1920 e pleiteou ser sede do evento diversas vezes com as cidades de Brasília e Rio de Janeiro. Esta, somente após duas tentativas fracassadas, conseguiu que o Comitê Olímpico Internacional anunciasse, em 2 de outubro de 2009, a sua vitória para sede dos jogos de 2016, tornando-se assim a primeira cidade sul-americana a receber o evento.
Porém, uma vez que o Jogos signifiquem a exaltação do espírito olímpico - como a promoção do sentimento de respeito, de segurança e de conforto ao torcedor -, no âmago do povo que o abraça, ter sido eleito como país-sede não implica, necessariamente, estar o Brasil preparado para exercer tal função, na plenitude que o papel lhe impõe. O bom tratamento disposto ao fã é predicado essencial e somente em 2003, por meio do Estatuto do Torcedor (Lei 10.671/03 - clique aqui), a pessoa que aprecia, que apóia ou que acompanha a prática de determinado evento desportivo pôde ser definida como torcedor e considerado um consumidor, com direitos protegidos pelo CDC (clique aqui). Isso significa que apenas nessa década o país passou a oferecer legislação apropriada ao torcedor. Contudo, tal iniciativa não encerra a questão, uma vez que a institucionalização da norma promoveu a legitimação de direitos, mas não os instalou, de fato, no dia-a-dia do cidadão.
A lei trouxe, além dos estabelecidos pelo CDC, direitos como a necessidade da publicidade e da transparência do evento ao se tratar dos números de arrecadação e da quantidade de torcedores no evento; a numeração dos assentos, a utilização de arbitragens imparciais; instalações que permitam o acesso dos deficientes físicos ao espetáculo desportivo; condições básicas de higiene e salubridade pública, por meio da fiscalização dos órgãos de vigilância sanitária do Poder Público; a necessidade de uma Ouvidoria da competição e o direito a se ter uma resposta dela; e ainda a garantia de que a segurança ao torcedor estará sob a responsabilidade do organizador do evento, que deverá requerer ao Poder Público, agentes de segurança devidamente identificados que devam zelar pela segurança dos fãs dentro ou fora do espaço de realização do evento, antes, durante e após a realização do espetáculo.
A norma visa a proteção do torcedor de acontecimentos como o que ocorreu, em 2005 - já com a implantação da lei -, conhecido como a "Máfia do Apito", quando o ex-árbitro de futebol Edílson Pereira de Carvalho e o também ex-árbitro Paulo José Danelon, agiram em conluio com empresário Nagib Fayad para, de maneira fraudulenta, supostamente "fabricar" resultados em partidas de futebol que eram objetos de apostas, em sites especializados. Buscava a lei ainda afastar a possibilidade de incidente como o que acontecera depois, em 2007, no Estádio Fonte Nova, em Salvador, quando durante uma partida de futebol, parte do anel superior do estádio cedera, matando 7 torcedores e ferindo dezenas. Esses, a rigor, foram episódios dos mais pontuais e perniciosos que demonstram como, embora a lei exista, não foi ela sedimentada e como os abusos e a irresponsabilidade ainda ocorrem, denotando a falta de respeito com relação a segurança e ao conforto do torcedor, bem como quanto a honestidade do evento.
Em menor grau, mas que ainda mostra a ineficácia da lei - assim como a pouca pressão popular para que seja obedecida -, no início do presente ano, partidas válidas pelo Campeonato Paulista de Futebol tiveram sua localidade remarcada, 3 dias antes de serem realizadas, por conta da interdição de vários estádios que seriam usados para tanto. As interdições, no caso, mostram a preocupação com a segurança do torcedor - o que é evidentemente notável -, mas tal medida levou a alteração dos jogos para outros estádios, em cidades vizinhas, não respeitando o "Estatuto do Torcedor" quando este diz que os eventos devem estar agendados, com local e horário apresentados ao torcedor, 60 dias antes de sua consumação. A motivação que gerou a interdição das muitas praças não surgiram poucos dias antes da realização das partidas. São, na verdade, questões que já poderiam ter sido previstas ou reconhecidas meses antes, de modo que a interdição poderia ter sido efetuada há semanas, o que faria com que o respeito a lei fosse cumprido.
