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Gestão ruinosa dos depósitos judiciais

Alertado pelo meu caro amigo e notável advogado Jose Feliciano de Carvalho, tomei conhecimento da notícia inserida no site do TJ/CE sobre a execução da Lei estadual 14.415, de 11/8/2009 versando sobre a gestão dos depósitos judiciais, que está sendo divulgada como se fora algo produtivo para a sociedade cearense.

27/1/2010


Gestão ruinosa dos depósitos judiciais

Adriano Pinto*

Alertado pelo meu caro amigo e notável advogado Jose Feliciano de Carvalho, tomei conhecimento da notícia inserida no site do TJ/CE sobre a execução da Lei estadual 14.415, de 11/8/2009 (clique aqui) versando sobre a gestão dos depósitos judiciais, que está sendo divulgada como se fora algo produtivo para a sociedade cearense.

Sob um discurso sonoro de modernização do Judiciário e benefícios para o jurisdicionado faz-se a consolidação do confisco dos rendimentos que deveriam ser pagos aos titulares dos depósitos judiciais, ao mesmo tempo em que se transfere para a Corte Judicial o usufruto de recursos financeiros pertencentes aos administrados.

Sabidamente, as devoluções dos depósitos judiciais são feitas sem a reposição dos rendimentos que alcançariam no mercado financeiro, significando expropriação patrimonial dos jurisdicionados e enriquecimento sem causa da Administração Judicial.

O TJ/CE que foi pioneiro na formatação desse regime autoritário, inconstitucional, de utilização arbitrária dos depósitos judiciais, segue, agora, o exemplo do Rio de Janeiro que avançou nessa prática sinistra contra a cidadania, colocando em mercado a concentração de todos os depósitos em uma única instituição financeira, para usufruir, adicionalmente, uma remuneração pela outorga ilegítima de um monopólio bancário.

Essa questão, apesar de seu extremado interesse social tem sido relegada a aspectos marginais, como faz exemplo a discussão travada no âmbito do Conselho Nacional de Justiça provocada por reclamação do Banco do Brasil que perdeu para o Bradesco a primeira licitação realizada pela Administração Judicial para a gestão dos depósitos realizados sob a jurisdição do Tribunal de Justiça do Rio.

Essa iniciativa do TJ/RJ foi estimulada pela lei 11.382/2006 (clique aqui) que alterou o CPC (clique aqui) estabelecendo que os depósitos judiciais seriam feitos "preferencialmente" em bancos públicos.

Festejados juristas foram chamados à luta jurídica travada entre o Banco do Brasil e o Bradesco perante o CNJ sendo gasto prestígio profissional e erudição acadêmica em torno da viabilidade constitucional e legal da alternativa privada ou exclusividade pública da gestão dos depósitos judiciais por instituições financeiras, remanescendo sem enfrentamento o sinistro fato de que, nas duas situações, os titulares dos valores depositados não são remunerados pela taxas de captação bancária praticada no mercado e que, pior ainda, a Administração Judicial locupleta-se indevidamente em decorrência dessa atuação gerencial.

O Conselho Nacional de Justiça acabou por decidir a questão marginal da melhor forma, ao firmar que os cerca de R$ 70 bilhões desses depósitos totais no país devem ficar só em bancos oficiais, sem nada dispor contra a remuneração ínfima de apenas a TR mais 0,5%, como a poupança, e, sobre as vantagens financeiras usufruídas pela Administração Judicial em decorrência de valores pertencentes aos jurisdicionados.

Basta considerar que o Bradesco venceu a licitação realizada pelo TJRJ após apresentar a melhor proposta, de R$ 17 milhões mensais pelos cerca de R$ 20 bilhões em depósitos.

Impõe-se notar que a Administração Judicial oferta ao mercado bancário os recursos dos depósitos que pertencem aos jurisdicionados como um dinheiro extremamente barato, descumprindo o zelo gerencial de qualquer administrador de recursos alheios em troca de vantagens para ela própria, conduta sujeita a incidência de tipificações criminais e de responsabilidade administrativa e civil.

Essas questões fundamentais, infelizmente, ainda não foram levantadas perante o STJ ou STF, os quais tem enfrentado casos apresentados sob aspectos marginais, embora existam decisões do STF proclamando a inconstitucionalidade de leis estaduais que conferiram aos tribunais locais a manipulação dos depósitos judiciais, consubstanciada, principalmente na disponibilidade de utilização desses recursos e na entrega de seus valores a instituições financeiras para uma devolução sob ínfima remuneração, recebendo, ainda, em troca dessa gestão ruinosa do patrimônio alheio, vantagens pecuniárias sob variadas formas.

Na lei cearense 14.415 posta em execução, se tem, dentre outras, as seguintes situações inconciliáveis com os valores e princípios constitucionais que devem reger a Administração Pública.

O TJ/CE poderá movimentar até 50% do total dos depósitos judiciais, na aplicação em gastos com infra-estrutura física, móveis e equipamentos. A instituição depositária dos recursos remunera o valor dos depósitos pelo índice de correção da caderneta de poupança, mais a Taxa Referencial (TR).

Os recursos, estimados em mais de R$ 300 milhões, transferidos para uma Conta Única no Banco do Nordeste do Brasil, serão geridos em favor da capacidade financeira da Administração Judicial Cearense, sob o pomposo discurso de realizar um Programa de Inovação, Desburocratização, Modernização da Gestão e Melhoria da Produtividade do Poder Judiciário do estado - PIMPJ, sem nenhuma legitimação social, posto que, na prática, expropria os ganhos que o dinheiro do depositante judicial poderia auferir se tais valores fossem remunerado com faz, normalmente, o mercado bancário para a captação de recursos financeiros.

A notícia oficial não revela quais as vantagens diretas auferidas pela Administração Judicial Estadual ofertadas pelo Banco do Nordeste que determinaram a sua escolha para ser a instituição oficial beneficiária desse monopólio financeiro.

Embora reconhecendo ser o fato uma tendência geral, considero que se impõe reagir contra essa prática atentória aos direitos dos jurisdicionados, porque, evidentemente, sem provocar reflexões, ganha espaço o autoritarismo, a comodidade administrativa em detrimento da cidadania.

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*Professor da Faculdade de Direito da UFC. Advogado do escritório Adriano Pinto & Jacirema Moreira - Advocacia Empresarial









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