Migalhas de Peso

Das Vacas

Indo de carro por uma estrada estreita, de mão única, pelo sertão da Paraíba, querendo chegar, o quanto antes, a Pernambuco, tinha que estar em Recife no mais tardar no começo da noite, minhas retinas tão fatigadas de pedra que nem as do poeta, flagraram mandando para o arquivo da memória a cena do homem sozinho e sua vaca.

4/2/2010


Das Vacas

Edson Vidigal*

Indo de carro por uma estrada estreita, de mão única, pelo sertão da Paraíba, querendo chegar, o quanto antes, a Pernambuco, tinha que estar em Recife no mais tardar no começo da noite, minhas retinas tão fatigadas de pedra que nem as do poeta, flagraram mandando para o arquivo da memória a cena do homem sozinho e sua vaca.

Naquela vastidão de coisa nenhuma, tudo seco, o homem conduzia a sua vaca deixando livre o cabresto para que ela farejando algum verde pudesse estacionar num ponto qualquer da margem da estrada numa forma qualquer de esperança de não anoitecer a fome.

O carinho quase de irmão ou de pai com filha com que aquele homem conduzia pacientemente a sua vaca me deu muito o que pensar dali para a frente, enquanto não se exauriu a estrada, no quanto pela estimação chegamos a nos tornar dependentes de uns certos animais.

E vice - versa.

Foi quando conclui terminativamente o quanto faz sentido aquela teimosia cearense tão bem expressa nos versos de Venâncio, Corumbá e Jota Guimarães, popularizados por Luiz Gonzaga.

(... enquanto a minha vaquinha tiver um courinho no osso e puder com o chocalho pendurado no pescoço, vou ficando por aqui e que Deus do céu me ajude, quem foge da terra natal em outro canto não pára, só deixo o meu Cariri no ultimo pau de arara...)

Conheço muita gente no Maranhão que também pensa assim. Por mais pesadas que estejam as vicissitudes despencando ameaças e desesperanças não se intimida e nem pensa em desistir, indo se embora.

Quer continuar querendo manter acesa a luta contra a usurpação que se sustenta nas artimanhas contra os iguais, na bajulação aos poderosos do momento e na venda lá fora da nossa dignidade a apresentando como nossos representantes, o que em verdade, por estarem muito longe de alguma assepsia moral, em nosso nome nada representam.

Volto-me aqui para o tema deste enredo, a vaca.

Entre os israelitas, conta a Bíblia, os bois executavam muitos trabalhos na agricultura lavrando a terra, pisando o trigo, puxando carros enquanto as vacas eram poupadas porque tinham o leite a dar, e leite com mel, ó meu, era a sublimação do manjar.

Os bois, não. Trabalhavam, trabalhavam e quando já estavam exaustos eram levados às liturgias dos sacrifícios, oferecidos aos deuses e depois, obviamente e literalmente, comidos. As vacas podiam vaguear pelos campos.

Há quem entre nós por estas plagas deplore que esse endeusamento das vacas na Índia, onde são tidas como sagradas, intocáveis, e até infalíveis, tenha a partir de algum tempo e de algum modo contaminado a concepção inerente a umas certas vacas por aqui.

No bumba-meu-boi, o sacrifício final é do boi, nem se pensa em vaca.

Não há um bumba – minha - vaca.

Não nos olvidamos nunca daquele sonho do Faraó, contado no Velho Testamento. E as sete vacas feias e magras comiam as sete vacas gordas e formosas, e então acordou o Faraó.

Daí que depois ocorreram dois tempos, o das vacas gordas e o das vacas magras, ou vice - versa. É sina de todo Povo.

Para nós aqui neste Estado tão magro de tudo, exceto as burras do tesouro público que emagrecem mas não mínguam, eu nem sei se vale a pena esperar a passagem do tempo nessa ordem de substituições.

Estou certo que o melhor a fazer é não ficar contando com vaca nenhuma, nem a do momento, nem a que possa estar por vir.

Pelo que prefiro a conclamação de Amós, Capitulo 4, Versículo 1 – Ouvi esta palavra, oh vacas de Basã, que estais no monte de Samária, que oprimis os pobres, que esmagais os necessitados...

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*Ex-Presidente do STJ e Professor de Direito na UFMA





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