Migalhas nº 404

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A Páscoa

DOM CLÁUDIO HUMMES

A Páscoa, tanto dos judeus como dos cristãos, constitui-se numa festa acima de tudo e profundamente religiosa. Maximamente religiosa, pois para ambas as religiões, a judaica e a cristã, ela celebra o evento central de sua fé. Uma festa que comporta, ao mesmo tempo, mensagens fundamentais para a sociedade e para a história humana, razão maior por que, mesmo no calendário civil, logrou atravessar os séculos, ainda que hoje distorcida pelo consumismo envolvente dos ovos de chocolate. Os judeus celebram a libertação do jugo egípcio; os cristãos, a morte e a ressurreição de Jesus Cristo. Os judeus celebram a passagem da escravidão para a liberdade; os cristãos, a passagem da morte para a vida. Além disso, a morte e a ressurreição de Jesus ocorrem, em Jerusalém, durante as festas da Páscoa judaica. A ceia pascal de Jesus, Sua última ceia, é ceia da Páscoa judaica, mas Jesus a transforma em antecipação misteriosa e sacramental de Sua morte e ressurreição.

Na tradição judaica, celebravam-se inicialmente duas festas distintas, a da Páscoa e a dos Pães Ázimos. Na Páscoa, o centro era a imolação e a manducação ritual do cordeiro. Na festa dos Pães Ázimos, comiam-se pães ázimos, acompanhados de ervas amargas. As duas tinham que ver com o início da primavera. Segundo estudiosos, teriam origem pré-mosaica e pertenciam, com significados diferentes, a tradições dos antigos povos da região, sejam nômades, sejam sedentários, mas sempre ligadas ao início da primavera. As duas foram relacionadas pela tradição mosaica ao evento salvífico do êxodo do Egito. Mais tarde, foram unidas numa única grande festa, como a encontramos no tempo de Jesus.

Dessas duas festas reencontramos elementos na Páscoa cristã: o pão ázimo ou não fermentado, a imolação do cordeiro e a primavera. De fato, Jesus, na sua última ceia, toma pão ázimo e vinho para instituir a Eucaristia; Sua morte na cruz e ressurreição são vistas pela fé cristã como a imolação do verdadeiro Cordeiro de Deus, que vence a morte e tira os pecados do mundo; a data da Páscoa cristã é calculada cada ano da seguinte forma: será no primeiro domingo depois da primeira lua cheia depois do equinócio da primavera do Hemisfério Norte.

A mensagem mais profunda que a Páscoa traz à humanidade é positiva, esperançosa e estimulante. É uma boa notícia, qual seja, a certeza da vitória sobre todo o mal, sobre todas as escravidões e, enfim, sobre a escravidão da morte.

A humanidade tem medo da morte e da destruição definitiva. Tem medo da perdição total. A luta pela sobrevivência, pelo progresso constante, pela saúde plena e pelo prolongamento da vida humana são também formas de lutar contra o temor da morte. Contudo, os sofrimentos, as doenças físicas e psíquicas, as fadigas, o envelhecimento sob todos os aspectos, as angústias interiores, os sentimentos dolorosos de perdas constantes, a morte de entes queridos, tudo tende a convencer-nos de que a morte é a palavra final. Ela parece reinar, irresistivelmente, minando, bem no cerne, o sentido da vida e da história dos homens.

Por outro lado, como que por sinal, no fundo do coração humano clama forte o anseio pela imortalidade e pela felicidade. Ser imortal e ser feliz. A busca da humanidade vai sempre nessa direção.

O ser humano, porém, não é só vítima do reino da morte, mas também colabora com ele, sendo causador de violências, crimes, mortes, guerras, injustiças sociais, ódios, discriminações, corrupções e inimizades. Aqui se manifesta a raiz do mal, a saber, o egoísmo. Buscando egoisticamente apenas a sua própria imortalidade e felicidade, gera a morte e a infelicidade dos outros.

Eis o pecado!

A Páscoa cristã nos afirma que Jesus Cristo venceu a morte, ressuscitando dos mortos, em definitivo. E, se Cristo ressuscitou, também nós, que, pela fé, somos feitos membros de seu corpo místico, ressuscitaremos no último dia para a imortalidade junto de Deus. Cristo venceu a morte porque aceitou morrer por amor a seu Pai Celeste e a nós. O egoísmo gera a morte, o amor gera a vitória sobre a morte. Cristo mesmo disse: "Ninguém tem maior amor do que aquele que dá sua vida pelos que ama" (Jo 15, 13). Com seu exemplo, ensina à humanidade o caminho da vida: sair do egoísmo e amar os outros - amar até mesmo os inimigos - a ponto de ser capaz de dar a vida em favor dos outros. Aqui entram o perdão mútuo, a solidariedade com os pobres, a luta contra as desigualdades sociais, contra a fome, a pobreza, a miséria, o desemprego, a corrupção, a luta pelos direitos humanos, pela dignidade de todos e pela cidadania. Poderíamos continuar a longa lista das formas de amar os outros, que todos conhecem.

Contudo, o ser humano precisa da intervenção de Deus na história da luta contra o mal e a morte. Sozinho o homem não conseguirá superar a força do egoísmo, raiz de todo pecado. A libertação do Egito exigiu a intervenção de Deus. A libertação de todos os males, principalmente da morte, exigiu nova e definitiva intervenção amorosa de Deus. Deus tanto amou o mundo que entregou Seu Filho único e Este, feito homem, Jesus Cristo, nos amou a ponto de dar Sua vida por nós.

Assim, a última palavra não será mais do reino da morte, mas do reino de Deus, que é vida imortal e felicidade indestrutível para quem abrir suas portas a Deus, amá-Lo como a um Pai e, na força desse amor, superar o egoísmo e amar os outros, como Cristo nos amou. Essa é a verdade da Páscoa!

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