Para que estes incidentes não ocorram durante uma Olimpíada é necessário que o espírito olímpico e seus ideais estejam sedimentados na vontade popular, não somente na mentalidade da cidade, mas na de toda a nação. A imagem do torcedor que compra o ingresso para um espetáculo de futebol e que encontra seu lugar ocupado; as filas nas portas de estádios para se adquirir uma entrada; as dificuldades de aquisição dos bilhetes pela internet; os assentos não identificados, os sanitários em condições lamentáveis, objetos e artefatos que podem ser usados como armas; ou ainda a figura do policial que não reprime e que agride de forma desmedida, são realidades comuns ao dia-a-dia do torcedor.
O Estatuto preconiza oferecer ao amante do desporto a possibilidade de ser tratado de forma respeitosa - como um consumidor, abastecido por condições salutares de conforto e de segurança nas praças esportivas. Pois bem, ainda não se vivencia na realidade cotidiana do torcedor brasileiro a solidificação desses preceitos, de modo que, para o simpatizante ainda existem dificuldades que transformam em uma empreitada que requer grande engenhosidade a presença dele para se torcer com prazer numa praça esportiva. Esse cenário em muito se contrapõe com o quadro que é apresentado em outros países do mundo, no qual de fato o fã é tratado de maneira digna e, sobretudo, como um verdadeiro cliente para o qual as organizações dispõem suas mercadorias, nas mais perfeitas condições e ordem.
O passo a ser dado até a Olimpíada de 2016 é mais curto do que se imagina e o melhor tratamento gerenciado ao torcedor deve ser instrumentalizado. Não são os Jogos Olímpicos que deveriam, a rigor, fomentar uma nova forma de se tratar o amante do espetáculo. Pelo contrário. Na verdade, os Jogos implicam a celebração, a festa, cuja reunião dos elementos que dignificam um povo se manifestam naquele momento. Deveria, desta feita, ser a hora de se mostrar aquilo que efetivamente já vem sendo oferecido ao torcedor local, transportando essa magia ao torcedor do mundo.
Como descrito, o importante é que os Jogos sejam o produto de uma conduta vivenciada, pois esta é uma festa, uma celebração para o povo. Deve esta, então, elevar e comemorar sentimentos e práticas as quais o cidadão já é agraciado rotineiramente. Não deveria a Olimpíada, ser um divisor de águas, um período para que finalmente o torcedor possa ser dignamente tratado ou, pior, apenas um devaneio - um momento de exaltação que passe, fazendo com a realidade subseqüente seja marcada pelo desrespeito.
Em suma, olhar voltado aos componentes essenciais para a promoção do Jogos, sobretudo quanto a dedicação do evento ao povo, não está enraizado no cotidiano das atividades desportivas da sociedade brasileira. O que se vê, na verdade, é que o espírito olímpico, bem como as suas manifestações de respeito ao apreciador do esporte, em nada se solidificaram, ainda que já exista uma norma específica, que deveria por contemplar o bem-estar, o conforto e a segurança do simpatizante.
É mister que o tratamento ao torcedor, ou seja, que o respeito a legislação que o entenda como consumidor seja respeitado e vivenciado muito antes. É importante que o torcedor no Brasil passe a ser visto como um cliente na cadeia que relaciona o desporto, o "merchandising" - o "business" em geral -, e ele, fã. Este que fomenta as atividades esportivas e para os quais se voltam os negócios. Nada mais evidente que seja tratado como expoente e que seja respeitado na cadeia.
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*Integrantes do escritório Almeida Guilherme Advogados Associados
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