Lançamento da obra "Digesto ou Pandectas do Imperador Justiniano"
quinta-feira, 1 de junho de 2017
Atualizado em 31 de maio de 2017 14:17
A YK Editora lança o volume I da edição histórica de "Digesto ou Pandectas do Imperador Justiniano", tradução completa em língua portuguesa de Manoel da Cunha Lopes e Vasconcellos, e agora adaptada e supervisionada pelos professores Eduardo C. Silveira Marchi, Bernardo B. Queiroz de Moraes e Dárcio R. Martins Rodrigues. O lançamento, que seria no dia 5, foi adiado. Em breve com uma nova data.
"Em verdade, tamanho é o valor dessa obra que o estudioso do Direito fica tomado de surpresa e pena, ao sabê-la tantos anos existente e inédita"
(LAFAYETTE PONDÉ, Catedrático baiano de Direito Administrativo, em parecer de 29 de janeiro de 1948)
Das apenas 13 traduções integrais do Digesto feitas até hoje no mundo, apenas cinco foram efetuadas inteiramente por um único estudioso. Soma-se agora a estas a tradução brasileira - a única em língua portuguesa e a primeira e única realizada na América Latina.
Autor desta façanha, um magistrado-jurisconsulto baiano, Manoel da Cunha Lopes e Vasconcellos (1843-1920) - o Conselheiro Vasconcellos -, cujo nome, a partir desta publicação, alça-se ao panteão dos mais célebres juristas brasileiros filhos ilustres da Bahia, como Teixeira de Freitas, Rui Barbosa e Orlando Gomes.
Nascido em Valença (BA), bacharel pela Faculdade de Direito de São Paulo (Largo de São Francisco, atual USP), juiz de Direito durante o Segundo Reinado e início da República, foi sobrinho de dois ilustres juristas brasileiros do século XIX, o famoso estadista Zacarias de Góes e Vasconcellos e o ex-presidente do antigo Superior Tribunal de Justiça (STF), João Antônio de Vasconcellos.
A obra de tradução, composta em manuscrito de nove grossos volumes, havia desaparecido ao final dos anos cinquenta, por conta de várias vicissitudes históricas, familiares e acadêmicas, tendo sido redescoberta em 2011, perdida em uma "cafua" (sala subterrânea escondida) da antiga Faculdade de Direito da Bahia (atual UFBA). Acertada colaboração, em 2016, entre a diretoria desta escola e os quatro romanistas-especialistas da Faculdade de Direito da USP, chega-se agora, depois dos ingentes trabalhos de transcrição, adaptação e integração da tradução, à publicação do 1º volume desta histórica obra.
Será ela certamente útil não só aos romanistas, civilistas e especialistas de outras áreas das ciências jurídicas, mas também a advogados, juízes e demais operadores do Direito.
Abaixo confira artigo sobre o Digesto:
A descoberta da tradução brasileira do Digesto
Eduardo C. Silveira Marchi e Bernardo B. Queiroz de Moraes
O "velho" (mas sempre "atual") Direito Romano é tido por muitos como uma disciplina estagnada, sem novidades. A verdade, contudo, é que, de tempos em tempos, algo faz com que ela renasça, ressurja em todo o seu esplendor.
Por volta do ano 2000, por exemplo, começou a haver na Europa uma reaproximação entre o Direito Romano e o Direito Civil, que mudou significativamente a forma de pensar a disciplina. A razão disso foi a conscientização de que o Direito Romano era um muito conveniente modelo para a base de uma unificação ou harmonização do direito europeu (uma necessidade no contexto da União Europeia).
Não por acaso, portanto, muitas comissões que elaboraram projetos nesse sentido são integradas por romanistas (veja-se, por exemplo, a que elaborou o famoso DCFR - Draft Common Frame of Reference).
Não por acaso, desde os anos de 1990 começaram a surgir traduções das fontes romanas (em especial do Digesto) para os mais variados idiomas. De fato, era necessário possibilitar àqueles que não dominam o latim (a maioria dos juristas de hoje) o acesso aos textos romanos. Traduções antigas não bastavam (várias foram produzidas no século XIX): não porque não fossem boas, mas porque foram produzidas para um leitor que conhecia bem os textos latinos e as peculiaridades do Direito Romano. Não se pode mais pressupor isso no século XXI. Uma tradução do Direito Romano será conveniente na medida em que seja minimamente inteligível ao "não-romanista".
Este tem sido o pressuposto explícito de todos os grandes projetos de tradução há muitos anos. Surgiram traduções "modernas" para o alemão (ainda incompleta), chinês (ainda incompleta), espanhol, inglês, italiano (ainda incompleta) e russo (fora versões parciais em eslovaco, tcheco etc.). Neste ano, foi concluído o projeto em polonês e na última segunda-feira (dia 29) houve o lançamento em Paris de uma nova edição francesa.
