Devido processo administrativo "versus" devido processo criminal
Luiz Flávio Gomes*
É o contraditório que fundamenta a existência da defesa, isto é, que a torna possível. Por força do princípio da ampla defesa ela deve ser plena, a mais abrangente em cada caso concreto. Em outras palavras: a defesa precisa ser efetiva. O contraditório torna a defesa possível; a ampla defesa a transforma em efetiva (em defesa plena). Os princípios do contraditório e da ampla defesa, como se vê, previstos no art. 5º, inc. LV, da CF (clique aqui), são complementares.
A ampla defesa (constitucionalmente assegurada – CF, art. 5.º, LV), no devido processo criminal, compreende – tal como reconhece a communis opinio doctorum –, a autodefesa e a defesa técnica. Esses dois aspectos fazem parte da possibilidade de se defender. Dispõe, a propósito, o art. 261 do CPP que nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor. Complementa o art. 263: Se o acusado não o tiver, ser-lhe-á nomeado defensor pelo juiz, ressalvando o seu direito de, a todo tempo, nomear outro de sua confiança, ou a si mesmo defender-se, caso tenha habilitação. A diferença essencial entre autodefesa e defesa técnica é a seguinte: a primeira é dispensável; a segunda é imprescindível. A possibilidade de se defender é complementada pela possibilidade de recorrer (CF, art. 5.º, LV). Ambas (possibilidade de se defender e possibilidade de recorrer), paralelamente à autodefesa e à defesa técnica, revelam o conteúdo essencial (o núcleo duro) da ampla defesa.
Defesa ampla é a mais abrangente possível. A mais plena possível. Não pode haver cerceamento infundado, sob pena de nulidade do processo. Segundo a súmula 523 do STF: No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu. Notando o juiz que a defesa vem sendo absolutamente deficiente, o correto é tomar a iniciativa de reputar o acusado indefeso, intimando-o para constituir um outro defensor (ou nomeando defensor, em caso de defensor dativo ou se o acusado não o constitui).
Defesa ampla, destarte, envolve:
(a) autodefesa;
(b) defesa técnica e
(c) defesa efetiva.
Além desses três conteúdos agrega-se um quarto:
(d) defesa por qualquer meio de prova (inclusive por meio da prova ilícita, que só é admitida pro reo, para comprovar sua inocência) (Eugênio Pacelli de Oliveira. Curso de processo penal. 3ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 21).
Como integrantes da primeira (da autodefesa) podem ser citados:
(a) o direito de audiência, ou seja, o direito de ser ouvido (sobretudo no ato do interrogatório);
(b) o direito a intérprete ou tradutor;
(c) o direito de presença (right to be present) nos atos processuais – que envolve o direito de confronto com as testemunhas e vítimas;
(d) o direito de participação contraditória (dialética) real na audiência, isto é, na colheita da prova, por meio de reperguntas ou, onde o ordenamento jurídico permite, da cross examination, esclarecimentos, indagações, questionamentos etc.;
(e) o direito de comunicação livre e reservada com o seu defensor, bem como
(f) o direito de postulação pessoal. Também faz parte da autodefesa o direito de não auto-incriminação.
A defesa técnica, de outro lado, tem que ser exercida por quem tem habilitação técnica (advogado devidamente inscrito na OAB). Estagiário não pode incumbir-se dela durante o processo. Pode o estagiário praticar alguns atos, mas não cuidar da defesa do acusado. E se houver absolvição com trânsito em julgado? Nada pode ser feito. Prevalece a absolvição, porque não existe revisão criminal pro societate.
No processo administrativo (disciplinar) a defesa técnica por advogado é dispensável (nisso reside uma das grandes diferenças entre o devido processo criminal e o administrativo). Não se pode confundir o processo penal com o processo disciplinar (ou seja: o devido processo criminal com o devido processo disciplinar). A jurisprudência brasileira vem definindo os contornos do processo disciplinar, nestes termos:
"A Seção [Terceira, do STJ], ao prosseguir o julgamento, por maioria, entendeu que a notificação para a audiência de oitiva de testemunha no processo administrativo disciplinar deve ser realizada com antecedência mínima de três dias (art. 41 da lei 9.784/1999 - clique aqui, aplicada subsidiariamente a lei 8.112/1990 - clique aqui).
Quanto à presença de advogado, aplicou a súmula vinculante 5 do STF, que dispõe:
"A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição".
Logo não há que se falar em prejuízo à amplitude da defesa e ofensa ao contraditório. Por fim, entendeu que o excesso de prazo para a conclusão do processo administrativo disciplinar não é causa de sua nulidade quando não demonstrado prejuízo à defesa do servidor. MS 12.895/DF, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 11/11/2009.
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*Diretor Presidente da Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes
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