Faltava uma para a língua portuguesa. Nunca nenhum estudioso (ou grupo de estudiosos) da comunidade que fala esse idioma havia tido a coragem, a oportunidade ou as condições para empreender tal tarefa. Ao menos, era o que se pensava... até que uma descoberta fez com que isso mudasse.
Em 2011, na antiga Faculdade de Direito da Bahia, hoje da Universidade Federal da Bahia (UFBA), o zeloso Diretor da instituição, o administrativista Prof. Celso Castro, empreendia providências para a recuperação e restauração das salas e dependências do prédio da faculdade baiana. Dentre tais providências, determinou a abertura e o exame de uma esquecida "cafua", ou seja, uma sala subterrânea, repleta - aparentemente - apenas de quinquilharias deterioradas, há décadas fechada. Ao examinarem a cafua, foram descobertos, logo de início, em meio a carteiras de aula quebradas e móveis deteriorados, alguns documentos históricos de notável valor, dentre os quais a própria Ata de Fundação da Faculdade de Direito da Bahia em 1891.
Decidiu, então, o Diretor Prof. Celso Castro, proceder a uma investigação mais aprofundada do espaço, pensando na preparação de um Memorial ou museu da instituição, para a exposição desse material histórico. Para tal escopo, convocou uma arquivista da UFBA, Dra. Solenar do Nascimento. Essa última notável especialista, dando início a tal investigação, encontrou, ao longo de uma procura durada vários dias e semanas, inúmeros outros documentos históricos, dentre os quais, por fim, um tesouro inimaginável da literatura jurídica do mundo moderno: nove grossos volumes manuscritos de uma tradução completa para o português do Digesto ou Pandectas do Imperador Justiniano.
De 2011 a 2016, a dedicada arquivista Dra. Solenar do Nascimento, sempre orientada pelo Diretor Prof. Celso Castro, além de organizar o Memorial, cuidou de dar início a estudos mais aprofundados da extraordinária obra de tradução encontrada, procedendo também aos primeiros trabalhos da difícil transcrição do texto (neste mister também auxiliada por alguns voluntários graduandos da escola).
O autor da tradução foi um juiz baiano, Manoel da Cunha Lopes e Vasconcellos (1843-1920), bacharel pela também antiga Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (da atual Universidade de São Paulo - USP). Natural de Valença (BA), foi ele sobrinho de dois outros ilustres juristas do séc. XIX: João Antônio de Vasconcellos, que chegou a Presidente do STF, e Zacarias de Góes e Vasconcellos, um dos mais importantes e influentes homens públicos do Segundo Reinado.
Em outubro de 2106, foi então acertada uma parceria entre a Diretoria da Faculdade de Direito da UFBA e a equipe dos quatro romanistas da Faculdade de Direito da USP, chefiada pelo Prof. Titular Eduardo Cesar Silveira Marchi, também ex-Diretor da instituição paulista, e integrada pelos Profs. Bernardo B. Queiroz de Moraes, Dárcio R. Martins Rodrigues e Hélcio M. França Madeira.
No curso dos trabalhos conjuntos entre as duas instituições, verificou-se então, por um lado, que infelizmente quase 20% do manuscrito fora perdido; por outro, que se tratava de uma tradução de grande qualidade. Valia a pena o esforço para publicar a obra. Organizou-se o trabalho entre os romanistas paulistas, que tiveram de providenciar a transcrição do manuscrito (no mais das vezes muito difícil por conta do estado geral dele e as características da escrita do tradutor baiano), a revisão e adaptação da versão original e, por fim, a tradução dos fragmentos das lacunas encontradas.
Após muitas dificuldades e meses de trabalho intenso, a equipe conseguiu, com a constante colaboração da YK Editora, concluir o primeiro volume dessa fundamental contribuição à ciência do direito. Outros volumes virão em um curto espaço de tempo. Optou-se, seguindo o exemplo das modernas edições italiana, polonesa e russa, seguir a divisão em sete partes que o próprio imperador Justiniano indicou para a sua obra. O segundo volume já está em vias de ser finalizado.
Embora se lamente que a obra não tenha sido descoberta e publicada antes (fato que poderia ter notavelmente impulsionado o estudo do Direito Romano no Brasil ao longo do século XX), não se pode negar que ela surge em um momento muito conveniente tanto para o Direito Romano, quanto para o Direito Civil. Talvez publicada quando foi finalizada em 1915, teria tido o seu sucesso esmaecido pela subsequente promulgação do nosso primeiro Código Civil em 1916. Talvez o atraso de sua publicação tenha sido conveniente por fazê-la agora surgir, em momento mais propício para que fosse ela aproveitada em toda a sua potencialidade. O futuro provavelmente confirmará isso. O que não se pode negar é a extraordinária contribuição que o Conselheiro Vasconcellos presta ao desenvolvimento da ciência do direito na - chamada por Darcy Ribeiro - "Roma Tropical".
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